Qual é a origem da capoeira no Brasil? Nova série do streaming inspira a descobrir mais sobre essa história
A capoeira é praticada há séculos no Brasil, já foi marginalizada no passado, mas teve sua importância cultural reconhecida mundialmente e agora chega às telas, na série "Capoeiras" do Disney+, com os atores Raphael Logam e Sérgio Malheiros (acima em uma cena da produção).
Movimentos rápidos e precisos, com gingado e foco, tudo ao som de uma música cadenciada tocada e cantada ao vivo…. Quem hoje vê uma roda de capoeira presencia esta prática secular tipicamente brasileira que reúne luta, dança, jogo, música e que é reconhecido desde 2014 como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Pela primeira vez, a capoeira vai ganhar as telas e ser apresentada como tema essencial em uma produção ficcional no audiovisual brasileiro, na série Capoeiras, disponível no Disney+ a partir de 29 de agosto. Mas como e quando surgiu a capoeira? Qual é a sua origem? Como ela se tornou um importante símbolo cultural do país?
A National Geographic Brasil entra no clima da atração e apresenta as origens da capoeira que mistura arte marcial, jogo e dança como resistência e combate desde à epoca da escravidão no país. Veja mais a seguir.
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O quadro do pintor inglês Augustus Earle retrata alguns negros escravizados lutando no campo, no Rio de Janeiro do período Imperial, cerca de 1824.
Estas são as origens da capoeira
A capoeira faz parte da cultura e da identidade brasileira há alguns séculos, desde o Brasil Colônia. E como diversos outros elementos culturais do país como palavras, pratos culinários e danças, a capoeira também está intimamente ligada ao povo negro escravizado que veio ao Brasil de países africanos durante os mais de 300 anos de escravidão, como explica o professor Bruno Nascimento Alleoni no artigo acadêmico da Universidade Mackenzie, de São Paulo, “A manifestação corporal capoeira: uma cultura nacional brasileira”.
Como muitas outras manifestações corporais latinas, como a salsa (Cuba), o merengue (República Dominicana), o calipso (Trinidad e Tobago) e o samba (Brasil), a capoeira tem origem em elementos trazidos por africanos, como por exemplo a dança N’Golo (do sul da Angola) e as lutas Bassula e Kambangula (ambas também de Angola), como citado no artigo de Alleoni.
As culturas corporais citadas foram levadas para as senzalas, nas quais havia pessoas escravizadas de outras regiões da África, além de indígenas (ainda que em menor número). “A interação das culturas foi inevitável e mesmo muitos não falando a mesma língua e nem tendo a mesma origem, o sonho de liberdade era o mesmo. A vontade de luta pela libertação possibilitou uma miscigenação de culturas corporais dando origem à capoeira”, afirma Alleoni.
Foi nesse cenário de repressão e também de resistência que a capoeira foi criada. Ela surgiu como resposta à violência a qual os escravizados eram submetidos durante o período de escravidão no Brasil. A partir de golpes e movimentos corporais ágeis, a luta permitia que eles se defendessem das brutais perseguições dos “capitães do mato”, seguranças dos donos de fazendas cuja atribuição era capturar quem havia fugido.
“Para não levantarem suspeitas – pois os senhores de engenho proibiam que praticassem qualquer tipo de esporte – os capoeiristas adaptaram os movimentos adicionando elementos coreográficos e musicais, camuflando seu verdadeiro significado inicial de defesa e luta”, relata texto publicado no site oficial da Câmara Legislativa brasileira sobre a capoeira.
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A capoeira evoluiu ao longo dos anos desde sua criação e hoje, além de ser praticada em todos os cantos do Brasil (como na foto, em uma praia do Rio de Janeiro), também chegou a vários países do mundo.
Afinal, de onde vem o nome “capoeira”?
A etimologia da palavra “capoeira” vem do tupi-guarani, que significa de forma simples “mata rasteira”, por meio da conexão dos termos ka'a ("mata") e pûer ("que foi") – um vocábulo que existe desde 1570, segundo explica o professor Alleoni.
E justamente os campos de mata rasteira nos arredores das fazendas eram chamados de “capoeira”. Como os escravizados praticavam sua luta dançada às escondidas, eles fugiam até a região da capoeira, sendo a palavra ser associada à forma de expressão corporal somente cerca de 200 anos depois, conforme relata o artigo de Alleoni.
