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Dia Internacional do Orangotango: conheça o animal que usou plantas para curar ferida pela primeira vez na história

A observação de orangotangos dá uma visão sobre como nossos ancestrais podem ter desenvolvido seus remédios naturais.

 Em 25 de agosto de 2002, dois meses após o tratamento com folhas medicinais de Rakus, a sua ferida já estava quase invisível.

Foto de Safruddin
Por Daryl Austin
Publicado 18 de ago. de 2025, 07:02 BRT

Todos os anos, é celebrado em 19 de agosto o Dia Internacional do Orangotango – uma data dedicada à conservação e cuidado desses animais que são nativos do Sudeste Asíatico, encontrados somente nas ilhas de Bornéu e de Sumatra

E foi nas profundezas da floresta tropical Indonésia, uma equipe de cientistas pesquisadores registrou algo que nunca havia sido registrado antesum orangotango da ilha de Sumatra, que eles carinhosamente chamaram de Rakustratando cuidadosamente um corte profundo em sua bochecha com uma planta comprovadamente antibacterianaanti-inflamatóriaantifúngica e antioxidante.

“Apenas alguns dias após esse tratamento, a grave ferida começou a cicatrizar e, em poucos dias, fechou completamente”, diz Isabelle Laumer, bióloga cognitiva e primatóloga do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, na Alemanha, e principal autora de um estudo recém-publicado que descreve o evento. “[Esta] é a primeira observação de um animal selvagem tratando sua ferida, precisamente usando uma planta medicinal.”

A observação oferece uma nova perspectiva sobre métodos e comportamentos naturais de cura e sobre onde essas inclinações podem ter se originado.

“Muitas vezes perdemos de vista o fato de que a medicina moderna deriva de um sistema de conhecimento muito antigo, que começou há milhões de anos em uma variedade de habitats sobre os quais nosso conhecimento está apenas começando a se expandir”, diz Mary Ann Raghanti, antropóloga biológica e presidente do departamento de antropologia da Kent State University, nos Estados Unidos.

“Do ponto de vista evolutivo, esse exemplo nos dá uma ideia de como nossos ancestrais podem ter desenvolvido sua farmácia natural.” O evento registrado ocorreu durante o verão de 2022, na estação de pesquisa Suaq Balimbing, dentro do Parque Nacional Gunung Leuser, em Sumatra, Indonésia.

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Esta foto do macho adulto Rakus foi tirada em 23 de junho de 2022, dois dias antes de o orangotango começar a aplicar o purê de plantas em sua ferida.

Foto de Armas

A floresta tropical que circunda o centro de pesquisa abriga a maior densidade de orangotangos de Sumatra do planeta. No entanto, seu habitat tem sido cada vez mais destruído pelo desmatamento, obrigando essas criaturas solitárias a viverem cada vez mais próximas umas das outras. 

Estimativas mostram que restam apenas cerca de 14.600 orangotangos de Sumatra, e a espécie é considerada criticamente ameaçada de extinção pelo Instituto Nacional de Biologia da Conservação e Zoológico Smithsonian, em Washington DC, nos Estados Unidos.

Desde 1994, esses orangotangos residem ou frequentam a floresta protegida ao redor do centro de pesquisa. Lá, os pesquisadores acompanham, monitoram e registram cuidadosamente os movimentos e comportamentos dos primatas de maneira não invasiva e observacional.

Os animais nunca são perturbados e, ao longo das décadas, se acostumaram a ter nossas equipes por perto, então aprenderam a ignorar nossa presença e vivem completamente como seres selvagens que são”, afirma Laumer.

Ao observar e compartilhar os comportamentos extraordinários dos grandes primatas criticamente ameaçados de extinção, Laumer e seus colegas esperam que as pessoas percebam o quanto essas criaturas são realmente especiais e semelhantes aos seres humanos, e que isso inspire esforços para salvá-las da extinção.

