Saiba como o acidente de avião nos Andes teria sido diferente no clima atual

A queda de neve está diminuindo na Cordilheira dos Andes, que sofre com a seca, e o avião uruguaio que se acidentou em 1972 poderia não ter sobreviventes se tivesse caído no terreno rochoso de hoje em dia.

Por Gina Jiménez
Publicado 29 de fev. de 2024, 08:00 BRT
O remoto Valle de las Lágrimas fica na Cordilheira dos Andes, na parte que pertende àa ...

O remoto Valle de las Lágrimas fica na Cordilheira dos Andes, na parte que pertende àa província argentina de Mendoza, na fronteira com o Chile. Em 1972, um avião com 45 pessoas caiu neste local em um dos mais famosos acidentes aéreos da América do Sul. Especialistas dizem que a neve amorteceu a queda, mas a mudança climática causou um declínio drástico na neve da região desde então.

Foto de MARIANA SUAREZ, AFP, Getty Images)

O avião que se chocou contra as Cordilheiras dos Andes em 1972perdeu as asas e a cauda e deslizou por mais de 600 metros estando a centenas de quilômetros por hora. O impacto foi tão intenso que o jovem passageiro Roberto Canessa pensou que estava morto.

Em vez disso, Canessa, na época um jogador de rúgbi e estudante de medicina, estava prestes a fazer parte de uma história de sobrevivência icônica, que ficou conhecida no mundo inteiro como a “tragédia nos Andes” e se tornou fonte para livros (como  “A Sociedade das Neves”, escrito por Pablo Vierci), documentários e filmes de ficção.

"Olhei para a parte de trás do avião, através da abertura onde se via um universo nevado, um mundo indiferente ao terror e à situação difícil que nos cercava", escreveu Roberto Canessa anos mais tarde em seu livro de memórias, publicado em 2016.

Mas o universo nevado que Canessa viu quando chegou naquela época, em 1972mudou radicalmente em relação aos dias de hoje. Nos últimos 30 anos, a Cordilheira dos Andes perdeu cerca de 12% de sua camada de neve por década.

E de 2010 a 2019, a região passou por uma seca de neve tão grave que ameaçou a disponibilidade de água doce em regiões da América do Sul. As mudanças climáticas tornaram o local do acidente mais seco e mais quente.

Se o mesmo acidente de avião acontecesse hoje em dia, os cientistas dizem que os sobreviventes ficariam presos em uma montanha completamente diferente.

A Cordilheira dos Andes em aquecimento

Embora neve nos Andes varie de acordo com o ano e a estação, a quantidade média anual diminuiu drasticamente desde a década de 1970, disse Raúl Cordero, climatologista da Universidade de Groningen, na Holanda. 

No ano em que o avião uruguaio caiu nos Andes, em 1972, houve uma queda de neve acima da média que alterou a rota fatal do voo. Inicialmente, o voo deveria ter partido de Montevidéu, no Uruguai, e seguir para Santiago, no Chile, no mesmo dia 12 de outubro, mas os pilotos decidiram fazer uma parada durante a noite em uma cidade argentina, Mendoza, devido a uma forte tempestade de neve nas montanhas – e seguiram no dia 13 de outubro, data em que o avião se acidentou.

grande quantidade de neve piorou o frio e tornou os dias nas montanhas insuportáveis para os sobreviventes, mas alguns especialistas em aviação acreditam que justamente essas pessoas não teriam sobrevivido sem toda essa neve.

"Se eles tivessem pousado em uma situação sem neve, muito provavelmente o avião teria se despedaçadoninguém teria sobrevivido ao acidente inicial por causa do pouso em rochas. Por melhor que sejam, é muito mais difícil para uma aeronave que viaja a mais de 240km/h pousar em um local sem neve", diz John Nance, especialista em segurança da aviação.

Mesmo que o voo tivesse sobrevivido a esse pouso rochoso, a história dos sobreviventes poderia ter sido diferente.

O avião caiu nas montanhas andinas perto da fronteira entre o Chile e a Argentina e depois deslizou para uma área chamada de Valle de las Lágrimas. Em 2019, um estudo do qual Cordero participou descobriu que essa área dos Andes vem recebendo cerca de 10% menos neve por década desde os anos 1970. As pessoas que visitam as montanhas regularmente também testemunharam essa mudança.

"Durante os anos 1990a neve era constante – agora nem tanto", diz Juan Ulloa, um guia turístico que leva turistas ao local do acidente há mais de 30 anos.

Os sobreviventes permaneceram nos Andes de outubro a dezembro daquele ano, da primavera ao verão naquela parte do mundo. Eles esperaram o mês de dezembromenos frio, para procurar ajuda.

"O que é extraordinário nas fotos do resgate é que havia neve em dezembroHoje em dia, é muito improvável que a neve dure até dezembro. Até lá, ela já derreteu", diz Cordero.

A diminuição da neve no mundo todo 

A perda de neve nos Andes faz parte do declínio global na quantidade de neve e gelo.

"A cobertura de neve está diminuindo em quase todo o mundo. Há alguns lugares onde não está, mas mesmo nesses lugares provavelmente não é possível compensarderretimento extra que estamos observando", diz Michael Lehning, cientista de neve do Instituto Federal Suíço para Pesquisa de Florestas, Neve e Paisagem. Em 2020, um estudo descobriu que 78% das áreas montanhosas globais estão sofrendo um declínio de neve.

Quando as temperaturas aumentam, é mais provável que a água caia como chuva em vez de neve, o que tem repercussões para muitos setores, como o turismo e a agricultura, mas também para o abastecimento de água. A neve é um reservatório de água porque derrete lentamente, permitindo que as pessoas usem a água pouco a pouco, diz Pam Pearson, diretora da International Cryosphere Climate Initiative.

Mas agora, até mesmo essa precipitação está diminuindo. "Os verões na região são bastante secos e a área depende muito da neve que cai durante o inverno", afirma Mariano Masiokas, pesquisador do Instituto Argentino de Ciência da Neve, Glaciologia e Ciências Ambientais.

A queda na quantidade de neve está acelerando a taxa de aquecimento local. Isso acontece pelo mesmo motivo pelo qual usamos cores claras em climas quentes; elas refletem a energia e evitam o aquecimento.

Mas quando o sol atinge uma superfície escura sem neve, a superfície absorve toda a energia e a Terra se aquece mais, explica Lehning. Isso significa que a própria neve resfria o ambiente, e a falta de neve no local do acidente poderia ter tornado o frio mais suportável.

Além das temperaturas gélidas, os sobreviventes disseram que um de seus principais desafios era a sede – comer neve para se hidratar, machucava suas gengivas, línguas e gargantas, e eles inicialmente não tinham as ferramentas para derretê-la. Porém, com temperaturas mais quentes, talvez nem mesmo a água congelada estivesse disponível, e eles teriam sido forçados a procurar neve no topo da montanha ou obter água de outra fonte, como uma geleira.

Prevenção de outro acidente nos Andes

Embora a mudança climática seja cada vez mais preocupante, voar ficou mais seguro, diminuindo a probabilidade de esse acidente aéreo acontecer nos dias de hoje.

O consenso entre os especialistas em aviação é que os pilotos do voo 571 começaram a descer cedo demais, pensando que estavam mais perto do Chile do que realmente estavam. Graças à eletrônica moderna, como a tecnologia GPS, é menos provável que isso aconteça hoje em dia.

"Com o progresso da aviação, nossas habilidades melhoraram muito em termos de segurança da aviação em geral, mas também em nossa capacidade eletrônica de saber onde estamos, a que velocidade estamos indo e quais são os perigos à frente", diz Nance.

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