
O que a radiação cósmica faz ao corpo humano? Spoiler: ela não dá superpoderes como os do Quarteto Fantástico
A exposição à radiação cósmica varia com a altitude — quanto maior a altitude, maior a exposição.
Quando olhamos para o céu noturno, muitas vezes nos maravilhamos com as estrelas cintilantes, os planetas distantes e as galáxias expansivas. No entanto, além do espectro visível, existe um aspecto mais misterioso do cosmos: a radiação cósmica.
Trata-se de partículas de alta energia que fluem pelo Universo a uma velocidade próxima à da luz, de acordo com Dimitra Atri, do Grupo de Pesquisa de Marte do Centro de Astrofísica e Ciência Espacial da Universidade de Nova York em Abu Dhabi.
Elas se originam de eventos como explosões de supernovas e erupções solares e viajam pelo espaço, constantemente bombardeando a Terra em todas as direções e entrando em sua atmosfera.
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No filme “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos”, da Marvel Studios, agora em cartaz nos cinemas de todo o Brasil, os personagens que compõem o Quarteto Fantástico (criados para os quadrinhos em 1961) recebem seus poderes após serem expostos à radiação cósmica que altera seu DNA em um nível fundamental que os transformou em super-heróis.
Embora essas partículas de alta velocidade infelizmente não lhe deem superpoderes na vida real, elas podem sim penetrar no corpo humano.
Em altas doses, os raios cósmicos podem romper as moléculas de DNA e danificar o tecido biológico. A exposição prolongada à radiação cósmica pode aumentar o risco de câncer, catarata e problemas reprodutivos. Também pode prejudicar a neurogênese, o processo de geração de novas células no cérebro.
Mas o quanto o corpo humano é exposto a esse tipo de radiação e como isso influencia nossa saúde varia de acordo com a altitude e as medidas tomadas para nos proteger dela. Veja, a seguir, tudo o que você precisa saber sobre isso.
Como a radiação cósmica afeta você se você permanecer na Terra
Aqui na Terra, temos um sistema de defesa natural contra a radiação cósmica que protege a vida no planeta: a atmosfera e o campo magnético da Terra. A atmosfera absorve a maior parte da energia da radiação cósmica, permitindo que apenas uma pequena fração alcance a superfície da Terra.
Já o campo magnético do nosso planeta, que é produzido por correntes elétricas no núcleo da Terra, protege o planeta da radiação espacial mais prejudicial.


Os raios cósmicos que atingem a superfície da Terra foram registrados pelos rastros de vapor que deixam nas câmaras de bolhas, como o registro acima da Câmara de Bolhas 924, em julho de 1960.
Quando as tripulações da missão Apollo voltaram da Lua, foram encontradas pequenas marcas nos seus capacetes causadas por impactos de raios cósmicos. A imagem acima é uma visão ampliada de uma réplica em silicone do capacete de teste.
Em média, as pessoas na superfície da Terra são expostas a cerca de três milisieverts de radiação por ano. (Sieverts, frequentemente expressos em milisieverts, são uma unidade usada para medir a dose de radiação que afeta o corpo humano.) No entanto, a altitude é importante. “À medida que você sobe, estando em maior altitude, a espessura da atmosfera diminui e você fica exposto a mais radiação”, explica Atri.
Quanto mais alta a altitude, menor a proteção atmosférica contra partículas cósmicas. Pessoas em locais de alta altitude, como a cidade norte-americana de Denver ou Cusco, no Peru, experimentam níveis de radiação cósmica ligeiramente mais elevados do que aquelas que estão ao nível do mar em lugares como o Rio de Janeiro.
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Como a radiação cósmica afeta você quando você voa de avião
Quando as viagens aéreas nos levam a altitudes mais elevadas, elas também nos aproximam das partículas altamente energéticas que emanam do espaço sideral.
Embora os passageiros de avião estejam expostos a níveis elevados de radiação cósmica, a real radiação que recebem em um voo é insignificante. Por exemplo, um voo de ida e volta de costa a costa nos Estados Unidos, voo de cerca de 6h, é aproximadamente igual à dose de radiação de um único raio-X do tórax.
No entanto, pilotos, comissários de bordo e passageiros frequentes enfrentam uma exposição maior à radiação cósmica devido à frequência com que estão no céu.