Essa é uma esperança compartilhada por outros pesquisadores nas áreas de primatologia, etnobotânica e antropologia biológica e evolutiva.


orangotango Rakus vive no centro de pesquisa e arredores desde 2009. Em uma manhã de junho de 2022, os pesquisadores observaram que ele tinha um corte profundo na bochecha, abaixo do olho direito. Como ele havia se afastado da área de pesquisa, ninguém testemunhou como a lesão ocorreu, embora os pesquisadores tenham duas hipóteses.

Uma é que Rakus caiu de uma árvore e foi atingido por um galho durante a queda. Como os orangotangos de Sumatra passam cerca de 98% do tempo vivendo, dormindo e procurando comida nas árvores, comenta Laumer, e como alguns orangotangos podem chegar a pesar até 136 kg (Rakus provavelmente pesa cerca de 90 kg), eles às vezes se agarram a galhos mortos ou moribundos que não suportam seu peso e caem de uma altura de 9 metros ou mais até que outros galhos ou o solo amorteçam sua queda.

outra possibilidade é que Rakus tenha sido ferido durante uma briga com outro orangotango. Laumer diz que brigas nessa região da floresta tropical são raras, mas podem ocorrer quando os machos tentam estabelecer dominância. 

Rakus tinha entre 30 e 32 anos quando a lesão ocorreu, explica ela, e só recentemente havia desenvolvido suas flanges — as proeminentes bochechas nas quais os orangotangos são conhecidos, que se desenvolvem devido a um aumento da testosterona durante a maturação sexual.

Laumer explica que, no dia anterior à descoberta do ferimento, Rakus e outros orangotangos estavam “chamando por muito tempo” das árvores — um comportamento que ocorre frequentemente quando um macho estabelece dominância, algo que também costuma indicar que “podem estar ocorrendo brigas”.

(Você pode se interessar: A vida secreta dos orangotangos)

Como Rakus tratou a ferida?


Independentemente de como a lesão ocorreu, a equipe observou que a ferida de Rakus continuou a infeccionar “e parecia bastante horrível” nos dias seguintes, diz Laumer. No terceiro dia, os pesquisadores observaram ele se dirigindo a algumas plantas trepadeiras chamadas Akar Kuning — plantas comumente usadas por humanos como tratamento para feridas e condições como disenteriadiabetes e malária.

A equipe observou Rakus procurar e comer a planta, o que por si só era um comportamento altamente incomum. “Nossos dados mostram que essa população de orangotangos só come essas plantas 0,3% das vezes”, observa Laumer.

Se a ferida de Rakus tivesse infeccionado ou ele tivesse febre, o consumo dessa planta poderia, teoricamente, ter ajudado. A equipe ficou animada ao considerar que ele poderia estar usando a planta para esse fim, embora fossem apenas especulações. O que aconteceu a seguir, no entanto, parecia inegavelmente deliberado.

“Observamos Rakus arrancar as folhas da planta e mastigá-las sem engolir”, revela Laumer, referindo-se à planta Akar Kuning. “Em seguida, ele repetidamente colocou o líquido extraído da planta diretamente sobre o ferimento.”

E Rakus continuou tratando o ferimento dessa maneira por sete minutos e depois consumiu mais da planta por cerca de 30 minutos.

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    “É importante notar que ele só colocou o líquido da planta precisamente sobre a ferida e não esfregou em nenhuma outra parte do corpo.”

    por Isabelle Laumer
    Bióloga cognitiva e primatóloga

    “É importante notar que ele só colocou o líquido da planta precisamente sobre a ferida e não esfregou em nenhuma outra parte do corpo”, enfatiza Laumer. Depois, ele colocou uma parte um pouco mais sólida da folha sobre a área, “como se fosse um cataplasma”, diz ela. 

    Incrivelmente, no dia seguinte, a equipe observou que ele voltou a comer a planta novamente. Três dias depois, a ferida havia fechado e parecia estar cicatrizando bem. Em um mês, a cicatriz era quase imperceptível.

    Raghanti, da Kent State, chama o momento de “uma descoberta notável”, mas observa que “não é excepcionalmente surpreendente, dada a inteligência dos orangotangos”.

