Conheça a curiosa arte de “colher” névoa no deserto

Como você transforma névoa em água? Veja como a escassez inspira engenhosidade em Lima, Peru.

Por Sarah Gibbens
Publicado 27 de mar. de 2023, 11:21 BRT

Na desértica Lima, uma cidade de 10 milhões de pessoas junto ao Oceano Pacífico, a neblina é uma importante fonte de água. A água pode ser difícil de se obter em terra, mas cobertores espessos de névoa rolam do Oceano Pacífico durante o outono e o inverno peruano.

Foto de Alessandro Cinque National Geographic

Durante os meses cinzentos e nublados de outono e inverno, mais de 100 redes verdes podem ser encontradas na periferia de Lima, Peru, colhendo, surpreendentemente, névoa. A técnica é elegante em sua simplicidade. 

À medida que o vapor de água se apanha nas redes verticais, ele se condensa em água líquida e goteja para um tanque de retenção. Composta de apenas dois postes e uma rede de nylon, a engenhoca pode ser uma fonte significativa de água, coletando entre 189 a 378 litros diariamente. 

Garúa, (chuvisco, em espanhol), é o nome que os peruanos dão ao nevoeiro sazonal de Lima. Durante esta época do ano, as correntes oceânicas empurram a água fria do oceano para a superfície, onde ela resfria o ar e forma nuvens espessas e baixas. A garúa continua viajando por terra, através dos vales dos rios, até atingir a Cordilheira dos Andes.

Foto de Alessandro Cinque National Geographic

Abel Cruz sabe o que é viver sem água. Depois de deixar sua cidade natal de Cusco, Peru, ele viveu em um dos acampamentos de migrantes de Lima, onde a água é entregue em caminhões por um preço elevado. Agora, o engenheiro industrial é presidente de uma organização sem fins lucrativos que ajuda outras comunidades a criar seus próprios coletores de névoa.

Foto de Alessandro Cinque National Geographic

Lima, envolta em névoa costeira durante metade do ano, é a segunda maior cidade já construída em um deserto. E os migrantes que vivem na periferia da cidade não têm acesso à canalização que fornece água potável para o resto da cidade. 

Em acampamentos como estes, caminhões entregam água potável a um preço às vezes mil vezes mais caro do que o custo da água da torneira em outras partes de Lima. A água coletada das redes de neblina não é potável, mas pode ser usada para banho ou fervida para cozinhar, reduzindo a quantidade de água que precisa ser comprada. 

Foi uma disparidade que o engenheiro industrial Abel Cruz notou há 20 anos quando se mudou para um assentamento de migrantes, onde a água era escassa. Cruz começou a pensar em como transformar o ar nublado de Lima em água, e agora, como presidente da organização Movimiento Peruanos Sin Agua, ele compartilha sua estratégia caseira com outros necessitados.

Para o fotógrafo Alessandro Cinque, projetos como estes ilustram o tipo de engenhosidade de que as comunidades carentes de água precisarão mais no futuro. 

mais populares

    veja mais

    Moradores do bairro de Triunfo, em Lima, preparam uma rede de captura de névoa. A invenção é simples, uma grande rede de nylon é enfiada entre dois polos. Ao prender a névoa, as gotículas se condensam como vapor em uma cortina de chuveiro, e em seguida escorrem em recipientes. Cada rede pode durar cinco anos.

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    As redes de nevoeiro podem ser enormes, com mais de 9 metros de comprimento e 9 metros de altura, do tamanho de dois grandes carros empilhados um em cima do outro. Para encher seus baldes, os residentes devem subir 20 degraus de escada. Para o fotógrafo Alessandro Cinque, as grandes redes, empoleiradas no topo das colinas, lembram as cruzes católicas.

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    A água doce é um recurso cada vez mais escasso. À medida que a mudança climática avança, os padrões pluviométricos estão se tornando menos confiáveis. De Cidade do Cabo, África do Sul, até Los Angeles, EUA, há uma seca crônica. Quando a chuva cai nesses lugares secos, é mais propensa a dilúvio, uma precipitação sobrealimentada por uma atmosfera mais quente. 

