Especial Halloween: veja o que tornou Salem famosa como a "cidade das bruxas"
Os julgamentos das bruxas de Salem no século 17 vão além da curiosidade histórica. Saiba como esse fato arrepiante nos ensina sobre o medo, o poder e as consequências da paranoia em massa.

Esta pintura a óleo de 1855 chamada “The Trial of George Jacobs” retrata George Jacobs sendo julgado em 5 de agosto de 1692. Sob pressão da histeria, sua própria neta testemunhou contra ele, levando-o à prisão. Em seu julgamento, Jacobs não conseguiu recitar corretamente a oração do Pai Nosso, um sinal frequentemente considerado como prova de culpa. Embora os julgamentos das bruxas de Salem sejam famosos pelas mulheres acusadas, os homens também foram vítimas desses julgamentos.
As estatísticas são apenas uma maneira de contar a história dos infames julgamentos das bruxas de Salem, cidade do estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Em apenas 16 meses, entre fevereiro de 1692 e maio de 1693, cerca de 200 pessoas – a maioria mulheres – foram acusadas de praticar bruxaria na Salem colonial, em Massachusetts. Dessas 200, houve 30 condenações e 19 execuções.
Mas as acusações em massa, os julgamentos e as execuções em Salem nunca poderiam ter acontecido sem a combinação perfeita de fatores individuais e personalidades. Essas forças viraram uma comunidade puritana e a vida de seus moradores de cabeça para baixo.
Veja como surgiram os julgamentos das bruxas de Salem e por que ainda hoje vale a pena lembrar o que aconteceu lá.
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As origens da caça às bruxas
Primeiro, um pouco de desmistificação de mitos. “Não havia mulheres de rosto verde com chapéus pontudos mexendo em caldeirões e lançando feitiços em Salem na época colonial”, conta Bridget M. Marshall, professora de inglês da Universidade de Massachusetts, que escreveu sobre julgamentos históricos de bruxas.
Em vez disso, as acusações de bruxaria geralmente afligiam as mulheres cujo comportamento irritava os membros de suas comunidades unidas e profundamente religiosas. Elas também eram comuns entre os membros mais impotentes da comunidade, como mulheres pobres e mulheres negras – pessoas que eram fáceis de serem acusadas de bruxas.
Os julgamentos de bruxas não eram exclusivos de Salem. A Europa passou por uma loucura de caça às bruxas entre os séculos 15 e 18, processando cerca de 100 mil pessoas – a maioria mulheres – por acusações de conspirar com o demônio e realizar atos heréticos, como maldições. A colonização europeia disseminou essa preocupação à medida que a agitação social e as mudanças religiosas e políticas em Salem a tornaram suscetível a acusações de bruxaria.
Como outras cidades da colônia inglesa na América do Norte, na baía de Massachusetts, Salem foi povoada por colonos puritanos. Suas vidas diárias se desenrolavam ao lado dos habitantes indígenas da área, africanos escravizados e um número crescente de refugiados deslocados do que hoje é o Canadá e Nova York pela Guerra do Rei Guilherme – um conflito entre a Grã-Bretanha e a França que ocorreu entre 1689 e 1697. Os novos residentes levaram os recursos de Salem ao limite, alimentando as já intensas rivalidades pessoais entre os moradores e seus líderes religiosos e governamentais.
A primeira acusação de bruxaria
Um dos conflitos mais duradouros de Salem foi com relação ao líder da igreja, pois a cidade tinha dificuldade em manter um ministro permanente. Após várias tentativas de manter um ministro, a congregação da igreja da vila contratou Samuel Parris. O mandato de Parris foi marcado por ainda mais controvérsias devido às suas opiniões rígidas e ortodoxas e às discussões sobre seu salário.
Em janeiro de 1692, a filha de Parris, Elizabeth, de nove anos, e a sobrinha Abigail Williams, de 11 anos, começaram a ter “ataques” depois de participarem de jogos de adivinhação. Essas diversões eram consideradas perversas de acordo com a doutrina puritana.
