As onças-pintadas (Panthera onca) podem ser encontradas nas Américas, desde o norte do México ao sul ...

Como conquistar a confiança de uma onça-pintada? O diário de uma bióloga no Pantanal brasileiro

Após mais de 13 anos de trabalho observando de perto estes animais, a bióloga Lilian Rampim conta como é seu dia a dia e como tenta conquistar a confiança das onças-pintadas.

As onças-pintadas (Panthera onca) podem ser encontradas nas Américas, desde o norte do México ao sul da Argentina, sendo presente em maior número no Brasil - como a registrada acima, no bioma Pantanal.

Foto de Lucas Morgado
Por Redação National Geographic Brasil
Publicado 28 de nov. de 2025, 07:02 BRT

Respeitar o habitat natural do animal, se aproximar aos poucos criando uma relação verdadeira de confiança ao longo do tempo, pertencer ao ambiente do bicho sem interferir em seus hábitos… Essa é a base da habituação”, um método respeitoso de convívio dos seres humanos com animais silvestres usado por alguns pesquisadores para estudar o maior felino das Américas, a onça-pintada (Panthera onca).

O animal é tão representativo da fauna americana que está em cerca de 18 países do continente e tem uma efeméride dedicada a ele: o Dia Internacional da Onça-Pintada, determinado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). 

Celebrada anualmente em 29 de novembro, a data reflete a importância da onça-pintada – um predador do topo da cadeia alimentar que é também o terceiro maior felino do mundo, atrás apenas do tigre (Panthera tigris) e do leão (Panthera leo), como explica o site Animal Diversity Web (ADW), enciclopédia online mantida pelo Museu de Zoologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. 

Ficar de olho neste majestoso animal é, justamente, o trabalho de Lilian Rampim — bióloga com especialização em Manejo de Animais Silvestres pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) — já há mais de 13 anos em campo no Pantanal brasileiro. Lilian adotou a metodologia de habituação para estudar a onça. 

Mas como é conviver diariamente em busca de uma onça-pintada, um dos maiores carnívoros terrestres do planeta? 

Para responder essa questão, National Geographic conversou com Lilian Rampim com exclusividade. Ela conta um pouco de seu dia a dia e do que descobriu sobre os hábitos dos das onças que vivem livres na mata. Revela também como conseguiu conquistar a confiança desses animais selvagens maravilhosos e qual o panorama atual destes felinos em meio a tantas ameaças causadas pelos humanos.

Uma das onças identificadas e que passou pelo método de habituação do Onçafari, no Pantanal brasileiro.

Uma das onças identificadas e que passou pelo método de habituação do Onçafari, no Pantanal brasileiro. 

Foto de Eduardo Fragoso

Como é o trabalho de conquistar a confiança das onças-pintadas


É no Onçafari que a bióloga aprendeu e segue o método de habituação no Brasil; mas a entidade também tem parcerias com países vizinhos da América do Sul, como Bolívia e Paraguai, além de atuar em outros biomas do Brasil como o Cerrado,Amazônia e na Mata Atlântica.

Atualmente ela atua como Gerente de Ciência e Ecoturismo da Onçafari (uma instituição sem fins lucrativos pioneira no país em reunir conservação da fauna silvestre, turismo sustentável, pesquisa científica, reintrodução na natureza, educação e promoção social). Mas tudo começou com um convite da Onçafari que recebeu em 2012, quando Lilian saiu de São Paulo para entrar no universo das onças-selvagens que vivem livres na natureza em pleno Pantanal, no estado do Mato Grosso do Sul

Desde então, Lilian convive diariamente com os animais pantaneiros, em especial com a onça: “Foi bem aos poucos que conquistamos a confiança dos animais, de nos fazer presente no ambiente principalmente das onças-pintadas. É impressionante o que conseguimos com o tempo”, afirma a bióloga. 

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    Acima, a bióloga do Onçafari Lilian Rampim em campo, no Pantanal fazendo radiotelemetria, que busca o ...

    Acima, a bióloga do Onçafari Lilian Rampim em campo, no Pantanal fazendo radiotelemetria, que busca o sinal de VHF das onças que possuem colar de monitoramento.

    Foto de Acervo pessoal

    Ainda em 2012, ela começou o estudo de campo na região do Caiman Pantanal: “Foi um trabalho lento, percorremos quilômetros e quilômetros, procurando alguma onça-pintada. A gente já tinha ideia, mais ou menos, onde elas poderiam estar, e conseguimos instalar um colar de monitoramento VHF em uma fêmea. Ficávamos noites e noites vasculhando para ver se a gente encontrava a Esperança – que foi a nossa primeira onça a ser habituada”, explica Lilian. 

    Implementar a metodologia de habituação no Pantanal foi um projeto piloto da Onçafari. Lilian e sua equipe conquistaram a confiança das onças da região ao se aproximarem um pouco a cada dia. “É realmente um trabalho de fazer o animal se habituar à presença humana no mesmo ambiente”, afirma a bióloga. 

    Inicialmente, Lilian e um motorista paravam a mais de 200 metros da onça e ficavam estacionados, quietos. Aos poucos simulavam um ruído, uma tosse, para observar a reação do animal que, em um primeiro momento reagiamas depois se acostumava

    “A primeira vez que eu realmente fiquei a 12 metros de uma onça foi depois de estar trabalhando há nove meses no Pantanal”, conta a bióloga. “Trata-se de um processo lento, mas qual é a beleza da habituação? Ela passa de geração para geração nos animais", diz. 

