Astronautas que ficam presos no espaço são mais comuns do que você pensa
Os astronautas norte-americanos Sunita Williams e Barry Wilmore estão entre uma longa lista de astronautas que passaram mais tempo no espaço do que o esperado.
Os astronautas da Nasa (no sentido horário, de baixo para cima) Matthew Dominick, Jeanette Epps, Sunita Williams, Mike Barratt, Tracy Dyson e Barry Wilmore posam para um retrato de equipe na Estação Espacial Internacional em 11 de julho de 2024. Williams e Wilmore deveriam passar cerca de oito dias no espaço, depois de chegarem no primeiro voo do Boeing Starliner em junho, porém não há previsão de saírem antes de fevereiro de 2024.
Graças a problemas técnicos com sua nave espacial Boeing Starliner, os astronautas Sunita Williams e Barry Wilmore estão passando muito mais tempo na Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês) do que o planejado originalmente. Mas esses astronautas não são os primeiros viajantes espaciais a ficarem “presos” no espaço, e provavelmente não serão os últimos.
Lidar com essas dificuldades é uma tarefa essencial para um astronauta – e Williams e Wilmore podem estar secretamente satisfeitos com a situação. “Os astronautas se consideram 'presos' na Terra, portanto, esse é um grande presente”, diz Chris Hadfield, ex-astronauta da Nasa, piloto de ônibus espacial e comandante de tripulação de longo prazo na ISS. “É o objetivo de nossa profissão.”
Seja um “encalhe”, um atraso ou uma missão estendida, os astronautas passam mais tempo no espaço de vez em quando. Os motivos variam desde a geopolítica até os riscos naturais da viagem espacial. Mas seja qual for a causa, os astronautas e as agências espaciais se preparam para esses cenários.
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Uma estadia prolongada
Williams e Wilmore estavam programados para passar oito dias no espaço, na Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês), depois de chegarem lá no primeiro voo da Starliner em junho de 2024.
No entanto, mesmo antes do lançamento e durante a viagem para a ISS, a Starliner foi afetada por vazamentos do gás hélio usado para empurrar o combustível para seus propulsores – e assim os dois astronautas já passaram mais de dois meses na estação espacial enquanto a Nasa e a Boeing tentavam resolver os problemas.
Em 24 de agosto, a Nasa anunciou que Williams e Wilmore retornarão à Terra em uma espaçonave Dragon da SpaceX, enquanto a Starliner fará uma descida automatizada.
Isso significa que os dois astronautas provavelmente permanecerão na ISS até fevereiro de 2025 – cerca de oito meses após sua chegada – quando uma cápsula Dragon deverá retornar à Terra.
Hadfield, que já foi piloto de testes da Força Aérea e da Marinha dos Estados Unidos, diz que problemas são esperados durante o primeiro voo de qualquer espaçonave, mas acrescenta que entende por que a Nasa agiu para garantir a segurança da tripulação.
Para os astronautas, quanto mais tempo no espaço, melhor. “Você treina durante décadas para ter a oportunidade de passar longos períodos de tempo no espaço – e isso transformou o voo de curta duração em um voo de longa duração”, observa ele.
O cosmonauta Valery Polyakov (foto) embarcou na estação espacial Mir em 8 de janeiro de 1994 e deixou a estação em 22 de março de 1995, estabelecendo um recorde de 437 dias e 18 horas de tempo contínuo no espaço.
A União Soviética se dissolveu formalmente durante a missão do cosmonauta Sergei Krikalev a bordo da estação espacial Mir em 1991, estendendo seu tempo no espaço de 150 para 311 dias.
Como astronautas experientes, Williams e Wilmore provavelmente teriam reagido positivamente ao atraso, especula Hadfield, que agora escreve livros thrillers ambientados na Terra e no espaço.
“No final de cada um de meus voos espaciais, se alguém tivesse dito 'você tem mais três meses lá em cima', isso teria sido a melhor coisa”, diz ele.
Eles não estão tecnicamente “presos” no espaço
A Nasa insiste que Williams e Wilmore não estão tecnicamente “presos” no espaço, argumentando que eles esperavam que o primeiro voo da Starliner expusesse tais problemas.
Mas há um longo histórico de viajantes espaciais que passaram mais tempo do que o esperado no espaço devido a obstáculos para trazê-los de volta à Terra.
O caso mais famoso é o de Sergei Krikalev, um cosmonauta a bordo da estação espacial Mir durante a dissolução da União Soviética. Krikalev foi lançado em 18 de maio de 1991, de Baikonur, na República Socialista Soviética do Cazaquistão, e planejava passar cerca de 150 dias na Mir. Mas a União Soviética se desfez durante sua missão, e questões sobre quem pagaria por seu retorno o mantiveram em órbita por 311 dias – um recorde mundial na época.
Às vezes, as naves espaciais encontram problemas enquanto estão atracadas na ISS, como foi o caso de outro ocupante prolongado da ISS, o astronauta norte-americano Frank Rubio. Rubio e dois cosmonautas russos chegaram em uma espaçonave russa Soyuz em setembro de 2022, e estavam programados para levar a mesma espaçonave de volta em março de 2023.
Mas a Soyuz apresentou problemas depois de ser atingida por um micrometeorito – um grão de poeira ou rocha que se desloca com extrema rapidez – e, portanto, Rubio teve de pegar uma carona em outra Soyuz em setembro de 2023.
