Conheça estas remotas ruínas incas que rivalizam com Machu Picchu

Uma caminhada no alto dos Andes peruanos revela deslumbrantes edifícios antigos, vistas estelares e misteriosa arte de lhama.

Nos Andes peruanos, o acesso às ruínas do antigo assentamento inca de Choquequirao só pode ser feito a pé ou de mula, mas existe uma proposta de um teleférico para tornar o local mais acessível.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic
Por Lucien Chauvin
Publicado 9 de nov. de 2022, 10:14 BRT

Lhamas parecem pastar por todas as partes nas montanhas do Peru, mas nenhuma delas é tão memorável quanto o rebanho de Choquequirao, um extenso sítio arqueológico pré-colombiano no sul dos Andes. Aqui, rochas brancas incrustadas nas paredes dos terraços de pedra de xisto cinza com mais de vinte desenhos de lhamas, impressionando tanto turistas quanto arqueólogos.

“Não há nada assim nos Andes”: arte rupestre única embutida em terraços de pedra em Choquequirao retrata um desfile de lhamas.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

“Não há nada como isso nos Andes. Foi uma inovação artística que ocorreu antes do século 16 e nunca se repetiu”, destaca Gori-Tumi Echevarría, especialista em arte rupestre pré-histórica que trabalha no local desde que as lhamas foram desenterradas em 2005.

Choquequirao, ou Choque para os locais, é o ‘irmão’ da mais visitada Machu Picchu. Construído pelos incas, inclui salões cerimoniais, câmaras que já abrigaram múmias, intrincados terraços agrícolas e centenas de edifícios onde os povos antigos trabalhavam e viviam. As lhamas – em uma procissão perpétua em direção à praça central da ruína, onde seus parentes da vida real teriam sido sacrificados – são a atração principal.

A rota para o Choquequirao, com 3000 metros de altura, não é para qualquer um. A maioria dos caminhantes leva dois ou três dias para ir e voltar, ao longo de uma trilha de 62 quilômetros próxima a um penhasco, enquanto o rio Apurímac corre abaixo. A rota é pontilhada de pedras e forrada de galhos espinhosos.

À esquerda: No alto:

Alguns caminhantes retornam ao acampamento Capuilyoc, uma das primeiras estações na rota para Choquequirao.

À direita: Acima:

Um tropeiro e seus cavalos no caminho para Choquequirao. Muitos viajantes percorrem a rota de 62 quilômetros e 3000 metros de altura indo e voltando das ruínas, outros montam animais de carga durante toda ou parte da jornada.

fotos de Victor Zea Diaz National Geographic

Paredes grossas de pedra e construção em forma de terraços caracterizam o assentamento de Choquequirao, que os estudiosos acreditam que foi construído pelos incas nos séculos 15 e 16.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

Mas cada dedão do pé e braço arranhado valem a vista dos Andes cobertos de neve, paisagens deslumbrantes e estruturas enigmáticas ao longo do caminho.

Choquequirao é acessível apenas a pé ou de mula. Isso pode mudar se as autoridades peruanas concordarem com uma proposta de 2011, de criar um teleférico para transportar visitantes até a base das ruínas. Os defensores do projeto afirmam que a proposta aumentaria o turismo – e geraria receitas – sem interromper a travessia dos caminhantes. Os opositores argumentam que o teleférico não só estragaria Choquequirao, mas que também todo o complexo poderia desmoronar.

Por enquanto, o afastamento do local e a dificuldade para acessar às ruínas preservam uma qualidade mágica e mítica. Mas será mesmo que o progresso mudará tudo isso?

Um mítico "berço de ouro"

Choquequirao, traduzido como “berço de ouro” na língua quíchua indígena do Peru, fica ao longo de uma rota usada pelos povos pré-colombianos para se deslocar entre os picos andinos e as planícies da selva. Tanto ele quanto Machu Picchu (a 43 quilômetros para o nordeste) foram mapeados na década de 1910 pelo explorador americano Hiram Bingham, que liderou quatro expedições ao local patrocinadas pela Universidade de Yale e pela National Geographic Society.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic, National Geographic

Os dois locais evoluíram de maneira bastante diferente desde os esforços de mapeamento de Bingham. Na década de 1920, Machu Picchu foi anunciada (incorretamente) como uma “cidade perdida”, causando um aumento no turismo. A série de terraços tornou-se o cartão postal do Peru para o mundo, uma cidadela no topo da montanha acessível por trilha ou por uma combinação de trem-ônibus. Em 1983, foi inscrito na lista do Patrimônio Mundial da Unesco, e o número de viajantes aumentou ainda mais. Nos primeiros seis meses de 2022, o local atraiu quase 413 000 visitantes, segundo o Ministério do Comércio e Turismo do Peru.

