Por que em breve poderemos ver mais animais híbridos no Ártico, como o urso-grolar e a narluga
Identificar híbridos de urso polar com urso-pardo na natureza pode ser complicado. O rosto mais escuro e o formato do corpo desse “urso-grolar” ou “urso-grizzly” (como são conhecidos) podem indicar que se trata de um híbrido, mas somente os testes genéticos podem dizer com certeza.
Em 2006, um caçador nos territórios do noroeste do Canadá atirou em um urso que tinha pelo branco com manchas marrons, garras longas e uma corcunda parecida com a do urso-pardo. O urso de aparência estranha acabou se revelando um urso híbrido: um animal resultado de um cruzamento entre um urso polar e um urso pardo.
Nos anos seguintes, os cientistas identificaram um total de oito híbridos de urso polar e urso-pardo na região do Ártico canadense e descobriram que todos os animais eram descendentes da mesma ursa polar fêmea. Às vezes chamados de "ursos-grolars", quando o pai é um urso pardo, ou de "ursos-pizzlies", quando o pai é um urso polar, esses ursos foram manchetes e alguns pesquisadores alertaram que o Ártico poderia se tornar o principal território para os híbridos devido às mudanças climáticas.
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Filhotes de ursos híbridos (os dois que foram apresentados na época) nasceram de uma mãe urso-pardo de Kodiak e um pai urso polar no National Zoo de Washington D.C. em 1937.
"Estamos interessados em avaliar a taxa de hibridização porque sabemos que, como o clima está esquentando no Ártico, os ursos pardos e os ursos polares estão entrando cada vez mais em contato uns com os outros", diz Ruth Rivkin, bióloga evolucionária da Universidade de Manitoba, em Winnipeg, no Canadá.
Usando ferramentas genéticas, Rivkin e seus colegas descobriram recentemente que a hibridização continua rara entre os ursos polares – por enquanto.
Os ursos não são as únicas espécies do Ártico que se misturaram, e muitos desses híbridos são praticamente indistinguíveis à vista. É por isso que as análises genéticas se tornaram muito importantes. Os cientistas estão examinando profundamente o DNA dos animais para identificar e aprender mais sobre possíveis híbridos, muitas vezes levantando mais perguntas do que respostas.
Desmascarando os animais híbridos
Normalmente, os animais não se acasalam fora de sua espécie, devido a uma série de barreiras, inclusive geográficas. Mas os animais híbridos podem surgir quando espécies ou subespécies que normalmente não se sobrepõem se encontram quando estão procurando um parceiro.
As baleias beluga e os narvais se separaram na árvore evolutiva há cerca de cinco milhões de anos, mas às vezes as espécies se cruzam na Baía Disko, no oeste da Groenlândia. Na década de 1980, um caçador coletou um crânio incomum que, mais tarde, os pesquisadores levantaram a hipótese de pertencer a um híbrido de beluga e narval (também conhecido como unicórnio-do-mar)
"Eram os primeiros dias da genética, e obter o DNA de um crânio que havia ficado de três a cinco anos do lado de fora não era realmente uma opção no início dos anos 1990", comenta Mikkel Skovrind, pesquisador da Universidade de Lund, na Suécia, que ajudou a avaliar o crânio com técnicas genéticas modernas em 2019. O estudo confirmou a identidade do híbrido "narluga" e atribuiu seu nascimento à década de 1970 ou antes.
À medida que as temperaturas esquentam, os ursos-pardos (Ursus arctos horribilis, fêmea mostrada com um filhote) podem se deslocar mais para o norte, aproximando-se do território dos ursos polares.
Da mesma forma, o derretimento do gelo marinho no Ártico poderia levar os ursos polares (Ursus maritimus – na foto, fêmea mostrada com filhotes) mais ao sul em busca de alimento.
Baleias beluga (Delphinapterus leucas) se sobrepõem durante a temporada de acasalamento com narvais na Baía de Disko, no oeste da Groenlândia.
O macho híbrido de baleia narluga da Baía de Disko (Groenlândia) não tinha a icônica presa pela qual os narvais machos (Monodon monoceros, na foto) são conhecidos.
Conexões climáticas
Embora alguns híbridos do Ártico surjam de encontros casuais, o aquecimento das temperaturas e o derretimento do gelo marinho podem remover uma barreira substancial para que as espécies entrem em contato umas com as outras. A perda de gelo marinho pode levar os ursos polares a novos locais em busca de alimentos, e a mudança climática também pode deslocar os habitats dos ursos-pardos para o norte, fazendo com que as espécies compartilhem mais espaço durante a época de acasalamento.