    Como Rakus aprendeu a tratar a ferida?


    Laumer concorda que esses primatas possuem inteligência excepcional e diz que isso torna mais difícil especular como Rakus poderia saber que a planta curaria seu rosto.

    “Pode ser que ele estivesse apenas se alimentando da planta e, acidentalmente, tenha tocado sua ferida com a mão que a havia tocado, e suas propriedades analgésicas foram imediatamente sentidas, então ele a aplicou na área repetidamente”, diz ela.

    Também é possível que ele tenha aprendido esse comportamento ainda jovem com sua mãe ou outro orangotango por meio de uma prática chamada peering.

    “Uma característica marcante dos primatas, e particularmente dos grandes símios, é um período juvenil prolongado que facilita uma quantidade extraordinária de aprendizado”, explica Raghanti. Durante os primeiros sete a oito anos, as mães orangotangos cuidam intensamente de seus filhotes, comenta ela, então Rakus pode ter aprendido isso com ela. Orangotangos adultos migrantes também foram observados praticando o peering, então ele pode ter aprendido o comportamento mais tarde na vida também.

    Também é possível que o último ancestral comum dos seres humanos e dos grandes primatas seguisse alguma forma desse comportamento.

    “Esta nova descoberta destaca a criatividade e a inteligência adaptativa desses animais em seu ambiente natural, contribuindo para o nosso conhecimento sobre o comportamento animal, o uso de plantas medicinais e as possíveis origens evolutivas da medicina humana”, afirma Ina Vandebroek, renomada etnobotânica e professora sênior da Universidade das Índias Ocidentais, na Jamaica, que não participou do estudo.

    Os machos adultos dos orangotangos emitem um tipo de chamado longo e direcionam o som do ...

    Os machos adultos dos orangotangos emitem um tipo de chamado longo e direcionam o som do chamado para quem quer se comunicar, usando o chamado para adiantar seus movimentos, avisar outros indivíduos e até marcar seu território.

    Foto de Jessie Cohen Zoológico Nacional do Smithsonian, Dominío Público

    Os primatas já usavam plantas antes, mas de maneira diferente

    Esta não é a primeira vez que primatas selvagens são observados mastigando, engolindo ou associando-se a plantas com propriedades terapêuticas.

    No início da década de 1960, por exemplo, a famosa primatóloga e antropóloga Jane Goodall descreveu pela primeira vez a presença de folhas inteiras de plantas terapêuticas nas fezes de chimpanzés na Tanzânia. Desde então, outras populações de primatas foram observadas comendo ou usando plantas, insetos ou outros meios para tentar limpar ou aliviar suas feridas ou outras doenças.

    Anne Pusey, ilustre professora emérita de antropologia evolutiva da Duke University, nos Estados Unidos, afirma que a prática de primatas selvagens engolirem folhas para “capturar parasitas intestinais que são então expelidos, ou mastigarem plantas com propriedades medicinais conhecidas durante períodos de maior risco de doenças” são comportamentos que estão se tornando cada vez mais bem documentados. “Mas evidências como essa para o tratamento de feridas com materiais potencialmente biologicamente ativos são muito mais tênues.”

    Ela reconhece casos em que outros primatas selvagens limparam ou trataram suas feridas com plantas antes, “mas as folhas usadas nesses casos não foram identificadas”. Ela também cita pesquisas recentes que mostram chimpanzés no Gabão esfregando insetos em feridas “como uma história fascinante, mas incompleta, porque o inseto e suas propriedades ainda não foram identificados”.

    O comportamento de Rakus “é importante porque as folhas utilizadas têm propriedades medicinais bem conhecidas, o processo de aplicação foi longo e deliberado e a ferida pareceu cicatrizar rapidamente”, explica ela. 

    “O fato de isso ter sido observado apenas uma vez na população estudada deixa muitas perguntas sem resposta sobre a origem do comportamento, mas reforça a ideia de que a automedicação pode ter raízes evolutivas muito profundas em nossa linhagem”.

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