Vida marinha ameaçada: gelo ártico fica cada dia mais fino

Um novo estudo diz que a mudança estrutural foi abrupta, tornando a vida mais difícil no Ártico, desde as pequenas algas até os ursos polares.

Por Cheryl Katz
Publicado 23 de mar. de 2023, 09:58 BRT

Um caçador da etnia inuíte avalia a paisagem marítima em Qaanaaq, na Groenlândia. A mudança da forma do gelo marinho ártico acabará afetando não apenas as criaturas marinhas, mas também os humanos que dependem do gelo para sobreviver.

Foto de Paul Nicklen Nat Geo Image Collection

Em abril de 1895, quando o famoso explorador norueguês Fridjtof Nansen tentou atravessar o oceano Ártico congelado para chegar ao Polo Norte, ele foi parado por infinitas fileiras de cristas de gelo marinho. "Era um verdadeiro caos de blocos de gelo, estendendo-se até o horizonte", escreveu Nansen em seu relato de expedição, Farthest North. Arrastar um trenó sobre eles era muito cansativo.

A paisagem de gelo que frustrou Nansen é agora, em grande parte, uma coisa do passado, de acordo com uma pesquisa recentemente publicada na revista Nature. O gelo marinho ártico sofreu uma mudança abrupta, permanente e consequente em sua estrutura – de grossa e montada para fina e plana. A mudança ocorreu por volta de 2007, quando a baixa cobertura de gelo no verão desencadeou um ciclo de retorno de calor oceânico crescente e gelo em espiral.

Agora, quando o gelo flutua e colide com outros blocos. O gelo marinho mais fino é mais propenso a quebrar por causa da pressão e acaba por não construir blocos espessos. O gelo fino e plano também se move mais rapidamente através do oceano, dando às massas de gelo flutuantes menos tempo para crescer, e tornando a vida mais difícil para aqueles que dependem delas para sobreviver.

"O gelo marinho é para o ecossistema ártico o que o solo é para a floresta", diz Flavio Lehner, cientista climático da Universidade Cornell (EUA) e da Polar Bears International. "Mudanças rápidas como estas afetarão toda a fauna e flora dependente do gelo do mar, desde as minúsculas algas que vivem abaixo do gelo até os predadores da superfície como os ursos polares".

Gelo espesso do Ártico no Pólo Norte.

Foto de Borge Ousland Nat Geo Image Collection

As cristas de gelo tornam o gelo marinho ártico mais espesso e robusto. De cima, elas parecem "como tijolos de Lego em uma pilha alongada", diz Mats Granskog, parte da equipe de pesquisa que desde 1990 vem monitorando o gelo marinho no Estreito de Fram,  a principal porta de entrada entre o Ártico e o oceano Atlântico. Gelo espesso como este diminuiu pela metade desde 2007, constataram o autor principal do estudo, Hiroshi Sumata, e colegas do Instituto Polar norueguês.

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    Gelo marinho fino.

    Foto de Michael Melford Nat Geo Image Collection

    O atual gelo marinho ártico é mais parecido com um estacionamento coberto de neve do que os caóticos blocos de gelo vistos por Nansen. Dois anos de afundamento do gelo marinho no verão – em 2005 e 2007 – expuseram a superfície escura do oceano a mais calor do sol, reduzindo ainda mais o gelo marinho e aumentando o calor em um ciclo contínuo, diz a co-autora Laura de Steur. As descobertas do novo estudo são consistentes, com observações de satélite e outras pesquisas, diz Julienne Stroeve, especialista em detecção remota de gelo marinho do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo dos EUA e da Universidade de Manitoba (Canadá).

    Cristas de gelo marinho.

    Foto de Rudi Caeyers UiT The Arctic University of Norway, Norwegian Polar Institute

    As cristas se formam quando as massas de gelo flutuam umas contra as outras ou uma sobre a outra (chamadas de rafting). A pressão faz com que essas massas "deformem", empurrando blocos de gelo para cima, formando cristas volumosas. Este processo é a maneira mais rápida de engrossar o gelo, diz Sumata. Entretanto, o gelo mais fino não pode produzir cristas tão grandes, e é mais frágil, podendo se desintegrar quando as massas de gelo caem.

    Como no caso dos icebergs, 90% de um bloco de gelo está abaixo da água. As cristas na parte inferior podem alcançar 18 metros de profundidade, onde atuam como quilhas para ajudar a manter o gelo no lugar e dar mais tempo para ele crescer. Mas o Transpolar Drift Stream – a poderosa crista descoberta por Nansen após ela congelar o navio dele – diminuiu em mais de um terço desde 2007, relatam os pesquisadores. Com quilhas menores, o gelo de hoje tem menos poder para resistir às forças que o empurram através do Ártico para o Atlântico mais quente, onde acaba derretendo. Consequentemente, a vida média de um bloco de gelo diminuiu em mais de um ano e meio.

    Um urso polar sobe em uma crista de gelo marinho.

    Foto de Keith Ladzinski Nat Geo Image Collection

    Mais fino e mais plano, o gelo poderia ter impactos profundos no ecossistema ártico. Os ursos polares, por exemplo, têm que caminhar mais rapidamente para permanecer perto de boas áreas de caça à medida que a velocidade da ruptura do gelo aumenta. Isso os faz queimar mais energia na "esteira de gelo", diz John Whiteman, biólogo da Universidade Old Dominion (EUA) e da Polar Bears International. Mas com a diminuição do gelo marinho nas áreas de caça e o encurtamento da estação do gelo, as reservas de energia dos ursos já estão no limite. A mudança das condições do gelo também ameaça os mamíferos que dependem do gelo, como focas-de-cristas e narvais, assim como as comunidades indígenas de todo o Ártico que dependem da caça no gelo para se alimentar.

    Anfípodes que se aglomeram sob o gelo marinho do Ártico.

    Foto de Paul Nicklen Nat Geo Image Collection

    A parte submersa do gelo marinho hospeda uma multidão de vidas, como estes anfípodes. A perda da parte inferior das cristas de gelo poderia reduzir o habitat para estes e outros pequenos organismos na base da cadeia alimentar oceânica, com repercussões em todo o sistema marinho. 

    O gelo mais fino e mais plano também é mais vulnerável à destruição pelos ciclones árticos, que estão em ascensão à medida que o planeta aquece. As novas formações de gelo poderiam abrir o Ártico para o tráfego de navios e espécies invasoras. As consequências completas ainda estão por serem vistas. Enquanto isso, a temperatura da água do Ártico continua a subir. "Agora vemos tanto o inverno quanto o verão", diz o oceanógrafo Steur, "tornando ainda mais difícil a sobrevivência do gelo, já mais fino".

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