Diversidade de esquilos sul-americanos é maior do que acreditávamos, revela novo estudo
Pesquisa demonstra que o número de espécies desses simpáticos roedores têm sido subestimado no continente – pelo menos seis formas antes não reconhecidas foram reveladas por dados genéticos.
O caxinguelê, como a espécie Guerlinguetus brasiliensis é conhecida na Mata Atlântica, é um dos esquilos mais comuns no leste do Brasil. Mesmo assim, o roedor é dificilmente observado e pouco estudado pelos cientistas.
Caxinguelê, quatipuru ou serelepe são apenas alguns dos nomes pelos quais os esquilos são conhecidos no Brasil. Apesar de muito comuns e facilmente observados em diversas partes do mundo, esses simpáticos roedores são criaturas bem menos conhecidas para os habitantes da América do Sul. Mas por quê?
Embora estejam presentes em quase todas as florestas tropicais do mundo, os esquilos brasileiros são raramente avistados, pois geralmente habitam matas bem preservadas e longe das áreas urbanas. Normalmente, esses animais se locomovem pela copa das árvores e possuem hábito de vida bastante secreto. A dificuldade na observação dos esquilos tem consequências também na obtenção de imagens e na coleta de dados científicos sobre as espécies. Como resultado, o grupo foi pouco estudado na América do Sul.
Liderado pelos pesquisadores Silvia Pavan, do Museu Paraense Emílio Goeldi e exploradora da National Geographic, e Edson Abreu-Jr, da Universidade de São Paulo (USP), um estudo publicado em 26 de junho no periódico internacional BMC Evolutionary Biology começa a mudar esse panorama. No trabalho, que conta ainda com a colaboração de outros cientistas brasileiros e norte-americanos, os autores avaliaram a diversidade e as relações evolutivas das espécies de esquilos da região neotropical.
A exploradora da National Geographic Silvia Pavan visitou diversas coleções científicas nos Estados Unidos e América do Sul para entender melhor sobre a diversidade de esquilos americanos. A inclusão de amostras de DNA extraídos de peles de museus foi crucial para a descoberta de espécies desconhecidas pelos cientistas.
A maioria dos esquilos sul-americanos pertence à tribo Sciurini e habita principalmente ambientes florestados – no Brasil, estão distribuídos pela Mata Atlântica e Amazônia. O trabalho anterior sobre o grupo, feito pelos zoólogos Mário de Vivo, do Museu de Zoologia de São Paulo e Ana Paula Carmignotto, da Universidade Federal de São Carlos, reconheceu a existência de 18 espécies de Sciurini na América do Sul, sendo que seis delas ocorrem no Brasil.
Além dos Sciurinis, existe ainda outra espécie de esquilos no Brasil, o Sciurillus pussilus, um animal tão pequeno e distinto dos demais que é conhecido como esquilo-pigmeu. Essa criatura é tão misteriosa que os cientistas até hoje não sabem com que outro grupo de esquilos esse animal é mais relacionado. O fato é que, até o momento, eram conhecidas somente sete espécies de esquilos no Brasil.
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O estudo recém-publicado utilizou, pela primeira vez, uma abordagem filogenética — técnica que estabelece as relações evolutivas entre as espécies a partir de uma espécie de árvore genealógica — para avaliar a diversidade do grupo. Com sofisticadas análises de delimitação de linhagens evolutivas, o trabalho demonstrou que o número de espécies é maior do que aquele reconhecido até então.
Em todo o planeta, são conhecidas mais de 300 espécies de esquilos. Algumas delas, entre as quais o esquilo-cinzento-do-méxico (Echinosciurus aureogaster), são comumente observados em áreas urbanas, como parques e quintais.
"Os dados genéticos indicam uma maior diversidade de esquilos não só para Brasil, mas também para a América do Sul como um todo. Encontramos evidências genéticas de que existem ao menos seis espécies além das previamente reconhecidas", explica a pesquisadora Silvia Pavan. Com o recente trabalho, os pesquisadores sugerem a existência de 10 espécies de Sciurini no Brasil. "Isso eleva o total de espécies brasileiras para 11, se somarmos o esquilo-pigmeu", diz ela. O estudo da diversidade dos esquilos recebeu apoio da National Geographic Society.
Coletas em campo
Para a obtenção de dados genéticos, os pesquisadores utilizaram técnicas modernas de extração e sequenciamento do DNA. A fonte mais segura para se obter esse tipo de material são tecidos preservados depositados em coleções criológicas dos museus de história natural — usualmente, pequenos pedaços de músculo ou fígado, acondicionados em álcool em temperaturas abaixo de zero. Porém, o biólogo Edson Abreu-Jr, doutorando da USP, explica que os bancos de tecidos muitas vezes não são suficientes. "Para grupos megadiversos e de difícil observação e coleta de material em campo, como os esquilos, as coleções criológicas não são representativas de todas as espécies”, observa.
