É verão na Antártida. Saiba como explorar com responsabilidade

Expedições científicas em pequena escala ajudam a equilibrar turismo e preservação nessa fronteira congelada nos confins da Terra.

Por Emma Gregg
Publicado 21 de jan. de 2022, 07:00 BRT
Um barco inflável transporta ecoturistas pela baía de Andvord, na Antártida, onde podem ter uma ideia ...

Um barco inflável transporta ecoturistas pela baía de Andvord, na Antártida, onde podem ter uma ideia de como é ser um cientista estudando essa região frágil.

Foto de Robert Harding Picture Library, Nat Geo Image Collection

É extremamente raro, como turista, ter acesso a uma região intocada que foi reservada especialmente para a ciência e a conservação. É igualmente raro estar em um lugar onde aves e animais selvagens cercam as pessoas, em vez de fugirem. As ilhas e costas do Oceano Antártico, na Antártida, representam um desses locais, sendo as Ilhas Galápagos suas únicas rivais quando o assunto envolve paisagens naturais paradisíacas.

Embora a maioria das cerca de 10 mil pessoas que residem na Antártida durante o verão austral sejam climatologistas, glaciologistas, ornitólogos e ecologistas, um fluxo constante de ecoturistas tem visitado o continente, enfrentando voos longos e mares tempestuosos. Entre novembro e março, em um ano normal, cerca de 40 mil turistas percorrem essa notável região.

Embora possa parecer muita gente para um destino ecologicamente delicado, a Associação Internacional de Operadores de Turismo da Antártida (Iaato) possui protocolos de conservação rigorosos para minimizar os danos. Navios de expedição modestos, porém confortáveis, como o que eu peguei, que transportam no máximo 200 passageiros, são uma forma de os amantes da natureza tornarem sua visita a mais ecológica possível.

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    Uma curiosa baleia-minke-antártica se aproxima de caiaques em Neko Harbour, na Antártida.

    Foto de Robert Harding Picture Library, Nat Geo Image Collection

    Esses navios são quebra-gelos de pequeno porte, porém robustos, e possuem uma pegada de carbono abaixo da média. Alguns têm cascos aerodinâmicos e motores híbridos; outros eliminaram as instalações de luxo encontradas nos navios de cruzeiro, consumindo, assim, menos combustível.

    Mas o que realmente diferencia esses navios de expedição são seus guias experientes, que oferecem aulas e excursões nas quais ensinam tudo aos visitantes, desde a biologia das focas até habilidades de sobrevivência. A bordo de um desses navios, podemos ter uma ideia de como é ser um cientista polar, um naturalista ou um explorador.

    O navio que escolhi é classificado como “pequeno”, o que significa que podemos navegar em enseadas estreitas e desembarcar em terra firme. Em preparação, inspecionamos meticulosamente os equipamentos que utilizaremos enquanto estivermos ao ar livre.

    “Vamos lá, mostrem-nos o Velcro das roupas”, dizem os guias da expedição, verificando nossos fechos e costuras em busca de sementes, insetos, lama ou areia, e vasculhando cada centímetro com um aspirador de pó.

    Eles nos ensinam a respeitar o meio ambiente, o que inclui manter distância da vida selvagem e não deixar rastros. “Nada de lenços, migalhas ou mensagens na neve!” Pouco tempo depois, eles estão descarregando os Zodiacs (barcos infláveis rígidos), prontos para nos levar pelo mar coberto de gelo até os pontos mais interessantes.

    Sessenta e cinco graus ao sul

    Neko Harbour fica na baía de Andvord, um fiorde antártico intocado de formato longínquo e elegante, bem parecido com o contorno da Itália. Aqui, no início do cruel período de caça às baleias na Antártida, há pouco mais de um século, os navios de carga eram usados como fábricas flutuantes. Hoje, depois de muito esforço, as águas calmas e repletas de icebergs da baía de Andvord refletem paz.

    Enquanto observo da praia, uma baleia-jubarte e seu filhote fazem uma aparição vagarosa, borrando a imagem espelhada das montanhas distantes e provocando uma enxurrada de fotografias tiradas pelos passageiros do barco que estão mais próximos. Depois que a água volta a se acalmar, um pequeno bando de aves alma-de-mestre dança levemente na superfície, capturando krill da água.

