Jalapão se adapta aos novos tempos para manter turismo na pandemia

Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins, tenta seguir com a atividade turística ativa sem incentivar a disseminação da covid-19. Mas será possível?

Por Gabriel de Sá
Publicado 29 de abr. de 2021, 07:00 BRT, Atualizado 29 de abr. de 2021, 15:19 BRT

Um dos pontos mais procurados pelos turistas do Jalapão para tirar selfies e ver o pôr do sol, a Pedra Furada é uma cavidade em formação de arenito. Ao fundo, é possível ver plantações – o agronegócio é o principal responsável pela destruição de quase metade do bioma Cerrado desde 1970.

Foto de FG Trade/Getty Images

FIM DE MARÇO é época de chuva no Jalapão. Mas, em 2021, a água surpreendentemente quase não caiu. Numa tarde calorenta em que a temperatura passa dos 30ºC, a artesã Jane Alves espera o tempo passar à beira da estrada de terra que liga os municípios de Mateiros e São Félix do Tocantins. Naquele dia, apenas um carro com poucos turistas parou em sua tenda para pechinchar nos suvenires de capim dourado, provar o doce de buriti e seguir para algum dos fervedouros da região.

Tem sido assim no Parque Estadual do Jalapão, na parte leste do Tocantins, desde o começo da pandemia da covid-19: pouco movimento. A Cabana da Jane, como é conhecida a lojinha de artesanato na entrada da comunidade quilombola Carrapato, às margens da poeirenta rodovia TO-110, chegava a receber duas centenas de turistas por dia em 2019. Hoje, Jane comemora quando aparecem cinco. “Tem dia que só vem dois, por aí, mas nunca fiquei sem receber ninguém”, conta ela.

Aos 33 anos, nascida em Ponte Alta do Tocantins, a descendente de indígenas da etnia karajá é ela própria moradora da comunidade quilombola Carrapato, onde residem cerca de 50 famílias. “Minha origem é indígena, mas também negra, pelo lado do meu pai”, diz a simpática Jane, cuja máscara verde confeccionada por ela não consegue esconder o sorriso farto, mesmo diante das adversidades causadas pela pandemia em seu negócio. 

Aberta há dez anos, a Cabana da Jane é uma oca de palha revestida de talo de buriti. Lá, a vendedora expõe bijuterias, mandalas, porta-copos, fruteiras e todo tipo de objetos de decoração para casa feitos do capim dourado, espécie típica do cerrado local. O artesanato é produzido por famílias das comunidades do Jalapão, além da própria Jane. Há também bonés, camisetas e cachaças curtidas com frutos silvestres. “Faz bastante calor aqui”, comenta ela, enquanto recebe, finalmente, um cliente.

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    As dunas do Jalapão são formadas pela erosão das rochas de arenito alaranjadas que compõem a Serra do Espírito Santo. Uma das principais atrações do parque, em março de 2021 o número de visitantes no local caiu 22% em relação a fevereiro. No máximo 200 pessoas podem visitá-las por dia.

    Foto de FG Trade/Getty Images

    O uso de máscara dentro da lojinha é obrigatório. É necessário também limpar as mãos com o álcool gel disponibilizado na entrada. “Já aconteceu de alguém não querer entrar de máscara, alegando já ter tido o coronavírus antes”, diz ela. “Mas com jeitinho e um pouco de conversa a gente consegue convencer”.

    Quando a pandemia começou a ganhar força no Brasil, em março de 2020, o Parque Estadual do Jalapão foi fechado para o turismo, reabrindo apenas em outubro. Desde então, o setor vem sendo retomado gradativamente, mas ainda de maneira tímida. Jane acredita que o fluxo de sua clientela tenha diminuído em pelo menos 70% no último ano. Para sobreviver, ela começou a produzir e vender, pela internet, máscaras, tiaras, ligas de cabelo e colares. “Tive que me reinventar. Ficar sem fazer nada é muito ruim.”

    Nenhum morador foi infectado pela covid-19 na comunidade Carrapato. Os alunos receberam cestas básicas do governo estadual e as famílias foram beneficiadas com o auxílio emergencial do governo federal. Destemida, Jane segue na expectativa de a pandemia perder força e o turismo se aquecer novamente. “Sei que, do jeito que era, nunca mais vai voltar a ser”, opina a artesã, apertando os olhos puxados.

    Placas nas árvores

    A história de Jane Alves é um retrato de como a pandemia da covid-19 impactou o setor do turismo no Jalapão. Criado em 2001, o parque estadual conhecido pela exuberante paisagem selvagem, que mistura cerrado nativo e águas cristalinas, é a principal atração turística do Tocantins. Em 2020, durante longos oito meses, a reserva de 34 mil km² foi fechada ao público pela primeira vez em sua história. Desde outubro último, autoridades públicas, agências de turismo e donos de pousadas e restaurantes trabalham em conjunto para que, mesmo no pior momento da pandemia no país, o parque continue na ativa.