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Nesse caso, as meninas colocaram uma clara de ovo em um copo de água e interpretaram as formas que se formaram como indicadores das profissões de seus futuros maridos. Depois de verem uma forma semelhante a um caixão em um dos copos, as meninas começaram a se comportar de forma estranha. Durante esses episódios, elas faziam ruídos altos e incoerentes, como latidos de cachorro, choravam e caíam no chão, com os corpos agitados por movimentos aparentemente involuntários.
O médico da cidade diagnosticou que ambas tinham uma “mão maligna sobre eles” – estavam sob o feitiço ou maldição de uma bruxa que havia feito com que o demônio os possuísse. Bruxaria e lidar com o demônio eram crimes segundo a lei de Massachusetts, e o comportamento das meninas rapidamente se transformou em uma questão legal.

Este retrato a óleo sobre cartão de 1685 mostra Samuel Parris, o pastor que liderou a caça às bruxas de Salem em 1692. As primeiras acusações contra sua família ajudaram a inflamar a histeria que levou a julgamentos e execuções em massa.
Quando confrontadas, as meninas culparam Tituba – uma mulher negra escravizada de propriedade de Parris – por tê-las encantado com bruxaria. Embora não estivesse envolvida no jogo de adivinhação, Tituba havia preparado um “bolo de bruxa” com urina e centeio para tentar curar as meninas de sua suposta possessão.
Quando Parris descobriu que Tituba havia preparado e dado a comida a elas, ficou furioso e a espancou. Sob coação, Tituba confessou a bruxaria, admitindo que era serva do demônio.
“Tituba era um alvo fácil, pois era considerada a mais baixa das baixas em uma sociedade muito hierárquica”, diz Marshall. “Essa era uma sociedade sob muito estresse que procurava bodes expiatórios para culpar por vários problemas.”
Tituba não era o único bode expiatório infeliz para o comportamento das moças. Elas apontaram o dedo para duas outras mulheres: Sarah Osborne, uma mulher da cidade que era considerada promíscua por seus vizinhos, e Sarah Good, uma mulher sem dinheiro cuja família era muito malvista. Logo, as três foram formalmente acusadas de bruxaria, presas e julgadas.
Os efeitos da histeria coletiva
Embora os verdadeiros motivos por trás das acusações permaneçam obscuros, suas consequências são claras. As prisões desencadearam um surto do que os analistas modernos chamaram de histeria coletiva – e que os estudiosos atribuíram a tudo, desde envenenamento por ergot até alucinógenos e “polarização de grupo”.
Na esteira do testemunho provocador em que Tituba afirmava que ela e as meninas haviam montado em vassouras e assinado um livro oferecido a ela pelo demônio, outras meninas da aldeia começaram a apresentar um comportamento estranho.


Esta ilustração de 1892 da revista Harper's Magazine mostra uma cena de tribunal com uma multidão acusando duas jovens. Como muitas outras durante os julgamentos das bruxas de Salem, a juventude das meninas reflete a vulnerabilidade das vítimas.
Neste panfleto de caça às bruxas de 1693, escrito por Cotton Mather, um ministro puritano, durante os julgamentos das bruxas de Salem, reflete o medo e o fervor que alimentaram a perseguição de supostas bruxas na Massachusetts na época que os Estados Unidos ainda era uma colônia.
À medida que o julgamento avançava, mais moradores de Salem começaram a acusar uns aos outros de praticar bruxaria. A historiadora Carol F. Karlsen observa que muitos dos moradores que fizeram acusações de bruxaria contra pessoas de sua comunidade tinham vidas incertas e poucas perspectivas de futuro. Essas pressões crescentes explicam o interesse das meninas da aldeia em aprender mais sobre seu futuro e o desejo de obter validação da comunidade depois que seu comportamento estranho atraiu questionamentos de outros moradores.