    Hoje, cerca de dois terços da população mundial sofre com a escassez de água durante pelo menos um mês por ano, de acordo com a ONU, e até 2030, 700 milhões de pessoas poderão ser forçadas a se deslocar para encontrar água.

    Para Cinque, ver a simples eficácia das redes de neblina lhe deu a esperança de que ferramentas baratas possam ajudar as pessoas a sobreviver à mudança climática. 

    "Ver [as redes] de baixo me fez lembrar as cruzes católicas no topo das montanhas", conta o fotógrafo. "Fiquei surpreso de como algo tão simples pode realmente ajudar as pessoas".

    Lima está localizada em um deserto costeiro, e a maior parte da água da cidade é canalizada a partir de reservas de geleiras andinas derretidas e águas subterrâneas. Mas nem todos têm acesso às tubulações da cidade. Cerca de 430 mil pessoas vivem em Villa Maria del Triunfo, vista aqui, e cerca de 20% vivem em extrema pobreza. 

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    Apelidada de Lima la Gris (Lima, a cinza), a cidade está nublada e densa de neblina durante metade do ano. As redes são usadas somente durante o outono e o inverno de Lima, de abril a setembro, quando a neblina costeira é suficientemente densa para que as redes coletem água.

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    A população de Lima dobrou nas últimas quatro décadas. As pessoas vão para a capital em busca de empregos, educação e saúde; algumas delas foram forçadas a sair de suas casas como resultado da mudança climática. Os desastres naturais, a seca, a diminuição das geleiras e outras mudanças relacionadas ao clima estão pondo em perigo a subsistência de mais de 12 milhões de peruanos, de acordo com um estudo de 2021.

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    Usando água coletada de redes de neblina, Mercedes Huamani Mitma cultiva uma horta de frutas e verduras que ajudam a alimentar sua família. "Onde há água, há vida", disse ela a Cinque.

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    Durante a pandemia da Covid-19, o governo peruano pagou para que as empresas locais de abastecimento de água doassem água aos bairros que antes tinham que pagar pela água entregue por caminhões. A partir de março de 2023, a água não será mais gratuita, e custará mais do que o que os moradores do centro da cidade pagam.

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    Tecnologias que estão sendo desenvolvidas para fornecer água em meio às mudanças climáticas podem ser caras, como dessalinizar a água do oceano. Para aqueles sem recursos ou acesso, as redes de neblina são simples: funcionam instantaneamente, duram anos e ajudam a garantir o acesso a uma necessidade humana básica.

    Foto de Alessandro Cinque National Geographic

    Baseado no Peru, Alessandro Cinque fotografa as consequências ambientais das mudanças climáticas, especialmente nas populações indígenas.

    Um novo Mapa Mundial da Água permite que as pessoas descubram sobre o abastecimento de água onde vivem. Digitando um endereço, é revelada a diferença entre a demanda humana de água e o suprimento renovável de fontes como rios, lagos e aquíferos. O mapa, desenvolvido pelos exploradores da National Geographic Marc Bierkens e Niko Wanders, com o apoio da National Geographic Society, Universidade de Utrecht e ESRI, também mostra as regiões onde a quantidade de água é mais alta e o esgotamento das águas subterrâneas mais preocupante, incluindo o Vale Central da Califórnia, nos Estados Unidos, o Delta do Rio Nilo, no Egito, e a Bacia do Rio Indo, no Paquistão.

    mais populares

      veja mais
      loading

      Descubra Nat Geo

      • Animais
      • Meio ambiente
      • História
      • Ciência
      • Viagem
      • Fotografia
      • Espaço
      • Vídeo

      Sobre nós

      Inscrição

      • Assine a newsletter
      • Disney+

      Siga-nos

      Copyright © 1996-2015 National Geographic Society. Copyright © 2015-2024 National Geographic Partners, LLC. Todos os direitos reservados