    O Jalapão é famoso por suas dunas de areias alaranjadas e chapadões. Trilhas, canoagem, esportes radicais e mergulho são algumas das principais atividades procuradas pelos turistas, que só chegam ao local por meio dos carros 4x4 das agências de viagem. Os passeios partem geralmente de Palmas, capital do estado. O diferencial do Jalapão é um tipo de formação geológica chamada fervedouro – pequenos oásis de água cristalina e areia branca cercados por bananeiras com nascentes tão potentes que fazem a água “borbulhar” e impedem que os visitantes afundem.

    Agora, nas trilhas que levam aos fervedouros, há placas ensinando aos turistas como manter o distanciamento e recomendando o uso de máscara até o momento de entrar na água. Antes da pandemia, em média 10 pessoas dividiam um fervedouro, mas esse número tem sido menor hoje em dia – a não ser que estejam todos no mesmo grupo.

    “Nosso tipo de turismo é muito específico, porque temos contato direto com o cliente, entre três e cinco dias, rodando mais de mil quilômetros no mesmo veículo”, detalha o guia Beto Monteiro, que presta serviços para as agências Viva Jalapão e Jalapão Dream. “Mesmo assim, não tenho conhecimento de nenhum cliente, guia ou condutor de qualquer agência que tenha se contaminado durante as expedições.” Segundo Monteiro, as agências são os principais responsáveis por botar em prática e monitorar os protocolos de segurança nas viagens.

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        Característicos da região do Jalapão, os fervedouros (na foto, o Bela Vista) são pequenos oásis de água cristalina e areia branca. Na pandemia, apenas turistas de um mesmo grupo podem frequentá-los juntos.

        Foto de FG Trade/Getty Images

        Para que o limite de pessoas não ultrapasse a marca de 200 visitantes por dia, o acesso a locais como a Cachoeira da Velha, as dunas e a Serra do Espírito Santo só é permitido com agendamento prévio. “Nossos atrativos são ao ar livre e há espaço suficiente para manter o distanciamento adequado”, argumenta a superintendente de turismo da Agência de Desenvolvimento do Turismo, Cultura e Economia Criativa do Tocantins (Adetuc), Maria Antônia Valadares. O guia Beto Monteiro concorda: “Foram feitos estudos por autoridades sanitárias para determinar que, nesses espaços abertos, com o devido distanciamento, é pouco provável as pessoas se contaminarem”.

        A Adetuc, com ajuda das secretarias municipais de saúde e turismo e órgãos ambientais, também ajuda a monitorar a aplicação dos protocolos de segurança por turistas, guias, condutores, agências, pousadas, restaurantes e demais atrações do Jalapão. Em fevereiro deste ano, 3 mil pessoas visitaram as dunas do parque. O número representa um pequeno aumento em relação a fevereiro de 2020, mas também uma queda de 36% em comparação com janeiro de 2021.

        Já em março de 2021, o número de visitantes nas dunas foi 2.350 – ou seja, 22% a menos que em fevereiro. À medida que os casos de covid-19 voltaram a aumentar no Brasil, muitas expedições ao Jalapão foram desmarcadas ou adiadas. As companhias aéreas também cancelaram dezenas de voos para Palmas, e muito viajantes desistiram pelo temor de se infectarem.

        Mas, para além dos turistas, há os moradores locais, e, dentre eles, as comunidades quilombolas, que convivem há séculos com a paisagem do Jalapão. Essas famílias tradicionais dependem da manutenção dos recursos naturais e também estão na luta contra o coronavírus. As comunidades de Mumbuca, no município de Mateiros, e Prata, em São Félix, foram capacitadas por técnicos sobre os protocolos de segurança em relação ao turismo e estão aplicando o distanciamento e o uso de máscaras quando recebem visitantes em seus domínios, além de terem adequado áreas de uso comum como banheiros e cozinhas.

        Enquanto as comunidades quilombolas se mantiveram intactas diante da invasão do coronavírus, no início de abril havia 20 pessoas contaminadas pela covid-19 nos três principais municípios do Jalapão: Ponte Alta, Mateiros e São Félix do Tocantins – pelo menos duas foram hospitalizadas.

        Carros vazios

        As agências de viagem ainda sentem o impacto do fechamento do parque no ano passado e estão longe de retomar o fôlego de seus negócios. Há, por exemplo, o caso de viagens formadas por apenas um visitante, quando cada carro comporta até sete passageiros. Após ficar sem operar na região por oito meses em 2020, o guia turístico Igor da Silva Cemeas foi um dos que optou por viajar mesmo com apenas um cliente. 

        A reportagem encontrou Cemeas no paradisíaco fervedouro Por Enquanto, em São Félix do Tocantins, em uma manhã ensolarada de março, ao lado da esposa, Soyan Ueno, que também é guia e fotógrafa. Ambos são proprietários da agência de viagem Go Jalapão, que opera na região há cerca de dois anos. Naquele dia, o casal fazia a expedição com apenas uma viajante. Cemeas diz que o fluxo de turistas voltou a subir gradativamente desde outubro, mas ainda de maneira tímida. “Eu também estou receoso, tenho medo de me contaminar”, diz ele. “Mas estamos cumprindo os contratos que havíamos feito com os turistas.”

