Mistério Inca: por que eles cavaram milhares de buracos em uma montanha do Peru há mil anos?
Não, os buracos não foram feitos por alienígenas. Mas por contadores e comerciantes? Talvez sim.

Um conjunto de buracos no Monte Sierpe (Montanha Serpente), no Peru, perto da cidade de Pisco, fotografado em 2024.
Ao longo de uma cordilheira rochosa no Peru, uma formação de mais de 5 mil buracos alinhados uns aos outros sobe pela montanha como uma cobra de quase 2 Km de comprimento, localizado no Vale do Pisco, no planalto de Nazca. Quando o arqueólogo Charles Stanish avistou pela primeira vez essa gigantesca “faixa de buracos” há mais de uma década, ele nunca tinha visto nada parecido. “O local é fascinante”, afirmou ele.
Também chamado de “Monte Sierpe” ou “Montanha Serpente”, o local tem intrigado arqueólogos e teóricos da conspiração desde que foi redescoberto durante uma expedição norte-americana ao Peru em 1931.
Um novo estudo de Stanish, agora na Universidade do Sul da Flórida, e seus colegas pode finalmente resolver o mistério dos Incas de por que essa estranha formação de buracos foi construída há cerca de mil anos.
Com base em evidências microbotânicas e imagens de drones, a equipe argumenta que os milhares de buracos podem ter sido usados para medir os tributos de grupos de habitantes locais aos seus senhores da elite Incas. A análise, publicada em 9 de novembro de 2025 na revista Antiquity, também aponta para as origens do local antes da ascensão do Império Inca.
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De alienígenas à Atlântida: o que explica o mistério dos Incas?
Os arqueólogos acreditam que a Faixa de Buracos do “Monte Sierpe” tenha cerca de 1 mil anos e que o povo local Chincha tenha ficado sob o controle do Império Inca cerca de 400 anos depois. Os Chincha viviam nas proximidades da região dos buracos, mas os arqueólogos não sabem exatamente quem construiu a formação pela primeira vez.

Os pesquisadores utilizaram drones para observar novamente a “Faixa de Buracos” ao longo do Monte Sierpe, no Peru. Seu trabalho sugere que os incas podem ter se apropriado de um antigo local de mercado para coletar tributos da população local.
O local ganhou destaque moderno em 1933, quando a revista National Geographic publicou as primeiras fotografias aéreas da estrutura única do conjunto de buracos; e Stanish observa que há muito tempo é foco de teorias pseudoarqueológicas, com supostas ligações com antigos astronautas e o mito da Atlântida.
Estudos arqueológicos sugeriram uma lista de explicações muito mais plausíveis: pode ter sido usado para defesa, armazenamento, coleta de água, colheita de neblina ou cultivo.
Há cerca de 10 anos, Stanish lançou a ideia de que os incas usavam os buracos para avaliar tributos. O novo estudo sugere que a tal “Banda de Buracos” teve origem como um mercado de troca e reforça sua ideia original com mais evidências científicas. Os pesquisadores não descartam, no entanto, que ele possa ter servido apenas como um geoglifo cerimonial, talvez como as linhas de Nasca.
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Vestígios reveladores de um antigo mercado Inca
Nos buracos, a equipe encontrou pequenos vestígios de milho e plantas silvestres tradicionalmente utilizadas para a confecção de cestos. Isso sugere que as pessoas revestiam os buracos com material vegetal e depositavam os bens dentro deles, utilizando cestos ou fardos para transportar os bens, afirma o autor principal do estudo, Jacob Bongers, arqueólogo da Universidade de Sydney, Austrália.
Além disso, a Banda de Buracos também está localizada perto de um entroncamento de antigas estradas entre a costa e as terras altas andinas, nas Cordilheiras dos Andes, tornando-a “uma boa candidata a um mercado de trocas”, observa Bongers — um local lógico para diferentes grupos e comerciantes especializados se encontrarem e trocarem mercadorias.
“Um grande número de pessoas depositando mercadorias nos buracos poderia ter sido uma forma de exibir publicamente informações sobre a quantidade de mercadorias disponíveis, bem como a quantidade de mercadorias necessárias para uma troca justa”, explica ele. “Por exemplo, um certo número de buracos contendo milho seria equivalente a um certo número de buracos contendo outro tipo de mercadoria, como algodão ou coca.”
A arqueóloga Jordan Dalton, da SuNY Oswego, gosta da ideia de que Monte Sierpe possa ter começado como um mercado. Especialista em economias da Era Inca, ela não participou do estudo mais recente, mas trabalhou em sítios arqueológicos no vale de Chincha, nas proximidades, e visitou o Conjunto de Buracos. “Ele fica em uma importante zona de transição entre os vales e as terras altas, onde diferentes grupos étnicos se reuniam”, comenta a arqueóloga. “Portanto, acho que essa é uma possibilidade muito interessante.”

Ainda não está claro qual ou quais grupos foram os arquitetos originais do mercado na montanha peruana, nem quantos buracos ele tinha quando foi construído, mas os incas provavelmente o ampliaram e projetaram para atender às suas necessidades contábeis.
Um sistema de contabilidade paisagística
Além da análise dos restos vegetais nos buracos, os pesquisadores usaram drones aéreos para documentar a Faixa de Buracos vista de cima. Eles observaram que a estrutura de aproximadamente 1,6 km de comprimento é composta por mais de 60 “blocos” distintos de buracos, separados uns dos outros por finas faixas de terra. Blocos diferentes contêm números diferentes de fileiras e números de buracos em cada fileira.
“Uma seção do local tem pelo menos nove fileiras consecutivas com oito buracos cada, enquanto outra tem seis fileiras consecutivas com sete buracos e uma fileira com oito buracos, totalizando 50 buracos”, diz Bongers. “Outra seção tem pelo menos 12 fileiras que alternam entre sete e oito buracos.”
Os detalhes ainda são desconhecidos, mas os pesquisadores acreditam que os padrões numéricos entre os buracos em Monte Sierpe podem estar relacionados aos métodos de contagem usados em alguns quipus dos povos pré-colombianos do Peru — antigos feixes de cordas com nós, que se acredita representarem números, frequentemente associados aos incas, mas que se originaram com os povos andinos anteriores.
Em particular, os buracos no Monte Sierpe poderiam corresponder ao método de contagem usado em um antigo quipu encontrado em um sítio arqueológico a poucos quilômetros de distância. “De certa forma, o Monte Sierpe poderia ter sido um ‘quipu paisagístico’”, comenta Bongers.
Os Incas podem ter se apropriado do mercado original como uma forma de avaliar os tributos devidos por grupos de habitantes locais, refletindo as diferenças no nível do tributo e no número de pessoas que o deviam.
Se os pesquisadores estiverem corretos, o estudo levanta questões sobre “como as comunidades do passado modificaram as paisagens para reunir as pessoas e promover a interação”, explica Bongers. Stanish acrescenta que pesquisas futuras analisarão as origens dos vestígios de plantas encontrados, alguns dos quais podem ter sido medicinais. A cada descoberta, “a Faixa de Buracos se torna ainda mais intrigante”, diz ele.