Para verificar se novos híbridos estavam surgindo, Rivkin e seus colegas examinaram amostras de DNA coletadas de ursos no Canadá, Alasca (Estados Unidos) e Groenlândia de 1975 a 2015, procurando genes de ursos polares, pardos e híbridos. Das mais de 800 amostras que examinaram, os pesquisadores só encontraram os oito híbridos que já conheciam.
"Fiquei surpreso", diz Rivkin. "Seria muito difícil distinguir visualmente os híbridos dos ursos-pardos ou dos ursos-polares e, portanto, eu esperava ver esses híbridos ocultos aparecendo geneticamente. Mas, com base em nossas descobertas, achamos que a hibridização é muito rara."
Ainda assim, os ursos híbridos existentes são provavelmente o resultado do aquecimento das temperaturas, o que continuará sendo um problema no futuro. "Precisamos continuar monitorando esses ursos para garantir que, se houver hibridização, possamos ajustar nossas estratégias de conservação e gerenciamento de acordo", afirma Rivkin.
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Há evidências que associam o clima a outras hibridizações no Ártico. Recentemente, os pesquisadores traçaram a história de uma população híbrida de papagaios-do-mar do Atlântico em uma ilha do arquipélago de Svalbard, na Noruega. Seus resultados mostraram que duas subespécies haviam se hibridizado em algum momento desde 1910, quando uma subespécie de corpo maior deslocou sua área de distribuição para o sul. Os autores escreveram que "o surgimento dessa população híbrida coincide precisamente com o aquecimento antropogênico do Ártico".
Voltando ainda mais no tempo, alguns pesquisadores suspeitam que os ursos polares e os ursos-pardos realmente se separaram há 600 mil anos e continuaram a se misturar quando as antigas mudanças climáticas sobrepuseram seus territórios. As estimativas da separação das espécies variam de 70 mil a 5 milhões de anos atrás, mas algumas populações modernas de ursos-pardos do Alasca podem até ter mantido os genes dos ursos polares.
Os papagaios-do-mar do Atlântico vivem nas margens do Ártico (um deles é mostrado na Islândia na foto). Duas subespécies se hibridizaram em algum momento desde 1910, depois que a maior das duas subespécies se deslocou para o sul. As aves híbridas agora povoam Bjørnøya, a ilha mais ao sul do arquipélago de Svalbard, na Noruega.
A hibridização de animais é algo positivo?
A troca de genes com outra espécie ou subespécie tem prós e contras, e os efeitos negativos da hibridização são particularmente preocupantes para as espécies em risco de extinção.
Em vez de se tornarem "superanimais", herdando todas as melhores características de cada espécie parental, os animais híbridos podem estar em desvantagem. Embora as primeiras gerações de espécies híbridas possam ter "vigor híbrido" e produzir descendentes mais aptos, as gerações posteriores podem sofrer de "depressão por endogamia", resultando em menor aptidão e taxas reprodutivas. Os conservacionistas também se preocupam com o fato de que as estruturas legais de conservação podem não se aplicar aos animais híbridos.
As baleias azuis ameaçadas de extinção não vivem tecnicamente no Oceano Ártico, mas são encontradas no Atlântico Norte, acima do Círculo Polar Ártico. Um estudo recente descobriu que cerca de 3,5% do projeto genético da população do Atlântico Norte deriva das baleias comuns.
"Essa porcentagem de 3,5 é muito grande", diz Mark Engstrom, curador emérito do Royal Ontario Museum de Toronto, no Canadá, e um dos autores do estudo. "Isso representa uma entrada significativa de baleias-comuns nas populações de baleias-azuis."
Uma preocupação é a "inundação genética", quando os genes de uma espécie são dominados pelos genes de outra espécie. Esse ataque aumentou o risco de extinção dos gatos selvagens europeus da Escócia. Engstrom diz que as evidências atuais não mostram se o nível de hibridização das baleias azuis tem impacto negativo sobre a espécie.
Para os vulneráveis papagaios-do-mar do Atlântico, o impacto também ainda não foi determinado. "Essa é a pergunta de um milhão de dólares, de certa forma, pelo menos para os papagaios-do-mar: Isso é benéfico ou prejudicial? De modo geral, a hibridização pode resultar em qualquer um dos dois", responde Oliver Kersten, pesquisador da Universidade de Oslo, na Noruega, que trabalhou no estudo do papagaio-do-mar.
Embora os estudos genéticos estejam fornecendo algumas respostas para os mistérios dos animais híbridos, os pesquisadores ainda têm dúvidas: Será que algumas espécies híbridas no Ártico acabarão com características pouco adequadas ao seu habitat? Algumas terão baixas taxas de reprodução ou serão inférteis? Os pesquisadores também querem saber quantos híbridos existem e como a mudança climática pode afetar essas espécies.
Engstrom aponta para sua pesquisa com baleias, dizendo: "Nenhum desses estudos é um ponto final... Eles geralmente levantam muito mais perguntas do que respondem".