        No momento em que o número de óbitos no Brasil chegou ao patamar mais alto, entre março e abril de 2021, passando da assombrosa média móvel de mais de 3 mil mortes, muitos turistas cancelaram suas expedições. A covid-19 matou mais de 400 mil pessoas no país até hoje. Para garantir o mínimo de segurança para os que se aventuram a viajar em meio à pandemia, a Go Jalapão solicita um teste PCR para covid-19 feito no máximo 72 horas antes do início da viagem. O uso de máscaras, claro, é obrigatório durante o passeio, e a Go Jalapão disponibiliza não apenas as máscaras, mas também o álcool gel. “Durante as expedições, fazemos sempre a higienização dos veículos com produtos específicos”, completa Cemeas.

        Mas o guia turístico tem consciência do quão sombrias são as perspectivas do recrudescimento da pandemia no país. Ele torce para que as campanhas de conscientização sigam firmes e que a vacinação avance rapidamente. “Enquanto não tivermos vacina, não vamos sair desse momento obscuro”, acredita ele. “A vacina é a válvula libertadora para que o comércio e o turismo voltem a funcionar de forma ordenada.”

        Enquanto converso com Cemeas e a esposa, Soyan, a turista Kassia Sangaleti aproveita para disparar vários cliques no belo fervedouro. Brasiliense de 33 anos, ela optou por fazer a expedição sozinha, com a companhia apenas do casal de guias da Go Jalapão. “Me senti segura, de maneira geral”, contou ela. “No carro, estávamos sempre de máscara e, do lado de fora, nas atrações, mantivemos distância”. Nos restaurantes da região, Sangaleti notou que os funcionários estavam invariavelmente usando máscara, e luvas de plástico eram disponibilizadas para servir as refeições, além de álcool gel em diversos pontos dos estabelecimentos. 

        Outra agência que sentiu fortemente o impacto da pandemia foi a Viva Jalapão, que opera na região há cerca de 4 anos. No último ano, a agência de turismo sediada em Palmas chegou a zerar o número de contratos e ter de remarcar ou devolver o valor de muitas das viagens. “Fechamos vários meses no vermelho e mantivemos funcionários com recursos próprios”, conta José Vitório, gerente da agência.

        Segundo Vitório, o perfil dos clientes que continuaram viajando à região é de pessoas mais “aventureiras”. Mesmo assim, para fechar uma expedição, a agência tem dado preferência a grupos que compram o pacote juntos, como familiares e amigos, e evitado os indivíduos isolados, de diferentes partes do país, pois eles serão colocados no mesmo veículo, aumentando consideravelmente o risco de contaminação.

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          O Jalapão, na parte leste do Tocantins, abriga uma diversidade de formações geológicas, entre elas a Serra do Espírito Santo (ao fundo), que tem topos planos e encostas escarpadas.

          Foto de FG Trade/Getty Images

          Águas turbulentas

          O Por Enquanto, em São Félix, é um dos 14 fervedouros abertos atualmente no Jalapão e um dos últimos a começar a exploração comercial – abriu em fevereiro de 2020, um mês antes de a pandemia interromper as atividades no parque. Contudo, desde 2015 ele recebe turistas para se banharem em suas águas. “Só que a gente não cobrava”, conta Clóvis Marcos Oliveira, de 38 anos, proprietário das terras onde fica o Por Enquanto. Desde criança, ele sabia do potencial da área para o turismo. O plano agora é começar a investir ainda mais na atração para quando a pandemia der uma trégua.

          “Quando o parque foi fechado, a visitação foi completamente interrompida", relata ele. “Não podiam entrar nem para tirar foto.” Em abril, depois da queda no número de turistas em março, os clientes estão voltando aos poucos, segundo Oliveira.

          Além das medidas básicas contra o coronavírus, a lotação máxima dentro do fervedouro é de oito pessoas, e são autorizados apenas banhistas do mesmo grupo ao mesmo tempo. “As pessoas têm que esperar para usar, e mesmo nas filas mantemos o distanciamento em pontos diferentes do terreno”, explica Oliveira. Outros fervedouros da região estão aguardando licença para começar a operar ainda este mês.

          Maria Antônia Valadares, da Adetuc, avalia os resultados das ações anti-covid no Jalapão como positivos. “O Jalapão é referência em ecoturismo e turismo de aventura e tem como característica os grupos pequenos”, analisa. “O público que frequenta a região respeita as questões sociais e ambientais.”

          Já José Vitório, gerente da Viva Jalapão, entende que este é o momento de realinhar as diretrizes de como será o negócio a partir de agora. “Temos de preparar o retorno de maneira consciente, diminuindo o risco para todos”, pondera. “E esperar a vacina, que é a única solução.”

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