    As encostas cobertas de neve que se erguem atrás da praia são marcadas por trilhas deixadas pelos pinguins, que sobem para acessar os locais de nidificação no topo. Filas constantes de pinguins-gentoo, como se fossem turistas saindo para fazer trilha em um movimentado resort nos Alpes, sobem e descem obstinadamente. Abro caminho à beira-mar até uma encosta com vista para uma imensa geleira. Enquanto faço uma pausa para admirar os penhascos de gelo, uma parte desmorona, fazendo uma barulho estrondoso e causando um mini tsunami que irradia ondas pela baía.

    A exploração deliberada da vida selvagem pode ter acabado, mas a Antártida agora enfrenta uma ameaça diferente. De acordo com cientistas do clima, o deslocamento de geleiras está se tornando mais comum. Esses eventos são considerados os principais fenômenos impulsionados pelas mudanças climáticas nas regiões polares.

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        Uma cruz marca o Monumento Antártico Britânico na Ilha Petermann. Ele homenageia os cientistas que morreram enquanto estudavam a região extrema, desde que o governo britânico estabeleceu seu primeiro posto avançado de pesquisa em Port Lockroy, em 1944.

        Foto de Mike Theiss, Nat Geo Image Collection

        A Península Antártica está aquecendo aproximadamente seis vezes mais rápido que a média global, e as plataformas de gelo ao seu redor estão encolhendo. Embora a região pareça intocada por mãos humanas, os efeitos climáticos são de grande alcance e a Antártida é muito frágil.

        Por mares turbulentos

        Minha viagem começou no porto turístico de Ushuaia, no sul da Patagônia, perto do fim da América do Sul. Em um cruzeiro de fim de tarde pelo Canal de Beagle, começa um rito de passagem.

        Por dois dias, nosso navio balança e se agita na infame passagem de Drake, uma travessia oceânica tão tempestuosa que todo objeto deixado solto ganha vida própria. Minha cabine, que incongruentemente possui prateleiras abertas, acaba ficando intransitável devido à bagunça.

        As condições climáticas são uma preocupação compreensível para os turistas antárticos. Todos nós já vimos fotos de aventureiros polares retorcidos com cílios cobertos de neve, narizes gelados e extremidades congeladas. Em 2020, no entanto, a região experimentou as temperaturas mais altas já registradas — acima de 17,7°C no extremo norte da península — pelo segundo ano desde 2015.

        Na verdade, acho fácil ficar confortável, me vestindo da cabeça aos pés com camadas respiráveis e me protegendo do sol, do vento e do mar. Rapidamente nos acostumamos com a rotina de descer até a parte inferior do navio para nos equiparmos com impermeáveis, botas de borracha de sola grossa e coletes salva-vidas para a próxima aventura.

        Em nossas primeiras incursões, observamos o nascer do sol dourar as geleiras que margeiam os canais Neumayer e Lemaire, deslizamos pelas águas calmas até as primeiras colônias de pinguins em Damoy Point e vimos focas-leopardos descansando em blocos de gelo, seus rostos fixos exibindo sorrisos sinistros e predatórios.

        No fim do verão, as focas-leopardos estão bem alimentadas: muitos pinguins-de-adélia e pinguins-de-barbicha inexperientes já caíram na água, desconhecendo o risco representado pelas mandíbulas mortais das focas. Os pinguins-gentoos, que se reproduzem mais tarde, serão os próximos. Por enquanto, os filhotes felpudos permanecem em terra, importunando seus pais por comida assim que acabam de chegar da última busca por alimentos.

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          Um pinguim-gentoo observa da rocha um navio de expedição se aproximar.

          Foto de Design Pic Inc, Nat Geo Image Collection

          Jovens pinguins-gentoo famintos correm pelas cabanas históricas de Port Lockroy e pelo correio do Royal Mail, enquanto os mais velhos inspecionam nossas bolsas secas e se defendem contra outras aves oportunistas.

          Continuamos para a baía de Pléneau, onde avistamos icebergs que parecem brilhar por dentro, e para a Ilha Trinity, onde caminhamos na ponta dos pés por um parque de esculturas de gelo curvilíneo e focas aveludadas. Mais tarde, na Ilha Petermann, descobrimos que a neve da Antártida nem sempre é branca; à medida que o clima esquenta, as algas fertilizadas pelo guano dos pinguins podem tingi-la de verde-oliva ou rosa-choque.