Um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, concluiu que a exposição à radiação contribuiu para problemas de saúde ocupacional entre as tripulações de voo e riscos de câncer relacionados ao trabalho. Outra pesquisa descobriu que as tripulações aéreas normalmente recebem mais exposição à radiação do que os trabalhadores de instalações nucleares.
“Ainda assim, não é suficiente para causar tantos danos, porque você ainda está dentro do campo magnético da Terra e ainda há uma atmosfera que te protegem”, acrescenta Atri.
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Como a radiação cósmica afeta astronautas e viajantes espaciais que saem do planeta Terra
Depois de se aventurarem além da atmosfera protetora da Terra, os seres humanos que viajam pelo Espaço enfrentam níveis significativos de exposição à radiação. O corpo humano no Espaço seria constantemente bombardeado por partículas de alta energia.
Os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS), que orbita a Terra a uma altitude de 400 quilômetros, estão expostos a níveis de radiação muito mais altos do que aqueles na superfície da Terra. Em apenas uma semana a bordo da ISS, os astronautas são expostos à mesma radiação cósmica que um ser humano médio receberia ao nível do mar na Terra em um ano.
Os astronautas que viajam para regiões mais distantes do cosmos — em missões à Lua, Marte e além — ficariam expostos a ainda mais raios cósmicos durante o trajeto e a chegada ao destino. Por causa disso, muitas agências espaciais propuseram limites de dose de radiação ao longo da carreira sobre a quantidade de radiação a que os astronautas podem ser expostos.
Um instrumento a bordo do rover Curiosity durante sua jornada de 253 dias até Marte revelou que a dose de radiação recebida por um astronauta em uma viagem de ida e volta seria de cerca de 0,66 sieverts — o equivalente a 660 raios-X do tórax.
E enquanto a atmosfera da Terra a protege da maior parte da radiação do cosmos, a atmosfera Marte é fina — cerca de 100 vezes mais fina que a da Terra — permite a entrada de grande parte dessa radiação.
Usando as medições do rover Curiosity, os pesquisadores estimam que uma missão de 500 dias na superfície do Planeta Vermelho resultaria em uma exposição total de cerca de 1 sievert, o que é aproximadamente 10 vezes a dose de radiação que um astronauta recebe durante uma missão de seis meses na ISS.
Os pesquisadores propuseram vários projetos de espaçonaves com escudos feitos de água, materiais ricos em hidrogênio ou material planetário que podem oferecer uma viagem potencialmente mais segura pelo cosmos, absorvendo a radiação.


Os Phantom Torsos, como o que se vê acima, são modelos anatômicos construídos com centenas de dispositivos de monitoramento de radiação que permitem aos pesquisadores calcular a quantidade de radiação que penetra nos órgãos internos durante viagens espaciais.
Embora os trajes espaciais ofereçam alguma proteção contra os raios cósmicos, o melhor meio de proteção é programar as atividades extraveiculares para períodos de baixa atividade solar.
Também há pesquisas em andamento sobre projetos de abrigos que, uma vez que os astronautas cheguem ao seu destino, possam ser enterrados ou blindados para reduzir a exposição à radiação. “Quando você está na superfície, pode usar o solo de Marte para construir habitats”, comenta Atri.
“Você pode construir algo subterrâneo que lhe dê blindagem natural. Isso deve ser suficiente para basicamente eliminar o componente mais extremo da radiação prejudicial.”
A radiação cósmica é um grande desafio para as viagens interplanetárias, levando os especialistas médicos a também considerarem medicamentos que possam diminuir seu impacto no corpo humano. “É um campo muito interdisciplinar”, diz Atri. “Temos profissionais médicos, físicos, engenheiros, psicólogos — todos precisam estar envolvidos.”
Apesar de nosso conhecimento crescente sobre essas misteriosas partículas carregadas, Atri afirma que precisamos de mais dados para entender completamente como proteger os seres humanos da exposição, se quisermos explorar os confins do cosmos.
A menos que você tenha alguma viagem espacial planejada para o futuro próximo, pode ter certeza de que não sentirá muitos efeitos negativos à saúde — nem experimentará superpoderes como os dos personagens do Quarteto Fantástico — devido à radiação cósmica.