Vítimas dos julgamentos das bruxas de Salem
Salem criou um tribunal especial para os julgamentos e começou a acusar, julgar e executar supostas bruxas em grande número. Os acusados não eram considerados inocentes, e as condenações se baseavam em confissões coagidas, boatos e até mesmo “provas espectrais” envolvendo sonhos de testemunhas.
As autoridades também consideravam a reputação dos acusado, o comportamento anterior e os corpos dos réus, procurando características físicas como manchas ou arranhões que eles interpretavam como “marcas de bruxa”.
Até mesmo crianças pequenas estavam em risco. Testemunhas acusaram a filha de quatro anos de Sarah Good, Dorothy, alegando que ela havia “atormentado” e mordido suas vítimas. Ela foi libertada após 34 semanas na prisão, mas não antes da execução de sua mãe, por enforcamento. A irmã recém-nascida de Dorothy, Mercy, foi a vítima mais jovem dos julgamentos. Ela foi presa e morreu na cadeia logo após seu nascimento.
Embora as mulheres constituíssem a maioria esmagadora, o tribunal também julgou e condenou seis homens. John Proctor, um homem de 60 anos que se opôs publicamente aos julgamentos, pagou por isso com a própria vida. A história de Proctor e sua execução por enforcamento foram posteriormente dramatizadas na peça “The Crucible”, de Arthur Miller.
Depois de ser acusado, Giles Corey, de 81 anos, recusou-se a admitir ou negar “diversos atos de bruxaria” em uma tentativa de proteger seu patrimônio de confisco caso fosse condenado. Em vez de julgá-lo, as autoridades o pressionaram lentamente até a morte entre duas pedras, uma das formas mais brutais de execução da época.
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As consequências dos julgamentos das bruxas de Salem
No final das contas, diz Marshall, “apenas uma pequena porcentagem foi considerada culpada”. Mas é difícil determinar o destino dos que foram absolvidos. Eles conseguiram convencer os tribunais de sua inocência ou passaram em vários testes – como estar disposto a rezar o Pai Nosso ou não ter nenhuma característica física que pudesse ser interpretada como “marcas de bruxa”.
Cinco dos acusados morreram enquanto ainda estavam presos. Aqueles que foram libertados não estavam necessariamente em melhor situação. “Eles teriam ficado em situação financeira difícil”, afirma Marshall, apontando para o confisco de bens, taxas de prisão rígidas e outras penalidades.
Outros, como Tituba, enfrentaram mais marginalização dentro da comunidade. Tituba acabou se retratando de seu testemunho, mas ficou na cadeia por 13 meses até que um benfeitor anônimo pagou sua fiança. Ela nunca recebeu restituição.
Esses sobreviventes saíram com danos devastadores em suas reputações, agravados pelo fato de que alguns também foram excomungados da igreja. Como resultado, muitos travaram longas batalhas para ter seus nomes limpos durante anos, diz Marshall.
A mania do julgamento de bruxas na vila de Salem desapareceu em 1693, possivelmente devido, em parte, à posição pública assumida por figuras proeminentes contra o julgamento de bruxas, como o ministro puritano Cotton Mather.
Levou séculos para que Salem – hoje um destino popular para turistas interessados no paranormal – reconhecesse totalmente suas vítimas. As autoridades de Massachusetts só começaram a se desculpar pelos julgamentos em 1957, e a última pessoa a ser exonerada pelo crime de bruxaria em Salem, Elizabeth Johnson Jr., foi inocentada em 2022.
Em 2017, a cidade finalmente dedicou um memorial no local onde ocorreram os enforcamentos em massa. O monumento, cercado por uma floresta, consiste em uma parede simples gravada com os nomes das 19 vítimas de enforcamento dos julgamentos.
Ao estimular a reflexão silenciosa, o memorial vai além das estatísticas e especulações sobre as vítimas reais no centro da histeria das bruxas de Salem: indivíduos marginalizados e em situação de risco, cujos próprios vizinhos estavam dispostos a matá-los.