Vista como algo subversivo e perigoso pelos fazendeiros e políticos durante a Colônia e o Império, mesmo após a abolição da escravatura, em 1888, a prática da capoeira seguiu sendo algo proibido.
Já segundo o artigo acadêmico “Capoeira identidade e gênero”, de Josivaldo Pires de Oliveira e Luiz Augusto Pinheiro Leal da Universidade Federal da Bahia (UFBA) conta que da abolição da escravatura até 1937 a capoeira foi considerada crime no Brasil e sua prática era passível de prisão.
A data de emancipação da capoeira, saindo do Código Penal Brasileiro, ajudou esta junção de dança, jogo, luta e música a ser reconhecida, pouco a pouco, como parte da cultura original do país.
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Acima, os atores (e capoeiristas) Sérgio Malheiros e Raphael Logam em uma cena da série "Capoeiras", do Disney+, que conta a história de dois amigos e suas vivências dentro do universo da capoeira nos anos 1970/80.
A importância da capoeira na cultura brasileira e uma série com esse tema
Conforme conta o artigo da UFBA, especialmente na década de 1930, o universo da capoeira passou por várias transformações e foi objeto de investigação de Luiz Renato Vieira em seu livro “O jogo da capoeira: corpo e cultura popular no Brasil”. O autor conta que nesse período, ela sofreu alterações em sua forma “ritual” e “gestual”, passando por um intenso processo de transformação simbólica.
“Por muito tempo, no Rio de Janeiro, o capoeira se confundia com o malandro, tipo social associado ao samba carioca. Em Belém do Pará, os capoeiristas se confundiam com os não menos valentes mestres do Boi-Bumbá. Em Salvador, na Bahia, eles estavam inseridos ao universo da religião afro-brasileira, encontrando em muitos capoeiristas filhos de santo do Candomblé”, segue o texto da universidade baiana.
Pois foi como consequência dessa experiência histórica que a capoeira se tornou símbolo de nacionalidade, juntamente com outras manifestações da cultura afro-brasileira, a exemplo do samba e do Carnaval. Sua importância cultural e histórica se expandiu e ela alcançou diferentes países.
Mestre Valdenor, presidente da Federação Paulista de Capoeira, conta que a capoeira foi levada por diversos mestres para todos os continentes e hoje ela é praticada também por inúmeras pessoas no exterior.
"Os mestres de capoeira brasileiros se aventuraram pelo mundo, são 'embaixadores da nossa cultura'. Além disso, Capoeira é a maior difusora da nossa língua no exterior, uma vez que nesses países, tanto os nomes dos movimentos, quanto as cantigas, são todas faladas na nossa Língua Portuguesa.
"Capoeiras" mostra a luta, a música, os princípios e a importância da capoeira na vida de várias pessoas, especialmente na trajetória dos amigos Noivo-da-Vida (Sérgio Malheiros) e Veneno-da-Madrugada (Raphael Logam) - ambos na foto acima, tocando berimbau em uma roda de capoeira.
Agora, ela chega ao mundo do streaming com a série “Capoeiras”, produção original do Disney+ que tem como protagonistas os atores e capoeiristas Raphael Logam e Sérgio Malheiros.
A série é baseada no livro “A Balada de Noivo-da-Vida e Veneno-da-Madrugada”, escrito pelo mestre Nestor Capoeira, e se passa na cena da capoeira do Rio de Janeiro entre as décadas de 1970 e 1980. Os atores falaram com exclusividade à NatGeo Brasil sobre a relação deles com a capoeira e a importância de uma série com esse tema.
“Tratamos na série de um momento específico da capoeira no país, que foi muito violenta no Rio de Janeiro, e a gente traz esse recorte de dois amigos pra dentro dessa cena”, explica Malheiros. “Ela foi criada num ambiente de covardia, onde o objetivo de quem tava praticando a capoeira não era finalizar o adversário, era dar duas pontadas e sair correndo para fugir”.
“É uma história muito brasileira e por isso estamos muito felizes de poder mostrá-la para o mundo com o Disney+. Porque a gente acredita muito na singularidade desse projeto, que só poderia ter sido feito aqui, com questões nossas e com a capoeira, que é 100% brasileira”, conclui Logam.
