
Jalapão: o paraíso no Brasil que talvez você ainda não conheça
No Parque Estadual do Jalapão, os fervedouros são fontes cársticas únicas que proporcionam um oásis de frescor no Cerrado seco do Brasil, a maior savana da América do Sul. O Fervedouro do Ceica é a maior nascente desse tipo conhecida no Jalapão.
Nadar em um fervedouro é um pouco como flutuar em uma piscina de champanhe, pois a água de um rio subterrâneo jorra de uma ruptura na terra, empurrando uma espuma de areia fina e rosa. Embora a palavra “fervedouro” signifique “caldeira”, um fervedouro não é uma fonte termal e a suas águas são frias, ao contrário do que se imagina.
Localizadas em meio à topografia seca do Parque Estadual do Jalapão, na região do Cerrado brasileiro, essas piscinas frescas são, na verdade, fontes cársticas. Mas a aparência única dos fervedouros é diferente de qualquer outra fonte cárstica do mundo.
Estabelecido como um parque em 2001, o Jalapão era, até recentemente, pouco conhecido no Brasil – e segue sendo um local ainda não tão famoso como diversos destinos turísticos tradicionais do país. Ele cobre aproximadamente cerca de 162 mil hectares em um canto remoto ao norte do Cerrado, a maior savana da América do Sul, o bioma que separa a Amazônia da Mata Atlântica.
O parque foi deixado praticamente intocado pelo setor agrícola durante séculos. Para chegar ao Jalapão, os visitantes devem voar para Palmas, capital do estado brasileiro do Tocantins, e depois encarar uma viagem de 5 a 6h em direção ao leste por estradas não pavimentadas.
Seu difícil acesso manteve o Jalapão obscuro por anos – até a estreia de “O Outro Lado do Paraíso”, uma novela popular que foi transmitida na TV em 2017 que ambientou os triângulos amorosos de seus personagens e as disputas de terras no parque. Por conta da novela, triplicou o turismo na região praticamente da noite para o dia.

O pôr do sol nas dunas douradas do Jalapão oferece outra perspectiva de um dos mais novos parques do Brasil. As dunas foram formadas pela erosão natural de uma montanha próxima.
O público brasileiro ficou especialmente cativado com as imagens dos raros fervedouros. Um fluxo constante de águas claras atrai os nadadores e a flora tropical protege o perímetro. Muitos viajantes nunca vão além desse bolsão de paraíso, mas há muito mais no parque, incluindo cachoeiras de águas azul-turquesa e dunas de areia dourada.
Proteção de um local de rica biodiversidade
O órgão oficial de turismo do Tocantins informou que, entre 2015 e 2019, o número de pessoas que visitaram as dunas do parque aumentou em mais de 200%, para 33616 visitantes registrados em 2019, a maioria esmagadora dos quais eram brasileiros. Antes da pandemia do coronavírus atingir o mundo, os dólares dos turistas estavam fluindo para a área ao redor do parque pela primeira vez e novos negócios, como operadoras de turismo e hotéis, foram lançados nas cidades vizinhas de São Félix e Mateiros.
Ainda durante a pandemia, o Jalapão reabriu em outubro de 2020 com o anúncio de que novos investimentos permitiriam a pavimentação de 50 Km de estrada ligando as cidades de Ponte Alta e São Felix. Porém, a maior parte do parque provavelmente continuará sendo um destino selvagem e off-road, de acordo com seu slogan não oficial: “o Jalapão é brutal”.
Para os turistas, as condições difíceis são um incômodo a ser suportado, mas para as pessoas que vivem no parque – uma comunidade quilombola descendente de escravizados fugitivos que se estabeleceram em todo o interior do Brasil – as estradas irregulares tornam extremamente difícil entrar e sair do parque para ir a Palmas para receber atendimento médico.
Com o crescimento do turismo, algumas pessoas pediram ao governo que pavimentasse mais os principais acessos, mas outras se preocuparam com as implicações e impactos que as novas estradas poderiam ter sobre a ecologia sensível do parque.
Entre 2005 e 2008, Mariana Napolitano, diretora de estratégia do World Wildlife Fund (WWF) Brasil, trabalhou com o governo para ajudar a determinar a capacidade do parque do Jalapão para o turismo e levantou preocupações sobre o que o asfalto significaria para a vida selvagem da região, como os lobos-guará, ameaçados de extinção, o raro pato-mergulhão, que tem menos de 250 exemplares no mundo, e qualquer nova espécie que ainda não tenha sido descoberta.
(Você pode se interessar: Qual o clima predominante do Cerrado? Saiba mais sobre o bioma considerado "a caixa d'água" do Brasil)

Um limite de oito pessoas por vez evita que o Fervedouro do Rio Sono fique sobrecarregado.
“A estrada de terra [atual] faz com que os carros andem devagar, então há tempo suficiente para os animais evitarem os carros. Mas se você tiver uma estrada pavimentada, imagine a velocidade que as pessoas poderiam alcançar”, diz Napolitano.
Outros, como Marcello Coelho, um guia turístico do Tocantins, estão preocupados com os fervedouros, que, segundo Coelho, precisam de mais supervisão do governo.
Mas, diz Coelho, “o ambiente natural, especialmente as nascentes, está sofrendo com a perturbação da presença humana. Elas precisam de tempo para se recuperar”.
O “boom” do turismo beneficiou economicamente a região, criando empregos e aumentando a receita das empresas que operam no parque, a maioria das quais é de propriedade local. E, embora muitos estejam pedindo que sejam traçadas linhas rígidas durante esse período sensível de crescimento, outros, como Anna Carolina Lobo, especialista em turismo e gestão ambiental da WWF, acreditam que esse momento é uma oportunidade.

As estradas de asfalto terminam em Ponte Alta, um dos últimos vilarejos que os visitantes veem antes de entrar no Parque Estadual do Jalapão, nessa região remota do norte do Brasil.
O Cerrado cobre quase 1/4 da superfície terrestre do Brasil e tem uma biodiversidade extraordinária. No entanto, está cada vez mais vulnerável ao desmatamento devido ao cultivo de soja e à criação de gado, que são expulsos da Amazônia. Mais de 64 mil Km² foram destruídos somente na última década.
Menos de 3% do Cerrado está sob proteção legal, mas Lobo espera que o aumento do turismo em parques como o Jalapão possa ajudar a aumentar a conscientização sobre o Cerrado entre os viajantes domésticos, que poderão então defender uma maior preservação dos lugares selvagens do Brasil.
Apesar dos 371 milhões de acres de terras protegidas do Brasil, os brasileiros nunca tiveram uma cultura de férias off-road. Mas quando os amigos trazem para casa histórias de araras selvagens, cachoeiras azuis e planaltos majestosos, a beleza intocada do interior do Brasil se torna um pouco mais bem compreendida e muito mais intrigante.
Com a reabertura do parque e o anúncio de novos investimentos em estradas e outras infraestruturas turísticas, espera-se que o Jalapão se torne o destino de cartão postal do Tocantins, bem como de todo o Cerrado, trazendo uma nova era de conscientização para uma região há muito tempo ofuscada pelo ecossistema mais chuvoso ao lado.
Jamie Ditaranto é um escritor e fotógrafo nômade que cobre tendências de viagens e sustentabilidade.