Choquequirao, por outro lado, recebeu apenas 2353 caminhantes no primeiro semestre deste ano. Essa não é a única diferença. Enquanto a maioria dos visitantes de Machu Picchu transita pela pequena cidade de Aguas Calientes, com ampla gastronomia e hospedagem, a rota para Choquequirao carece de muitos confortos. Chegar lá é, como muitos preferem, uma aventura.

Tesouros ainda por descobrir

Assim como em Machu Picchu, Choquequirao mostra a progressão das técnicas de construção incas, começando com estruturas simples de pedra e evoluindo para blocos maciços finamente talhados que se encaixam como peças de quebra-cabeça. O coração de Choquequirao, com seus nichos de múmias e plataforma de sacrifício cerimonial, é menor do que o que os turistas veem em Machu Picchu, mas o sítio em si é muito maior.

Turistas com seu guia exploram a parte superior do recinto arqueológico de Choquequirao. O sítio é maior do que Machu Picchu, embora menos dele tenha sido escavado.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

Pablo Guevara, um turista de Cusco, visitou Choquequirao em maio de 2022.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

O tamanho e o afastamento de Choquequirao significam que grande parte do local nunca foi escavado. Nelson Sierra, que opera uma empresa de trekking de alta montanha, a Ritisuyo, aponta para elevações cobertas de vinhas que se erguem além da clareira central. 

Não são pequenas colinas, mas sim estruturas desmoronadas recuperadas por vegetação densa. “Ainda é necessário muito trabalho aqui, mas restaurar tudo seria um trabalho enorme”, pondera.

À medida que os caminhantes se aproximam das ruínas, a primeira coisa que veem são terraços, plataformas em forma de degraus que transformam as encostas em terras aráveis, ainda usadas por agricultores nas terras altas do Peru. São quilômetros e quilômetros de ruínas em Choquequirao, a maioria ainda enterradas. Os terraços se estendem do topo das ruínas por quase um quilômetro e meio até o rio Apurímac.

Mabel Covarrubias, cuja família vive na comunidade vizinha de Marampata há mais de um século, diz que seus ancestrais usavam os terraços para plantar e pastorear o gado até a década de 1980.

O trabalho nos terraços levou os arqueólogos às lhamas de pedra. Seus corpos de pedra branca contrastam fortemente com as paredes cinzentas, sugerindo profundidade e dimensão. Eles refletem a luz dos primeiros raios do sol que os atingem todas as manhãs. Echevarría diz que os terraços de lhama podem ter sido construídos como uma oferenda simbólica ao deus do sol, mesmo quando nenhum animal vivo real estava disponível para sacrifício.

À esquerda: No alto:

Placa para as ruínas de Choquequirao coberta com adesivos.

À direita: Acima:

Como muitas pessoas que moram no caminho para Choquequirao, Samuel Quispe trabalha no turismo, atendendo aos caminhantes com pernoite e transporte a cavalo e mula.

fotos de Victor Zea Diaz National Geographic

Yian Tapia olha para sua cidade natal, a vila de Marampata. É um dos poucos lugares com serviços para caminhantes na trilha para Choquequirao.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

Essa conjectura é só uma dentro de uma longa lista de suposições sobre o lugar. “Existem muitos mitos em torno de Choquequirao”, diz Echevarría. De fato, Bingham e vários exploradores e pesquisadores lançaram teorias sobre as origens de Choquequirao, sua relação com outras ruínas e o papel que desempenhou durante o Império inca.

Um dos primeiros mitos sustenta que Manco inca, o líder da resistência inca do século 15, esteve escondido na cidadela aqui por parte dos 40 anos em que travou uma guerrilha contra os espanhóis.

“É uma história bonita, mas não tem nada a ver com a realidade”, acredita Echevarría. “Não tenho dúvidas de que Manco inca estava em Choquequirao, como estava em Machu Picchu, mas a cidade não foi construída para a resistência.”

Samuel Quispe, que trabalhou como guarda, guia e restaurador em Choquequirao desde a década de 1990, afirma que o complexo foi construído pelos chanca, rivais dos incas na região vizinha de Apurímac, nos séculos 14 e 15. Echevarría contradiz essa teoria, acreditando que a maioria das estruturas foi erguida durante a expansão do Império inca no século 15.

O enigma do teleférico

A descoberta das lhamas chamou a atenção para as ruínas e criou o mito mais recente, que continua ganhando força por causa da política confusa do Peru.

A ex-primeira-dama do Peru Eliane Karp foi fundamental para garantir assistência financeira para acelerar a restauração de Choquequirao, em 2002. Agora, ela e seu marido, o ex-presidente Alejandro Toledo, estão sob suspeita de suposta corrupção. 

Embora nenhuma das alegações se refira a Choquequirao, a controvérsia colocou em questão tudo o que o casal fez no poder. Há muitos rumores de que Karp voou de helicóptero para Choquequirao para transportar caixotes de artefatos dourados. 