    Isso significa que a Esperança, uma das primeiras onças observadas, “começou a ensinar a ideia dela que aquele carro com pessoas já não era um problema para seus filhotes”, informa a bióloga. “A Natureza, que era a filha mais velha da Esperança, já entendia e ‘ensinava’ também para as suas crias”.

    As onças-pintadas sobem e ficam sobre as árvores comumente, não só para se esconder, como explicou ...

    As onças-pintadas sobem e ficam sobre as árvores comumente, não só para se esconder, como explicou a bióloga Lilian Rampim.

    Foto de Lucas Morgado

    As verdades e os estereótipos sobre as onças-pintadas


    Logo no início do processo de habituação das onças-pintadas, Lilian observou que alguns estereótipos comuns dados a elas não eram tão realistas como se pensava em relação à vida livre desses grandes felinos. “Nós íamos só à noite tentar avistar alguma onça, só que tivemos que mudar a estratégia. É dito sempre que onças tinham hábitos noturnos, que não tinham hábito arborícola [de ficar em árvores] e que era solitária – e no meu primeiro mês lá já derrubamos esses estereótipos”, revela.

    Com a observação contínua foi possível constatar que a onça-pintada não é exclusivamente noturna; ela caminha e caça durante o dia, especialmente à tarde e muitos avistamentos acontecem neste período. Ela também descobriu que as onças utilizam árvores não apenas para se esconder, mas também como uma extensão de seu território. Elas sobem e ficam nas árvores para demarcar presença e afiar suas as garras, como “grandes gatos”, ensina a bióloga.

    Outro ponto importante que só com a observação próxima foi entender que as onças-pintadas não são essencialmente solitárias. “Às vezes, elas andam em pequenos grupos. Não são tão grupais como os leões, mas as onças podem ser muito tolerantes uma à outra”, conta Lilian. “Eu já vi, por exemplo, sete onças comendo a mesma carcaça ao mesmo tempo, dividindo pacificamente o alimento”, afirma.

    Além disso, alguns animais caminham juntos – ocasionalmente ou sempre. “Aqui a gente tem dois machos que não está constatado se são irmãosmas caminham juntos o tempo todo. Temos também um caso de uma adoção de filhote, uma ‘tia’ que adotou o filhote de sua irmã que o abandonou”, conta a bióloga.

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      Na foto, o registro de uma onça-pintada mãe e seu filhote livres na natureza.
      Na foto, duas onças-pintadas bebendo água juntas de um rio no Pantanal brasileiro.
      À esquerda: No alto:

      Na foto, o registro de uma onça-pintada mãe e seu filhote livres na natureza.

      Foto de Rafael Del
      À direita: Acima:

      Na foto, duas onças-pintadas bebendo água juntas de um rio no Pantanal brasileiro.

      Foto de Eduardo Fragoso

      Como a habituação, o ecoturismo e a educação contribuem com a proteger as onças-pintadas


      Conhecida por diversos nomes nas diferentes regiões onde é encontrada – tais como jaguar, jaguaretê, yaguareté, canguçu, pintada, pinima, pinima-malha-larga e pixuna – a onça-pintada é um animal carnívoro e predador do topo da cadeia alimentar, reinando absoluta nos ambientes onde vive e se alimentando de pequenos tatus e cotias, chegando até a jacarés e antas

      Por conta disso, elas controlam populações de presas e são de extrema importância no equilíbrio dos ecossistemas onde estão inseridas. As onças são carnívoras estritas, ou seja, alimentam-se exclusivamente de carne, informa o ADW

      Mas como o Pantanal brasileiro atualmente está repleto de propriedades privadas, sendo a maioria voltada para pecuária — e claro que um animal como a onça-pintada acaba sendo visto como um “perigo” ao gado, especialmente aos bezerros. 

      “É um amor platônico que eu tenho pelas onças. Elas não sabem quem sou eu, mas eu dou todos os sinais do mundo que elas podem confiar em mim.”

      por Lilian Rampim
      Bióloga e Gerente de Ciência e Ecoturismo da Onçafari

      Por isso mesmo, além das pesquisas científicas feitas pelo instituto, o desenvolvimento do ecoturismo consciente no Pantanal promovido pelo Onçafari, bem como o processo educacional gerenciado por eles região através de palestras e cursos, ajuda a proteção das onças, mostrando que os animais selvagens podem ser uma fonte de vida em vez de uma ameaça, principalmente para os pecuaristas locais.

      Mas além da caça às onças-pintadas, há outras ameaças que fazem o felino estar na lista vermelha marcado como vulnerável (no Pantanal é essa sua classificação). O desmatamento e os incêndios florestais são grandes perigos à elas, e a equipe de Lilian também trabalha para evitar o fogo, que é algo infelizmente comum na região pantaneira. 

      “A proteção da fauna está diretamente ligada à preservação do seu habitat, então nós criamos uma frente anti-incêndio para monitorar áreas em risco devido ao aquecimento global. A formação de brigadistas e o uso de tecnologia são fundamentais para a prevenção e combate a incêndios florestais”, afirmou. 

      Além disso, a equipe também atua na reintrodução de onças órfãs na natureza, um processo complexo que envolveu um ano de adaptação e aprendizado, resultando em novas gerações de onças na natureza. “É um amor platônico que eu tenho pelas onças. Elas não sabem quem sou eu, mas através do meu comportamento, eu estou dando todos os sinais do mundo que elas podem confiar em mim, que ela está segura, sabe?", finaliza Lilian. 


      *Entrevista feita por Juliane Albuquerque, Editora Assistente de National Geographic Brasil.

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