Os pesquisadores recolheram pequenos pedaços de músculos que ficam aderidos aos crânios preparados e às peles taxidermizadas para obter sequências de DNA desse material. O genoma mitocondrial completo foi obtido até mesmo de esquilos coletados há mais de um século.
“Para suprir essa lacuna, tivemos que recorrer a outras alternativas, como novas coletas de campo em áreas remotas e pouco exploradas, por exemplo”, diz Abreu-Jr, que realizou com Pavan expedições de coleta de material científico, incluindo viagens pela Amazônia brasileira e uma expedição ao Peru, financiada pela National Geographic Society.
Mesmo depois desse esforço, o time não estava satisfeito com a representatividade de espécies no estudo e resolveu, então, recorrer a uma solução mais drástica. Para obter DNA de espécies não encontradas nos bancos de tecidos preservados e que não puderam ser obtidas em campo, os pesquisadores voltaram novamente aos museus de história natural. Desta vez, buscaram fragmentos de músculos remanescentes de preparações museológicas, como peles taxidermizadas ou ossadas de esquilos coletados ao longo de mais de um século, e acondicionados nestes museus.
No entanto, o sequenciamento de DNA antigo não é trivial. A extração do material genético precisa ser feita de maneira muito mais cuidadosa, e o sequenciamento tem uma taxa de sucesso consideravelmente mais baixa do que aquela baseada em tecidos frescos. Isso ocorre porque, nas amostras não acondicionadas de maneira adequada, o DNA tende a se degradar mais rapidamente, tornando o sequenciamento radicalmente mais difícil.
Os cientistas precisaram, então, recorrer a uma técnica moderna de sequenciamento para compensar essa qualidade baixa do DNA. Ainda pouco difundida no Brasil, o sequenciamento foi feito em parceria com o Center for Conservation Genomics, do Smithsonian Conservation Biology Institute, localizado no Zoológico Nacional em Washington, DC, EUA, onde Pavan e Abreu-Jr realizaram parte da pesquisa.
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Sequenciamento cuidadoso
Nos Estados Unidos, os cientistas utilizaram um método de sequenciamento capaz de obter com maior eficiência as sequências de DNA, mesmo de amostras antigas e degradadas. Para esse estudo, eles focaram na obtenção do genoma completo das mitocôndrias — material genético armazenado em nossas células e que é passado de mãe para filho. Como cada célula possui milhares de cópias do genoma mitocondrial (enquanto há somente uma cópia do genoma dos cromossomos), o foco nessa parte do código genético permitiu aos cientistas obter um volume grande de dados, mesmo para espécimes muito velhos.
O uso dessa metodologia possibilitou a inclusão de diversas espécies que seriam deixadas de fora das análises por falta de material fresco. "Um terço de nossas amostras vieram de exemplares de museus coletados no começo do século passado ou ainda no final do século 19, as quais chamamos de amostras históricas", explica Abreu-Jr. "Mesmo para amostras muito velhas, onde espera-se que o DNA esteja mais degradado, o sucesso foi alto. Obtivemos mais de 50% do genoma mitocondrial para a maioria das amostras e, no caso mais extremo, de um exemplar com 120 anos, obtivemos o genoma mitocondrial completo”.
Apesar da detecção da potencial diversidade de esquilos na América do Sul, muito ainda precisa ser feito. O artigo revoluciona a nomenclatura tradicional dos esquilos, reconhecendo 14 gêneros e 46 espécies para a tribo Sciurini. Destes, pelo menos um gênero permanece sem nome científico. Além dele, as seis espécies a mais sugeridas pelo trabalho precisam ter sua identidade investigada.
Dar nomes a essas linhagens evolutivas é o próximo passo – um trabalho de detetive. Os cientistas precisam olhar toda a literatura já produzida sobre os esquilos americanos para saber se alguém já reconheceu, em algum momento no passado, alguma dessas espécies. Para os casos onde as espécies não tenham mesmo um nome disponível na literatura, elas precisarão ser batizadas cientificamente. Enquanto os taxonomistas (cientistas que estudam os nomes dos seres vivos) resolvem esse quebra-cabeça, aguardamos ansiosamente pelos nomes desses animais.
Pedro Peloso é biólogo, fotógrafo e Explorador da National Geographic. Ele estuda, documenta e escreve sobre a diversidade biocultural da América do Sul. Siga o trabalho dele no Instagram e no Facebook.