O que é e qual a importância do Fundo Amazônia, alvo de críticas do governo federal
Principais doadores do fundo, Alemanha e Noruega já se posicionaram contra medidas propostas pelo Ministério do Meio Ambiente.
Há dez anos, o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) teve sua primeira proposta aprovada pelo Fundo Amazônia. O “Gestão Ambiental de Municípios do Pará” visava acelerar o processo de adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) – instrumento do Código Florestal – por meio da mobilização dos governos estaduais e municipais, produtores rurais, sindicatos e associações. A iniciativa também consistia em monitorar o desmatamento por meio de imagens de satélite, além de instruir a restauração de áreas degradadas na bacia do rio Uraim, em Paragominas.
De dezembro de 2009 a setembro de 2014, o Imazon atuou em 11 municípios no sudeste paraense onde a destruição florestal atingia níveis alarmantes. O Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) da ONG orientou ações de fiscalização e combate. Áreas de preservação permanente (APPs) foram finalmente mapeadas, assim como 7,18 milhões de hectares que integravam o projeto. As cidades firmaram pactos pela redução das derrubadas. Além disso, 62 técnicos municipais e 12 representantes de associações locais foram capacitados em geotecnia aplicada à gestão ambiental.
Ao final do projeto, que contou com R$ 9,73 milhões do fundo, os municípios registraram queda de 44% na taxa anual de desmatamento entre 2010 e 2014, enquanto a média na Amazônia Legal indicava redução de 37%. Por ficar abaixo do teto de 40 km2 de floresta suprimida, os municípios de Dom Eliseu, Ulianópolis e Tailândia deixaram a lista crítica de desmatamento do Ministério do Meio Ambiente. Moju e Rondon do Pará atingiram outro requisito para deixar a lista: apresentar taxa anual de desmatamento menor que 40%. Itupiranga, por sua vez, teve 80% de sua área inserida no CAR.
O sucesso do projeto resultou em duas novas iniciativas do Imazon aprovadas pelo Fundo Amazônia que ainda estão em andamento: um programa que estende o trabalho de gestão ambiental municipal para outros estados da Amazônia e o “Floresta para Sempre”, que busca a readequação ambiental de propriedades rurais nos municípios paraenses de Capitão Poço, Dom Eliseu, Paragominas e Ulianópolis.
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Importância global
O Fundo Amazônia apoia atualmente 103 projetos, orçados em cerca de R$ 1,87 bilhão. Os programas dividem-se entre o terceiro setor (38%), estados (31%), União (28%), municípios (1%), universidades (1%) e ações internacionais (1%).
Segundo um balanço dos dados divulgados no site, o fundo já contribuiu para a inscrição de 746 mil propriedades no Cadastro Ambiental Rural e para 687 ações de fiscalização ambiental. Já o incentivo ao desenvolvimento sustentável alcança 338 instituições, 162 mil pessoas e 22 milhões de hectares de florestas por meio do manejo sustentável, gerando receita de R$ 142 milhões. O fundo também apoia 190 unidades de conservação e 65% dos territórios indígenas da Amazônia, o que representa o reforço da gestão em 45 milhões de hectares de áreas protegidas.
“O mecanismo é simples, mas robusto”, escreveu Tasso Azevedo em sua coluna n’O Globo. Ele criou o fundo na época em que foi diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro. “O Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] mede o desmatamento anual, e os dados são submetidos a um comitê científico que avalia quanto houve de redução de emissões comparado com a média dos dez anos anteriores e autoriza a captação de doações na proporção de US$ 5 por tonelada de emissões de carbono efetivamente reduzida.”
Reduzir as emissões resultantes do desmatamento é o principal objetivo do Fundo Amazônia, observa o climatologista Carlos Nobre. Com isso, esse instrumento torna-se relevante para o país alcançar os compromissos assumidos no Acordo de Paris em 2015 – zerar o desmatamento ilegal e restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030.
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Como pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, Nobre atualmente estuda os caminhos para o Brasil atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. O Fundo Amazônia, por exemplo, contribui para os ODS 13 e 15, que envolvem a ação climática e a proteção à vida sobre a terra.
“Em 10 anos, o fundo também se aperfeiçoou para financiar ações estruturantes de apoio à uma nova forma de economia a partir da exploração sustentável da floresta e da biodiversidade, o que remete a vários outros ODS”, avalia Nobre. “Em resumo, vem cumprindo com sucesso o papel a que foi destinado.”
Na governança, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) estabelece as regras e as prioridades para a destinação dos recursos. O Cofa é formado por 23 membros, representantes de “oito ministérios, nove governos de estados da Amazônia, um representante da academia, um dos produtores rurais, um dos povos indígenas, um do fórum brasileiro de ONGs”, lista Azevedo, em sua coluna.
Para evitar conflito de interesses políticos, os recursos são administrados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com base nas diretrizes do Cofa, o banco avalia as propostas e decide quais financiar. Antes de cada repasse de recursos, auditorias externas avaliam a prestação de contas e o desenvolvimento das ações apoiadas.
