Funerais ecológicos: como cuidar do meio ambiente mesmo na morte

O enterro tradicional e a cremação poluem o solo e emitem dióxido de carbono. As pessoas estão à procura de novas opções.

Por Allie Yang
Publicado 3 de mar. de 2023, 10:05 BRT

Um manequim coberto por tecido ilustra a cerimônia funerária na Recompose, uma instalação de compostagem humana em Seattle, Estados Unidos. A compostagem humana, a cremação com água e os enterros verdes estão ganhando força à medida que as pessoas procuram minimizar o impacto ambiental na morte.

Foto de Mat Hayward Getty Images for Recompose,

No início deste ano, o estado de Nova Iorque, Estados Unidos, tornou-se o sexto no país a legalizar algo chamado compostagem humana. Em 2022, o arcebispo Desmond Tutu escolheu ser cremado não por chama, mas por água, em um processo chamado hidrólise alcalina ou "aquamação", cremação com água. 

Em 2019, o ator Luke Perry foi enterrado em um "terno de cogumelos" feito de algodão e cogumelos. Todos fizeram parte de um esforço para tornar a vida após a morte mais ecologicamente correta.

Os cuidados com a morte permaneceram praticamente inalterados nos Estados Unidos desde que o embalsamamento e o enterro se tornaram comuns desde a Guerra Civil, diz Caitlin Doughty, agente funerário e fundador da Order of the Good Death, uma instituição sem fins lucrativos que trata sobre questões jurídicas de sepultamentos. A maioria das pessoas nem tem acesso a outras opções: enterros e cremação são os únicos métodos que são legais em todos os 50 estados. 

Os métodos tradicionais de sepultamento prejudicam o planeta de várias maneiras. O embalsamamento retarda a decomposição do corpo de uma pessoa para que ele seja apresentável em um funeral – mas após o enterro, os produtos químicos usados para embalsamar afetam o solo. Os caixões exigem enormes quantidades de madeira e metal, e os cemitérios muitas vezes constroem suportes de concreto no solo para protegê-los. Mesmo a cremação requer muito combustível e gera milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono por ano.

Agora, no entanto, uma variedade de alternativas teoricamente mais sustentáveis de assistência à morte está sendo cada vez mais oferecida. Aqui está o que você precisa saber.

Enterro verde ou natural

Os enterros verdes têm sido usados desde que os humanos enterram corpos. Tanto a comunidade indígena norte-americana quanto a judaica utilizam tradicionalmente os enterros verdes. Mas, nas últimas gerações, eles ficaram fora de moda, pois as pessoas optaram por enterros mais elaborados. Os enterros verdes ou "simples" tornaram-se mais comuns entre a população mais carente.

Estes são geralmente definidos como enterros que utilizam materiais atóxicos e biodegradáveis. Em um enterro verde típico, o defunto é vestido com um tecido de algodão e enterrado em um simples caixão.

Quase todo cemitério nos EUA tem uma área reservada para enterros verdes ou "simples", de acordo com Ed Bixby, presidente do Green Burial Council (GBC), o que ajuda a educar e certificar os cemitérios que atendem aos padrões de sustentabilidade. Em algumas propriedades funerárias, os lotes são marcados via GPS ou naturalmente, com uma pedra – ou deixam a vegetação local crescer naturalmente, o que torna a paisagem mais uma reserva natural, cheia de vida, do que um cemitério.

A maioria das famílias que escolhem o sepultamento natural também renunciam ao embalsamamento, por muitas vezes ver o processo como excessivamente invasivo, já que a refrigeração por si só preserva adequadamente o corpo. Outras optam por líquidos de embalsamamento mais suaves feitos sem formaldeído.

Adeline O'Keefe, do The Natural Death Centre, posa para fotografias com um caixão de bambu em Clissold Park, Londres. A organização é uma das muitas em todo o mundo trabalhando para organizar funerais ecológicos.

Foto de Abbie Trayler-Smith The Guardian, eyevine, Redux

Mas poderiam estes simples enterros contribuir para a propagação de doenças ou poluição da terra? Os dados das pesquisas existentes sobre cemitérios tradicionais "não indicam que os cadáveres causem danos ao meio ambiente", diz Lee Webster, diretor de Recursos Funerários e Educação de New Hampshire (EUA) e ex-diretor da GBC, acrescentando que os caixões, produtos químicos e recipientes não orgânicos usados nos enterros tradicionais são os que contribuem para a poluição. 

Além disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) não encontrou "nenhuma evidência de que os cadáveres representem um risco de doença epidêmica – a maioria dos possíveis causadores de doenças não sobrevive muito tempo no corpo humano após a morte". 

Ainda assim, não está claro se algumas das variações mais recentes dos enterros verdes são eficazes. Por exemplo, a marca responsável pelo terno de cogumelo de Luke Perry alegou que o traje neutralizaria as toxinas e devolveria nutrientes à terra. Porém, anos antes, o fabricante do terno havia contratado a agente funerária Melissa Unfred para estudar o caso, e ela descobriu que não havia nenhuma evidência de que o traje tivesse efeito ecológico real. 