Como resultado, Rubio estabeleceu um novo recorde para o maior tempo passado continuamente no espaço por um astronauta da Nasa, 371 dias. No entanto, isso ainda está longe de ser o recorde geral: O cosmonauta russo Valeri Polyakov passou 437 dias consecutivos a bordo da estação espacial Mir em 1994 e 1995.
O encalhe do ônibus espacial
Dois astronautas norte-americanos e um cosmonauta russo ficaram presos a bordo da ISS em fevereiro de 2003, depois que o ônibus espacial Columbia se desintegrou durante sua reentrada na atmosfera, matando todos os sete astronautas a bordo.
O oficial de ciências da Expedição Seis, Donald Pettit (frente), o engenheiro de voo Nikolai Budarin (esquerda, atrás) e o comandante da missão, Kenneth Bowersox (direita, atrás), demoraram a retornar da ISS após o acidente com o ônibus espacial Columbia em 2003.
Após o desastre, a Nasa suspendeu todos os voos de ônibus espaciais até que pudessem ser considerados seguros – uma paralisação que durou mais de dois anos – e, portanto, o ônibus Atlantis, programado para trazer a tripulação de volta à Terra em março, não pôde voar. Por fim, todos os três passaram mais três meses na ISS, retornando em maio de 2003 em uma espaçonave russa Soyuz.
Durante algum tempo, a Soyuz da Rússia foi a única espaçonave que podia se acoplar à ISS, e problemas com ela às vezes causavam atrasos na troca das tripulações da estação espacial. Isso inclui a missão MS-10, que foi abortada logo após seu lançamento em outubro de 2018.
Esses atrasos, no entanto, raramente são detalhados pela agência espacial russa Roscosmos; e Hadfield diz que mudanças nas programações de voos espaciais acontecem o tempo todo.
O caso mais dramático de um encalhe espacial foi durante a missão Apollo 13 em 1970, depois que um tanque de oxigênio no módulo de comando explodiu apenas três dias após a viagem de seis dias de ida e volta à Lua.
O desastre ameaçou a vida dos três astronautas a bordo. Mas eles conseguiram usar o módulo de pouso lunar como um bote salva-vidas, trocando-o pelo módulo de comando protegido contra o calor pouco antes da reentrada; e eles aterrissaram em segurança no dia 17 de abril de 1970 – cerca de 14 horas depois do previsto originalmente.
A explosão de um tanque de oxigênio estourou um painel inteiro do módulo de serviço da Apollo 13 (mostrado aqui, alijado do módulo de pouso lunar) em 1970. Como resultado, a tripulação teve que usar o módulo de pouso lunar como um “bote salva-vidas” para retornar à Terra.
Os voos espaciais tripulados
O professor de astronáutica da Universidade do Sul da Califórnia (Estados Unidos), Mike Gruntman, diz que geralmente não é um problema quando os astronautas precisam passar mais tempo no espaço do que o esperado.
Mas permanecer no espaço por períodos prolongados pode ser mais perigoso para astronautas mais velhos, que podem sofrer os efeitos da perda muscular e óssea em um ambiente de microgravidade, afirma ele. A situação da Starliner exemplifica a capacidade dos astronautas de carreira de lidar com problemas.
Mas também mostra como as questões geopolíticas podem ter impacto sobre o voo espacial, diz ele, observando que o atual conflito entre a Rússia e a Ucrânia torna “irrealista” considerar um lançamento de emergência da Soyuz para trazer os astronautas de volta.
O engenheiro astronáutico da Universidade Purdue, Barrett Caldwell, também vê a situação da Starliner como uma prova da resistência dos voos espaciais tripulados por humanos.
“A comunidade de voos espaciais coloca um enorme ônus adicional de segurança e gerenciamento de riscos em qualquer veículo projetado para humanos”, explica ele. “As decisões recentes mostram o quanto estamos vivendo essa realidade.”
Além disso, a exposição e a superação de problemas técnicos fazem parte do plano para novas espaçonaves: “Como essa é a primeira missão de um veículo experimental, tudo isso faz parte do processo de desenvolvimento e avaliação”, diz Caldwell.
Os astronautas a bordo da ISS podem observar a vista da Terra através das janelas de um módulo chamado cúpula. Aqui, a costa oeste do Chile é visível abaixo.
Cérebros e mãos extras
Quanto à forma como a tripulação da Starliner passará seu tempo extra no espaço, o ex-astronauta da Nasa, Tom Jones, diz que os astronautas Williams e Willmore efetivamente se juntaram à tripulação existente da estação espacial e terão funções completas lá até partirem em fevereiro.
“A Nasa e seus parceiros estão satisfeitos com a produtividade extra a bordo, com dois cérebros e pares de mãos a mais para conduzir pesquisas e manter a complexa ISS”, comenta ele.
A ISS já estoca quatro meses de suprimentos de emergência para sete pessoas, diz ele, e observa que duas naves robóticas de carga já atracaram desde que chegaram lá – presumivelmente carregando suprimentos extras e itens pessoais para os astronautas extras.
Hadfield diz que Williams e Wilmore são astronautas experientes que lidarão facilmente com qualquer desconforto decorrente das mudanças: “Você não se torna um astronauta por conforto”.
E ambos passaram grande parte de suas vidas treinando exatamente para esse tipo de eventualidade: “Este é como o melhor presente de Natal que ambos poderiam receber”, diz ele. “Eu trocaria de lugar com eles em um piscar de olhos.”