Noruega (R$ 3,18 bilhões) e Alemanha (R$ 192 milhões) são os maiores doadores do Fundo Amazônia. A Petrobras colaborou com aporte de R$ 17 milhões. O Brasil tem autonomia para definir as diretrizes, porém precisa manter o desmatamento anual abaixo de 8.143 km2 para ter acesso aos recursos do fundo. O desmatamento alcançou 7.900 km2 em 2018, segundo o Inpe.
Mudanças propostas
Desde que se tornou ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles questiona a governança do Fundo Amazônia e os critérios para a escolha de projetos. As suspeitas contra o fundo levaram ao afastamento da chefe do Departamento de Meio Ambiente do BNDES, Daniela Baccas, responsável pela gestão do fundo. Gabriel Visconti, encarregado da gestão pública e socioambiental do BNDES, deixou o cargo em protesto à exoneração de Baccas.
Em 17 de maio, Salles convocou uma coletiva de imprensa na Superintendência do Ibama em São Paulo. Membros do ministério foram mobilizados para averiguar 103 contratos feitos pelo Fundo Amazônia na última década. Segundo o ministro, a análise de 30% desses contratos indicou fragilidades na governança e na implementação dos projetos contratados. O documento foi encaminhado para o BNDES, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU).
“Há relatórios de desempenho sem informação, ausência de visitas in loco, prestação de contas sem o respectivo documento e que não corresponde aos relatórios de atividade”, disse Salles, sem especificar os contratos. “Precisamos ter mecanismos que possam dar uma melhor destinação e escolher projetos que tenham sentido entre si e que possam ter os resultados mensurados.”
De acordo com o jornal Estado de São Paulo, o governo Bolsonaro trabalha em um novo decreto para alterar as regras do Fundo Amazônia. As normas, por exemplo, permitiriam que o fundo indenizasse moradores de propriedades particulares dentro de áreas protegidas, como unidades de conservação. Para Salles, a regularização fundiária diminuiria os conflitos no campo, o garimpo e a extração ilegal de madeira. O governo também propõe reduzir o Cofa para cerca de sete a dez membros e, assim, privilegiar a participação federal.
Para Carlos Rittl, cientista e secretário-executivo do Observatório do Clima, o Fundo Amazônia já é o instrumento mais bem-sucedido no mundo no âmbito do programa Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (REED+, da ONU). “Uma das razões é estar sob a gestão do BNDES”, explica Rittl, “porque visa-se, dessa forma, impedir a ingerência política ou a influência do governo de plantão na aplicação dos recursos”.
Os projetos levam até três anos para serem aprovados e passam por uma série de auditorias, observa Rittl. A mais recente do TCU, em 2018, constatou que os recursos do Fundo Amazônia são usados de maneira adequada e contribuem para os objetivos propostos. “O ministro faz críticas à maneira como o Fundo aplica seus recursos”, continua Rittl, “mas não apontou uma única organização que tenha cometido irregularidades. E não poderia encontrar, porque o TCU, a auditoria independente da KPMG, o BNDES e os próprios doadores têm seus mecanismos de controle. O desembolso só é feito se houver prestação de contas e se o projeto atender ao padrão de qualidade exigido pelo fundo e pelo banco”.
Resposta dos doadores
Diante dos planos do governo, os embaixadores Nils Gunneng (Noruega) e Georg Witschel (Alemanha) escreveram uma carta para Salles e Santos Cruz (então ministro da Secretaria de Governo) em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente. O documento veio a público na terça-feira passada (11/06) e também foi encaminhado para os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Agricultura, Tereza Cristina, o então presidente do BNDES, Joaquim Levy (que pediu demissão em 16/06), e ao embaixador do Itamaraty, Ruy Carlos Pereira.
Os diplomatas ressaltaram que a estrutura do Fundo Amazônia tem conduzido os esforços necessários para a redução do desmatamento e o estímulo do desenvolvimento sustentável na Amazônia. A administração do BNDES, por sua vez, passa por frequentes auditorias que nunca apontaram irregularidades ou má-gestão dos recursos.
Gunneng e Wistchel destacaram também que o Cofa já garante ampla participação dos governos federal e estaduais e da sociedade civil, e que a governança segue boas práticas de transparência e de participação democrática. “Como a experiência brasileira tem mostrado, sozinhos os governos não conseguem alcançar a redução do desmatamento. É um esforço conjunto de autoridades públicas, empresas privadas, organizações governamentais, comunidades locais e outros”, escrevem os embaixadores. Para eles, o Fundo Amazônia “contribui para a redução das emissões de CO2 e é, portanto, um poderoso instrumento para minimizar as mudanças climáticas. O sucesso contínuo dos governos neste esforço de conservação é fundamental para a prosperidade sustentável e o bem-estar dos cidadãos no Brasil e no resto do mundo”.
Os embaixadores disseram que a Alemanha e a Noruega analisarão as propostas do governo, mas que, na ausência de concordância, as diretrizes atuais devem ser mantidas. “Nós também acreditamos que o aperfeiçoamento da eficiência, impacto e transparência do Fundo pode acontecer com a estrutura de governança existente”, concluem.