Um grupo de cachorros cumprimenta sua família humana em uma fazenda.

Os cachorros dependem mesmo dos humanos? O que diz a surpreendente história de resistência de um cão "salsicha"

Um pequeno cachorro “salsicha” sobreviveu sozinho na natureza por 529 dias. O seu cão conseguiria? Os especialistas dizem que isso depende de algumas características específicas.

Um grupo de cachorros cumprimenta sua família humana em uma fazenda.

Foto de Kendrick Brinson, Nat Geo Image Collection
Por Tina Deines
Publicado 25 de jun. de 2025, 06:58 BRT

No final de abril, uma cachorrinha dachshund (raça conhecida popularmente como “cão-salsicha”) chamada Valerie foi encontrada saudável e alerta na Ilha Kangaroo, próxima à costa de Adelaide, na Austrália – surpreendentemente depois de estar desaparecida por 529 dias.

Surpreendentemente, Valerie, que havia se separado de sua família durante uma viagem de férias à ilha em novembro de 2023, chegou a engordar cerca de 2 Kg durante o tempo que ficou sozinha na natureza.

“Ela saiu como uma cadelinha magra e voltou como uma massa de músculos ondulantes”, diz Jared Karran, diretor da organização sem fins lucrativos Kangala Wildlife Rescue, que divulgou as imagens do resgate de Valerie. “A cadela mais saudável que você não imaginaria ver após o que passou: com dentes perfeitos, os pelos perfeitos e a pele perfeita”, comenta Karran.

Durante o período em que esteve solta no mato, a cachorra Valerie se tornou uma espécie de celebridade, e os seus “fãs” se alegraram quando souberam que ela havia se reunido com sua família em maio.

Mas alguns se perguntaram como ela conseguiu sobreviver. Será que ela teve apenas sorte ou será que os cães de estimação – animais que viveram e evoluíram ao lado dos humanos por milhares de anos – podem realmente sobreviver sem nós?

Bem, a resposta a essa questão vai mudar dependendo para quem você perguntar. “Não acho que [essa história] seja tão escandalosamente surpreendente ou espantosa”, afirma Jessica Pierce, bioeticista que se concentra no relacionamento humano-animal. Pierce escreveu o livro “A Dog's World” (“O Mundo dos Cachorros”, em tradução livre), que investigou o que poderia acontecer com os cães se os humanos desaparecessem da Terra.

É surpreendente que ela tenha sobrevivido a isso porque viveu a primeira parte de sua vida como um cão de estimação mimado e, portanto, não tinha desenvolvido as habilidades que precisaria para sobreviver por conta própria”, esclarece Pierce. “Mas, obviamente, elas estavam instintivamente intactas.”

Já Vanessa Woods, diretora do Duke Puppy Kindergarten no Duke Canine Cognition Lab, nos Estados Unidos, e autora do livro “Genius of Dogs” (“O gênio dos cães",  em tradução livre), não tem tanta certeza.

Tenho um cão agora que provavelmente não duraria um minuto na natureza”, diz ela, acrescentando que acredita que alguns cachorros se adaptariam à natureza, enquanto outros ficariam sentados esperando que seus donos os resgatassem. “Acho que alguns cães seriam ótimos e outros morreriam.”

Crianças brincam com filhotes de cachorro do lado de fora do centro de visitantes da cidade ...

Crianças brincam com filhotes de cachorro do lado de fora do centro de visitantes da cidade em Seymour, Indiana, nos Estados Unidos.

Foto de Andrea Bruce, Nat Geo Image Collection

Sobreviver ou não na natureza pode variar


Pierce e Woods concordam que há certas características que tornariam um cachorro mais apto a sobreviver sem as pessoas. Em primeiro lugar, Valerie precisaria de um QI bastante elevado para se proteger de predadores, garantir comida e água e se proteger das intempéries, diz Pierce.

“Descobrir essas coisas em um novo ambiente é algo que muitos humanos considerariam desafiador”, acrescenta.

Por sorte, provavelmente não havia predadores grandes com os quais a cadela Valerie tivesse que lidar na Ilha Kangaroo, comenta Woods, mas ela provavelmente teve que se esquivar de serpentes como as venenosas cobra-tigre e a pigmeu-cabeça-de-cobre.

Ela tinha uma espécie de aptidão natural”, supõe Woods, nascido na Austrália. “Mas ela também deve ter tido sorte, porque, deixe-me dizer, há partes do mato australiano onde ela teria durado cerca de dois dias.”

Na maioria dos lugares, os cães com maior força de caça geralmente se sairiam melhor, explica Woods. Por exemplo, um cachorro da raça Jack Russell terrier que tenha sido criado e treinado para usar essa habilidade regularmente seria mais bem-sucedido do que um belo Husky de exposição que não tenha aperfeiçoado a arte de capturar a presa, observa ela.