          Neko Harbour e sua vizinha mais próxima, apropriadamente batizada de baía Paraíso, nos oferecem outra novidade emocionante: a chance de pisar no continente antártico, imaginando que, se continuarmos mais 25 graus ao sul, subindo cerca de 2,7 mil metros, chegaríamos ao Polo Sul.

          Seguindo os passos de um grande explorador

          Como o clima e as condições do mar da Antártida podem ser desafiadores, não é possível garantir o desembarque — seja nas ilhas ou no continente. Além disso, de acordo com as regras da Iaato, apenas um navio pode visitar cada local de desembarque por vez, com até 100 pessoas permitidas em terra a qualquer momento. Além de minimizar a perturbação, isso intensifica a aventura. Cada vez que pousamos, é quase como se o nosso fosse o primeiro grupo a chegar.

          Pessoas desembarcam nas costas do Oceano Antártico desde que James Cook atravessou o Círculo Antártico em 1773. Por várias décadas, no entanto, ninguém foi além das ilhas, aventureiros pisaram no continente pela primeira vez apenas no início de 1821.

          Esses pioneiros, interessados em caçar focas para comercialização, em vez de fazer história, mantiveram silêncio sobre seus movimentos e a localização dos melhores pontos de pouso era mantida em segredo. Mas a curiosidade foi crescendo e, em 100 anos, alguns dos exploradores mais famosos do mundo deixaram sua marca no continente. No fim do século 20, a mudança que afastou a Antártida da exploração implacável dos recursos naturais e a aproximou da ciência, conservação e ecoturismo estava quase completa.

          À medida que contornamos a ponta da península, o tempo piora, forçando o capitão a mudar de rumo. “É aqui que as coisas ficam realmente interessantes”, diz o assistente do líder da expedição, Christophe Gouraud. Nós nos revezamos para ocupar a ponte, observando silenciosamente enquanto os oficiais navegam por uma rota complicada passando por icebergs monumentais, seus penhascos repletos de rachaduras.

          Aventurando-nos em locais que os navios de expedição raramente visitam, exploramos a Enseada Antártica e mergulhamos os pés do navio no mar de Weddell. Passamos duas horas cruzando o imenso A-68A, o iceberg que se parece uma planície de gelo e que, até recentemente, parecia estar se deslocando para a Geórgia do Sul, representando uma séria ameaça aos seus delicados ecossistemas.

          Na Ilha Elefante (batizada em homenagem às focas imponentes que já ocuparam sua costa rochosa), os pinguins-de-barbicha evitam a perturbação causada pela embarcação. Foi neste pedaço de praia que a tripulação da expedição Endurance de Ernest Shackleton ficou presa por 105 dias em 1916. O explorador levou mais 16 longos dias para navegar daqui até a Geórgia do Sul em busca de ajuda, uma travessia que concluímos em pouco mais de 48 horas.

          “Todos estão ansiosos para chegar na Geórgia do Sul — até mesmo o pessoal da sala de máquinas que você normalmente nunca vê”, diz o ornitólogo da expedição Ab Steenvoorden, que vasculha os céus em busca de albatrozes conforme nos aproximamos. “Eles aproveitam o tempo que têm de folga e fazem suas próprias viagens em barcos Zodiac. É uma ilha incrível e a única maneira de chegar aqui é pelo mar.”

          Desembarcando em Peggotty Bluff, onde Shackleton, já exausto, começou sua épica travessia pela ilha, faço uma descoberta interessante: os animais selvagens da Geórgia do Sul são ainda mais destemidos que os da Antártida. Lobos-marinhos jovens, super curiosos e que gostam de morder, se apressam em nossa direção. Abrimos os braços para parecermos maiores, fazendo-os parar, depois seguimos pela grama até uma enseada distante, governada por um verdadeiro gigante: um elefante-marinho monumental.

          Na manhã em que chegamos à baía de St. Andrew, acordo cedo e vou para o convés com binóculos na mão. Percebo que manchas escuras estão se deslocando pela praia. São os pinguins-rei — cerca de 300 mil adultos, além de seus filhotes. Dentro de uma ou duas horas, estarei entre essas majestosas aves, observando  os comportamentos e as vocalizações delas. Um companheiro de viagem descreve perfeitamente o nosso destino: “Este é um daqueles lugares que você realmente precisa vivenciar em primeira mão, com seus próprios olhos, ouvidos, nariz, coração e alma.”

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