Os turistas apreciam a vista de Choquequirao de um de seus muitos terraços.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

Karp não levou ouro, mas pressionou por um teleférico para acessar Choquequirao. Em teoria, esta linha poderia ser boa para o turismo peruano e as economias locais. Mas as comunidades de arqueólogos e políticos que devem aprovar seu financiamento ainda continuam divididos.

Um argumento poderoso, e que tem se espalhado por Machu Picchu, é o impacto dos turistas nas ruínas. Em 2016, a Unesco ameaçou colocar Machu Picchu em uma lista de lugares “sob ameaça” por causa do número de visitantes. Um sistema de teleférico não só traria mais visitantes a Choquequirao, mas também o tipo de infraestrutura que poderia danificar o local frágil.

Alguns reclamam que o acesso em massa ao local sagrado pode estragar seu apelo remoto e desconhecido. Melchora Puga, que oferece hospedagem e restaurante em Chiquisca, no lado Apurímac da trilha, teme que o teleférico obrigue os moradores a abandonar seu modo de vida.

“Dependemos do turismo. O teleférico seria como matar as raízes de uma árvore e pensar que a árvore poderia viver. Não sobreviveríamos”, cree Puga.

Trabalhadores da construção civil erguem um novo prédio em Marampata, uma vila perto de Choquequirao, com alojamentos turísticos e restaurantes.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

Os viajantes Etienne Casas e Lea Luong jantam com o guia local Jorge Luis Roldán em um acampamento em Marampata, a menos de três quilômetros de Choquequirao.

Foto de Victor Zea Diaz National Geographic

Quispe, agora um condutor de mulas semi aposentado, diz que o teleférico eliminaria os meios de subsistência de uma série de prestadores de serviços cujos negócios seriam contornados por um rápido passeio de teleférico. Um de seus sete filhos, José Luis, é tropeiro, enquanto outro trabalha para o projeto do governo que restaura mais terraços de Choquequirao. A família administra uma pequena loja e acampamento em Cocamasana ao longo da trilha.

O teleférico permanece no limbo. Mas isso não incomoda a maioria dos caminhantes comprometidos.

“O atrativo de Choquequirao é que leva tempo, então, há um compromisso de fazê-lo”, diz Madison McDonald, 26, de Houston, Texas (EUA), que visitou Choquequirao em maio.

Sierra, da Ritisuyo Travel, diz que o governo deve se concentrar em melhorar a infraestrutura existente em vez de discutir sobre um teleférico. “A manutenção da trilha e melhores serviços permitiriam um maior fluxo de turistas e garantiriam a subsistência local. Não seria como Machu Picchu, mas as pessoas que visitam Choquequirao não estão interessadas em outro Machu Picchu. Choquequirao é a alternativa perfeita.”

SE VOCÊ VIAJAR

Como chegar:
Cusco, no Peru, é a porta de entrada para Choquequirao. Da cidade colonial, são quatro horas de ônibus ou carro por uma estrada pavimentada até Cachora (3000 metros acima do nível do mar), onde se encontra o início da trilha. Várias empresas, como Ritisuyo, Salkantaytrekking e Intenseperu, oferecem caminhadas guiadas.

O que esperar: A caminhada até Choquequirao é rigorosa e, embora possa ser feita em dois dias, recomenda-se um mínimo de três para passar um tempo de qualidade nas ruínas. A altitude começa a 3000 metros no início da trilha, e sobe e desce (até 900 metros). Isso pode ser um desafio para muitos caminhantes, principalmente aqueles que ainda não se adaptaram. No primeiro dia, você descerá de Cachora direto para Chiquisca (1834 metros), próximo ao rio Apurímac. Hospedagem, comida e bebida estão disponíveis. Você pode pernoitar em Chiquisca ou seguir para o acampamento em Santa Rosa (1890 metros), ou para Marampata (2860 metros), que também oferece acomodação e comida. Choquequirao fica a cerca de duas horas de caminhada de Marampata.

Depois de visitar as ruínas, fique em Marampata ou volte para Chiquisca. Fique atento ao horário e saiba que o sol se põe por volta das 18h30 a maior parte do ano, pois o local fica a cerca de 13 graus ao sul do equador. (Escalar rochas no escuro é arriscado.) Botas e bastões de caminhada são obrigatórios, assim como lanterna, protetor solar e repelente de insetos.

Excursões, incluindo carregadores e equipes de mulas, estão amplamente disponíveis para acompanhá-lo de Cusco a Choquequirao e vice-versa. Caminhantes experientes utilizam os quatro locais ao longo da trilha oferecendo comida, bebida, banheiros e hospedagem. Uma excursão de três dias com guia custa cerca de 700 dólares por pessoa. Se você for sozinho, há uma taxa de entrada de 15 dólares.

 

Lucien Chauvin é escritor e colaborador frequente da National Geographic, com sede na América do Sul.

Victor Zea é fotógrafo no Peru. Siga o Instagram dele.

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