Brasileiros se entregam à religião para aplacar angústia em meio à pandemia
Cenário de caos na saúde e crise econômica leva homens e mulheres a se apegarem à fé para seguir em frente. Formas de conectar-se à espiritualidade se transformaram durante a pandemia de covid-19.

A mãe de santo Amanda D’angelo incorpora a entidade Iemanjá na gira de fechamento dos trabalhos de 2020 da casa de umbanda Baiano Chico, em São Paulo. A cerimônia foi adiantada em três semanas devido ao aumento no número de casos de covid-19 em dezembro, razão pela qual foi celebrada junto à festividade para Iemanjá. “Situações-limite como a pandemia, nas quais mecanismos racionais não têm como dar consolo, fazem com que a religião ganhe muita força”, explica Marcos Martins, pesquisador do Centro de Estudos da Religião da UFMG.
Em São Paulo, depois de quase quatro meses de interrupção, o pai de santo Márcio D’angelo precisou encontrar alternativas para retomar as atividades da casa de umbanda Baiano Chico. “Recebíamos em torno de 100 pessoas por dia e passamos a receber metade. E suspendemos ou reformulamos alguns rituais, como o abraço do guia. Tanto para nos protegermos quanto para podermos receber, em um momento como este, pessoas que estão fragilizadas, angustiadas, deprimidas”, diz D’angelo.
Mesmo com as portas fechadas, fiel faz oração em frente a igreja católica em Caraíva, na Bahia. No final de fevereiro, o governador do estado decretou a suspensão de atividades não essenciais, incluindo cultos. Em alguns estados, como São Paulo, cultos são considerados como atividade essencial.
A baiana Jamile dos Santos, 34, tem participado de cultos on-line durante a pandemia “para não se sentir completamente desconectada da palavra de Deus”. Para ela, a experiência não se compara à de estar na igreja. “Parece que não passa a mesma energia, é totalmente diferente”, diz Santos, que se considera católica e evangélica. Ter mais de uma religião é um fenômeno comum no Brasil.
Luz do entardecer entra em igreja católica de Caraíva, no sul da Bahia. Não há missas regulares no distrito desde o início da pandemia, mas fiéis continuam a frequentar o local para rezar.
Nos períodos de arrefecimento da pandemia, algumas igrejas celebram missas presenciais com medidas de distanciamento social, como esta em Porto Alegre. Apesar da tendência de queda, o catolicismo ainda é a religião mais prevalente no país, abrangendo 50% da população.
De Belo Horizonte, Minas Gerais, Lucília Cardamoni, 49, considera-se uma pessoa cristã que frequenta a igreja evangélica. “Nós temos nos encontrado virtualmente, toda terça-feira, desde o início da pandemia. Mas o momento do culto, louvor, adoração, e de estarmos em comunhão como nossos líderes e irmãos pessoalmente, é muito mais gostoso”, diz.
Lanna Holder, 46, é pastora-presidente da igreja evangélica inclusiva Cidade de Refúgio, em São Paulo, junto com sua esposa Rosania Rocha, 47. Por causa da pandemia, a congregação aumentou sua presença virtual, chegando a fazer mais de um culto on-line por dia, sete dias por semana, especialmente quando a igreja teve que manter as portas fechadas. “O maior desafio foi fazer as pessoas entenderem que, embora não estivéssemos juntos pessoalmente, estávamos juntos emocionalmente e espiritualmente, para vencermos a pandemia e a frieza que o distanciamento social traz”, diz Holder.
Com a volta dos cultos presenciais, surge um novo desafio. A igreja, que antes recebia um público de mil pessoas, ficou restrita a receber apenas 250. “Estamos fazendo dois ou três cultos aos domingos para podermos receber o nosso público”, explica Holder. Estima-se que o número de evangélicos, que hoje são 31% da população, ultrapasse o de católicos no Brasil em 2032. As igrejas inclusivas chegaram ao Brasil no início de 2000 e tiveram um crescimento significativo nos últimos 10 anos.
Em Porto Alegre, Jenny Gravana, 89, e sua filha, Sandra, 65, assistem à palestra virtual do centro espírita onde frequentam. “Consigo a todo instante me conectar com a espiritualidade, é uma necessidade, assim como o pão. Mas sinto muita falta de ir ao centro espírita”, diz Gravana, que se considera espírita e católica.
Glauber Loures, 33, é diretor-presidente da igreja de Santo Daime Céu da Divina Estrela, localizada em Santa Luzia, no interior de Minas Gerais. “Só voltaremos às atividades presenciais quando todos estiverem vacinados. Para diminuir a falta do contato físico, temos feito uma série de correntes de oração, partilhas e outras atividades virtuais”.
A capixaba Luciana Marin, 51, é médium umbandista. “Na pandemia, eu me preservei mais e fiquei mais meditativa”. Ela também pratica Candomblé, religião de matriz africana que, no Brasil, passou a incorporar elementos de outras culturas, como a indígena e a cristã.
Em Ibiraçu, interior do Espírito Santo, o batismo espiritual do “Buda gigante”, de 38 metros, estava previsto para acontecer durante a visita de uma comitiva de monges japoneses. Por causa da pandemia, a cerimônia foi realizada virtualmente, diretamente do Japão. De acordo com a tradição budista, a estátua só “ganha alma” depois do seu batismo espiritual.