Cremação de água

Uma cremação cria em média mais de 240 kg de dióxido de carbono, disse um cientista à National Geographic, em 2016. Toxinas de fluido de embalsamamento e implantes não orgânicos como marcapassos ou obturações dentárias também são tóxicas. A cremação com água produz o mesmo resultado com um impacto ambiental significativamente menor e, para alguns, um benefício espiritual.

Os havaianos nativos praticavam uma forma de cremação com água durante milhares de anos. Eles usavam água vulcânica aquecida para cremar os corpos de seus entes queridos, diz Dean Fisher, consultor de cremação com água e ex-diretor do programa de doação de corpos da Clínica Mayo. Então, eles enterravam os ossos restantes, onde acreditavam que a essência espiritual da alma estava armazenada. A tradição caiu em desuso nos últimos anos – mas em julho de 2022, o Havaí legalizou a cremação com água.

As máquinas de cremação de água trabalham bombeando um fluido alcalino aquecido ao redor de um corpo por quatro a seis horas, acelerando exponencialmente o processo natural de decomposição. Os corpos podem ser embalsamados ou não, e vestidos com qualquer material que seja 100% natural. Após a decomposição do corpo, restam apenas ossos e implantes não orgânicos. Os ossos são secos, esmagados e devolvidos à família.

O único subproduto da cremação com água é um líquido não tóxico e estéril que pode ser reciclado. Não há emissões para o solo ou para o ar. Mas a cremação com água tem seus inconvenientes. As cremações convencionais estão mais disponíveis, são mais rápidas e geralmente menos caras. A cremação com água também requer energia para aquecer a água e operar uma bomba – embora um estudo holandês de 2011 tenha mostrado que o gasto de energia utilizado na aquamação corresponde a apenas 10% da energia usada na cremação convencional. 

Além disso, alguns críticos da cremação com água argumentam que é imoral ou desrespeitoso para com o falecido, semelhante a descarregar seu ente querido pelo ralo. Entretanto, os defensores contrapõem que a cremação da água simplesmente acelera o processo natural de decomposição e que não é diferente do processo de embalsamento, o qual o corpo também passa por um tratamento com água para o sangue ser neutralizado. 

De qualquer forma, a cremação com água parece estar se popularizando nos Estados Unidos. Atualmente, ela é legalizada em 28 estados, sendo que 15 deles a aprovaram na última década.

Compostagem humana

A compostagem humana transforma os restos do corpo em solo por meio de um processo altamente controlado – muito diferente da compostagem de alimentos que pode ser feita no quintal de casa. Em um recipiente selado, um corpo é envolto em uma mistura de materiais naturais como restos de madeira e palha. Durante um mês ou mais, o recipiente aquece a partir de micróbios ativos que começam a decompor o corpo. Ventiladores carregam oxigênio para fora e dentro do recipiente, e reativam os micróbios.

Após 30 a 50 dias, osso e qualquer material não orgânico são retirados. Os ossos são moídos e devolvidos ao recipiente. O processo leva mais algumas semanas, enquanto os micróbios terminam seu trabalho e o solo seca. O resultado final é um punhado de adubo que as famílias podem usar ou doar para causas ambientais. 

Há custos ambientais para a compostagem humana, também chamada de redução orgânica natural (NOR, na sigla em inglês). O combustível é necessário para transportar a madeira utilizada no processo, e é usada eletricidade para alimentar bombas de ar e ventiladores do recipiente onde é colocado o corpo.

"Estamos apenas começando como uma empresa e nos adaptando", diz Katrina Spade, fundadora da Recompose, a primeira instalação NOR no país, localizada em Seattle, Washington. Ainda assim, ela diz que a própria avaliação da empresa sobre o processo mostrou um pouco mais de uma tonelada métrica de economia de carbono por pessoa em relação à cremação ou enterramento tradicional.

A compostagem humana é rara. Ela só é legal em seis estados norte-americanos. Mas um legislador de Massachusetts também propôs um projeto de lei para permitir a compostagem humana no estado, e pessoas como Spade acreditam que uma série de estados a legalizarão em 2023.

Mas mesmo que você não esteja interessado em uma vida após a morte ecológica, os defensores desta alternativa de enterro dizem que ela vêm com outra vantagem: as famílias podem estar mais envolvidas nos cuidados com a morte de seus entes queridos, desde limpá-los e vesti-los em casa a até colocar o corpo no túmulo, se escolherem um enterro verde.

"Não é necessário, mas é sempre encorajador poder fazer mais, se desejar", diz Bixby, acrescentando que a maioria das famílias se abraçam, como parte do processo. "Você vê as pessoas passarem por uma gama de emoções. Então, quando terminarem, elas terão um sorriso genuinamente sereno no rosto. Elas encontram um maior senso de aceitação da morte ao passar pelo processo", acredita.

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