Você não quer que os cachorros de estimação cacem e matem todos os seres vivos de sua vizinhança, inclusive o gato do vizinho”, diz ela. “Portanto, há alguns cães em que as habilidades que os ajudariam a sobreviver foram diluídas.”

No entanto, Pierce enfatiza que esses instintos nunca desapareceram de fato. “Até mesmo um cão de estimação que nunca precisou caçar para comer, mas sempre teve uma tigela de ração colocada na frente dele duas vezes por dia, ainda sabe como caçar”, diz ela. “Esses instintos ainda estão lá.”

Os cachorros com características extremas, como pernas curtas ou corpos longos ou grandes, também podem não se sair bem sozinhos na natureza, supõe Pierce. Por exemplo, geralmente é mais difícil para cães de pernas curtas, como os dachshunds, caminhar e correr longas distâncias. Além disso, essas características extremas podem levar a problemas genéticos de saúde, como displasia de quadril e dor crônica, diz ela.

Por outro lado, cachorros menores, como Valerie, podem ser mais vantajosos em alguns ambientes, acrescenta Pierce.

“Eles não são tão visíveis e fáceis de serem vistos por um predador”, afirma ela. Além disso, os cães pequenos precisam de menos calorias e poderiam sobreviver com pequenos insetos, como gafanhotos, em vez de depender da captura de presas maiores, explica ela.

Em geral, os cachorros também possuem algumas características úteis para a sobrevivência na natureza. Por exemplo, eles “podem e vão comer qualquer coisa em que conseguirem colocar as patas”, observa Pierce. Além disso, seu comportamento é flexível, o que os torna mais adaptáveis a novos ambientes e situações.

Mas o sucesso de Valerie também pode ter se resumido à personalidade.

“É difícil identificar exatamente o que ela tem de especial, mas é óbvio que ela acredita em si mesma”, comenta Karran. “Nada parece perturbá-la.”

(Conteúdo relacionado: Os cachorros e seus donos são realmente parecidos: aqui está o motivo)

Será que os cachorros precisam de nós?


Os cachorros de rua, que somam cerca de 200 milhões em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, vivem de forma bastante independente dos seres humanos.

“Uma parcela relativamente pequena dos cães do mundo vive como animais de estimação, como bichos em cativeiro”, afirma Pierce, observando que os cães de rua usam seu instinto para sobreviver na natureza.

Mas Woods diz que a vida não é fácil para esses cãezinhos que vivem em liberdade. Por um lado, os cães de rua jovens têm uma alta taxa de mortalidade – um estudo realizado na Índia descobriu que apenas cerca de 19% deles chegaram à idade reprodutiva (que geralmente é por volta dos 6 meses de idade).

Ainda assim, Pierce acredita que, se os humanos desaparecessem do planeta amanhã, os cachorros se sairiam muito bem.

“Os cães teriam uma chance muito boa devido à sua capacidade de adaptação”, diz ela. “Eu diria que eles teriam, como qualquer outro animal, uma chance tão boa de sobreviver sem nós.”

Woods questiona, no entanto, por quanto tempo eles sobreviveriam sem dejetos humanos para catar. Afinal de contas, os primeiros cães sobreviveram catando lixo em torno de assentamentos humanos, e é assim que a maioria dos cães de rua vive hoje. “Nos últimos 14 a 40.000 anos, é basicamente disso que eles têm sobrevivido”, diz ela.

Mas, independentemente do fato de os cães poderem sobreviver sem nós, será que esses animais sociais sentiriam falta de nossa companhia?

“Acho que a falta de qualquer interação social provavelmente seria sentida como algo que está faltando”, comenta Pierce. “Não tenho certeza se haveria solidão, mas talvez sim.” No entanto, ela diz que os cães não precisam de humanos para cumprir sua cota social. Eles também podem se relacionar com outros cães e até mesmo com outros animais.

Ainda assim, “o seu cachorro que está enrolado ao lado do sofá com você certamente sentiria sua falta”, diz ela. “Porém, os cães como espécie... Ficariam bem sem nós”.

Esse paradoxo pode ser melhor resumido pela maneira como Valerie – uma cadela que se saiu muito bem sozinha na natureza por quase um ano e meio – se reaproximou da família imediatamente durante o reencontro.

“Foi uma fração de segundo e você podia vê-la reconhecer cada um individualmente”, revela Karran. "Ela estava tão feliz que pulou em cima deles, lambendo-os, abraçando-os e correndo. Foi um momento muito bonito."

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