A ciência dos "super-raios": por que eles são considerados os mais fortes do mundo

Eles são 1 mil vezes mais fortes e brilhantes do que os relâmpagos comuns: cientistas finalmente descobriram a causa desses potentes flashes de eletricidade.

Um raio atinge o mar perto de Fort St Elmo durante uma tempestade em Valletta, na ilha de Malta, em 2019. A maior concentração de super-raios foi observada no Mar Mediterrâneo, no Atlântico Norte e no Altiplano no Peru e na Bolívia – regiões onde as  cargas elétricas das tempestades estão mais próximas da superfície da Terra.

Foto de Darrin Zammit Lupi Reuters, Redux
Por Avery Schuyler Nunn
Publicado 17 de out. de 2023, 08:00 BRT

Os estalos estridentes e iluminados dos relâmpagos há muito tempo provocam questionamentos científicos intrigantes. E, embora muitas perguntas sobre esses poderosos flashes elétricos permaneçam, um mistério  particularmente significativo – como ocorrem os raios mais brilhantes e mais fortes do planeta – foi respondido recentemente.

A queda média de um raio produz cerca de 1 mil a 5 mil megajoules de energia – o suficiente para alimentar uma lâmpada de 60 watts por mais de seis meses. O termo "super-raio" foi cunhado em um estudo publicado em 1977 para raios que perfuravam o céu com mil vezes mais luz e energia do que um raio comum. Embora esses super-raios constituam apenas uma pequena fração de todos os relâmpagos, sua natureza extrema pode ajudar os cientistas a investigar o funcionamento das tempestades elétricas.

Em um novo estudo, os pesquisadores descobriram que a energia de um raio aumenta drasticamente quando a zona de carga de uma nuvem, onde o raio é gerado, que está mais próxima da superfície da Terra.

“Quando vimos essa correlação, nossos olhos se arregalaram. Pensamos: isso é enorme”, afirma Avichay Efraim, físico da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e principal autor do estudo. “A alegria de descobrir algo assim é o sonho de todo cientista.”

Dentro das nuvens de tempestades, que atravessam uma ampla faixa de temperaturas e podem atingir até 11 milhas de altura, fortes correntes ascendentes e descendentes fazem com que o gelo e a água colidam uns com os outros, deixando algumas partículas com carga positiva e outras com carga negativa. Tudo isso cria um campo elétrico dentro da nuvem, conhecido como zona de carga.

“Para que os raios ocorram, é preciso haver gelo”, explica Efraim. “E o gelo ocorre somente abaixo de zero graus Celsius, na isoterma zero – o limite inferior da zona de carga. Em algum lugar dentro dessa zona, o raio se inflama. Quando a distância é menor entre essa zona e os oceanos ou planaltos, obtemos uma energia muito maior.”

Esta foto tirada em 5 de agosto de 2023 mostra um raio atingindo o Mar Adriático na costa de Makarska, na Croácia. Embora a maioria dos raios atinja a terra, muitos dos super-relâmpagos ocorrem sobre a água em áreas como o Mediterrâneo e o Atlântico Norte.

Foto de Matko Begovic PIXSELL, Xinhua, Getty Images

Desvendando os raios

A pesquisa de Efraim teve origem em um estudo de 2019, que mostrou que os super-raios tendem a se agrupar em determinadas partes do mundo: o Mar Mediterrâneo, o Oceano Atlântico Nordeste e um dos planaltos mais altos da Terra, o Altiplano na Bolívia e no Peru.

“Começamos a pensar, o que poderia ser sobre essas três regiões?” continuou Efraim. "Por que não em outros lugares?” Em busca de respostas, os pesquisadores reuniram e analisaram dados de um conjunto de detectores de raios de ondas de rádio, que apontaram a hora exata, o local e a energia de alguns relâmpagos que ocorreram entre 2010 e 2018. 

Em seguida, a equipe usou os dados para determinar as condições das tempestades, como a elevação da superfície da terra e da água, a altitude da zona de carga, as temperaturas da base e do topo das nuvens e as concentrações de aerossol.

Efraim já havia observado que os aerossóis revigoravam os relâmpagos e, em um primeiro momento, pensou que eles poderiam desempenhar um papel na ocorrência de super-raios. Embora ele tenha descoberto que os aerossóis afetam a frequência dos relâmpagos, eles não desempenhavam um papel significativo na força de um raio. Em vez disso, foi a distância entre a zona de carga de uma nuvem e a superfície do planeta que afetou a energia de um raio.

“Qualquer avanço nas pesquisas sobre os super-raios é fascinante. Eles são muito raros e difíceis de rastrear”, explica Michael Peterson, um cientista atmosférico do Los Alamos National Laboratory, nos Estados Unidos, que não participou do novo estudo.

Peterson observa que, embora haja boas razões para acreditar que uma distância menor entre a zona de carga de uma nuvem de tempestade e o solo produza raios mais fortes, especialmente nos Andes, os mecanismos para explicar esse fenômeno são baseados em modelos. Sem informações de um radar meteorológico ou outras medições ópticas, ele diz, é um desafio decifrar os processos de pequena escala dentro das tempestades.

“É um problema difícil de resolver porque essas supertempestades ocorrem com pouca frequência, talvez algumas vezes por ano. Com as tempestades oceânicas, eu poderia ver isso como uma questão de correlação ou de causa”, diz Peterson. “Não temos uma linha de base muito clara sobre como [os super-raios] surgem, e espero que esta pesquisa nos dê uma parte disso.”

Estudando futuros raios

Efraim observa que compreender a causa dos super-raios será importante para determinar como eles podem afetar a sociedade. “O impacto imediato é o risco na infraestrutura, como nas turbinas eólicas, navios, aviões – coisas que usamos”, revela ele. “Essas coisas podem absorver os raios comuns até certo ponto, mas os super-raios podem causar derretimento ou danos graves.”

Efraim diz que a pesquisa sobre os efeitos complicados do aquecimento global sobre a atividade dos super-raios ainda é desconhecida, mas provavelmente será uma área de foco de estudo no futuro. Ele observa que níveis mais altos de umidade na atmosfera, podem ocorrer com o aquecimento do planeta, fazendo com que a zona de carga se forme em altitudes mais elevadas, diminuindo a frequência dos super-raios. 

Por outro lado, as mudanças induzidas pelo clima nos ventos e nas correntes de ar poderiam trazer uma varredura de ar frio até a linha do Equador, onde ele colidiria com o ar quente e úmido e diminuiria a zona de carga, criando mais super-raios.

“É muito complicado porque ainda não podemos dizer com certeza o que afetaria o quê, mas certamente é algo que pode ser explicado”, continua Efraim. “Acho que esse é o impacto da nossa pesquisa: descobrimos uma grande peça do quebra-cabeça, e essas informações agora podem ser implementadas e incorporadas aos modelos globais.”

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