Rejeitos da barragem de Brumadinho chegam ao São Francisco, diz ONG

Relatório do SOS Mata Atlântica aponta que lama de rejeitos já atingiu o rio. Agência Nacional de Águas discorda.

Por Kevin Damasio
Publicado 22 de mar. de 2019, 18:58 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
lama brumadinho paraopeba
As vítimas humanas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho ainda não foram todas encontradas. Os danos ambientais também estão em pleno curso. Depois de descer o córrego do Feijão, a lama desaguou no rio Paraopeba e segue em direção ao São Francisco.
Foto de Victor Moriyama

Rejeitos de mineração mais finos, carregados de metais pesados provenientes da barragem que se rompeu em Brumadinho, têm afluído no rio São Francisco. Essa foi a principal constatação da segunda expedição da SOS Mata Atlântica pelo rio Paraopeba, realizada de 8 a 14 de março.

Em 25 de janeiro, o rompimento da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da Vale, liberou 14 toneladas de rejeitos de minério de ferro. A lama invadiu o ribeirão Ferro-Carvão e percorreu 9 km até alcançar o rio Paraopeba, importante afluente do rio São Francisco. 

“Os sedimentos grossos, a chamada lama, de fato estão decantando no reservatório de Retiro Baixo”, observa Malu Ribeiro, especialista em recursos hídricos da SOS Mata Atlântica. “Mas a pluma com os contaminantes – que muda a cor e a turbidez do rio – está sendo carregada gradativamente pelo vertedouro do reservatório em direção ao de Três Marias, onde está o São Francisco.” A barragem de Retiro Baixo é o último obstáculo antes do rio Paraopeba desaguar no reservatório de Três Marias.

Pesquisador da SOS Mata Atlântica testa água do Paraopeba. A ONG finalizou a segunda etapa de ...
Pesquisador da SOS Mata Atlântica testa água do Paraopeba. A ONG finalizou a segunda etapa de estudos pelo rio depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Dos 12 pontos de medição, nove estavam em condição ruim e três tinham a situação regular.
Foto de Victor Moriyama

A equipe da fundação analisou a qualidade da água entre os reservatórios das usinas hidrelétricas (UHE) de Retiro Baixo, em Felixlândia – a 217 km da barragem que se rompeu – e de Três Marias, que compreende nove municípios de Minas Gerais.

Dos 12 pontos de medição, nove estavam em condição ruim e três tinham a situação regular. A turbidez variava de duas a seis vezes acima dos 100 UNT (Unidade Nefelométrica de Turbidez) permitidos pela resolução 357 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Também foram identificadas concentrações de ferro, manganês, cromo e cobre além do autorizado por lei, o que “evidencia o impacto da pluma de rejeitos de minério sobre o São Francisco”. 

Os resultados da segunda etapa de estudos pelo rio Paraopeba foram anunciados nesta sexta-feira, 22 de março, quando é celebrado o Dia Mundial da Água. O relatório O retrato da qualidade da água nas bacias da Mata Atlântica analisa a crescente degradação dos rios em 17 estados que compreendem os recursos hídricos do bioma.

Outra metodologia

No entanto, a Agência Nacional de Águas (ANA), responsável por regular o acesso e o uso dos recursos hídricos no Brasil, diz que suas análises realizadas no rio Paraopeba ainda não confirmam que os rejeitos passaram pela Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo, situada antes da usina de Três Marias.

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    Segundo a ANA, análises da qualidade de água do Paraopeba anteriores à ruptura da barragem já apontavam níveis de contaminação da água por ferro e alumínio. “Por exemplo, o rio Ribeirão das Almas, imediatamente a jusante de Retiro Baixo, lança muitos sedimentos no Paraopeba, o que pode confundir análises feitas sem contemplar as séries anteriores de dados”, observou a ANA, em nota. 

    “Os metais pesados que encontramos na coluna d’água do Reservatório de Três Marias, a 2 metros de profundidade – e não no espelho da água –, também estão presentes nos mesmos níveis excessivos que encontramos ao longo do Paraopeba afetado pela Vale”, explica Malu.

    A equipe da SOS Mata Atlântica realizou medições no Ribeirão das Almas, a 43 km do quinto ponto de medição no Reservatório de Três Marias. Mesmo após as chuvas e com ferro e alumínio provenientes de atividade mineradora, o nível de turbidez estava em 43 NTU, dentro do permitido.

    Malu reconhece uma possível metodologia diferente utilizada pela ANA e pela SOS Mata Atlântica, porém ressalta que metais pesados,  turbidez e o conjunto de parâmetros que acarretam no desaparecimento da fauna aquática pela perda de qualidade da água indicam “que a situação está fora do normal, diferente de antes do dano praticado pela Vale. A nossa metodologia já constatou, infelizmente, esse impacto no reservatório de Três Marias.”

    “Os níveis que encontramos são muito acima do padrão permitido na legislação. Isso já evidencia a urgente necessidade de medidas restritivas de uso dessa água por parte das autoridades, assim como em determinar qual é o plano B”, conclui a ambientalista.

    A primeira expedição

    De 31 de janeiro a 9 de fevereiro, a SOS Mata Atlântica realizou a primeira etapa dos estudos do impacto do rompimento da barragem no rio Paraopeba. Do Córrego do Feijão ao Reservatório de Retiro Baixo, todos os pontos analisados apresentaram condições de água impróprias para consumo humano, irrigação de plantações e dessedentação de animais, diante de concentrações de metais pesado acima do nível permitido por lei.

    Já a elevada turbidez, a escassez de oxigênio e as altas temperaturas da água impossibilitam a vida aquática ao longo de 305 km do Paraopeba. Além disso, 112 hectares de Mata Atlântica natural foram desmatados pela lama.

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