Quais cidades ainda serão habitáveis em um mundo alterado pelas mudanças climáticas?

Essas comunidades do norte dos EUA podem não ser totalmente imunes a um mundo em aquecimento, mas estão bem posicionadas para atender às necessidades de um influxo de migrantes climáticos.

Por Stephen Starr
Publicado 20 de set. de 2023, 13:58 BRT

Cleveland, Ohio, nos Estados Unidos, não é estranha a invernos rigorosos, mas a cidade enfrenta pouco risco de seca, incêndios florestais e furacões. Desastres naturais devem piorar com o aquecimento do planeta.

Foto de Angelo Merendino Corbis, Getty Images

Antes de setembro de 2017, Dianiz Roman e Wilfredo Gonzalez nunca haviam pensado em deixar Aguadilla, a cidade natal do casal no oeste de Porto Rico. Mas depois que o furacão Maria atingiu o país naquele mês, tudo mudou. 

Seus dois locais de trabalho, uma funerária e um posto de gasolina, foram destruídos em uma tempestade que matou cerca de 3000 pessoas e abalou a vida na ilha. 

"Estávamos lutando, tentando conseguir suprimentos, água e alimentos", lembra Gonzalez sobre os meses que se seguiram ao furacão. Não havia mais nada a fazer, dizem eles, a não ser tentar a sorte a milhares de quilômetros ao norte, em Buffalo, Nova York, Estados Unidos, para onde a irmã de Gonzalez havia se mudado um ano antes.

Roman e Gonzalez não estavam sozinhos. Após a passagem do furacão Maria, milhares de pessoas fugiram da ilha caribenha para o oeste do estado de Nova York, que já abriga uma grande comunidade porto-riquenha. 

Os imigrantes tendem a migrar para bairros que atendem às suas necessidades culturais e linguísticas, mas o êxodo de migrantes climáticos para Buffalo não se deveu apenas a essa comunidade estabelecida. Meses antes da chegada do Maria, o prefeito da cidade declarou Buffalo uma "cidade refúgio climático", observando que Buffalo tem "... uma tremenda oportunidade à medida que nosso clima muda".

Desde então, a cidade lançou um guia de realocação anunciando as vantagens de se viver em Buffalo, incluindo o fato de que a temperatura média em julho é de confortáveis 21 ˚C. Prevendo um possível aumento da população, a cidade revisou os códigos de zoneamento em 2017 para incentivar o desenvolvimento em áreas já existentes.

E Buffalo não está sozinha. Planejadores de outras cidades norte-americanas como Cleveland, Ohio; Ann Arbor, Michigan; Duluth, Minnesota; e outras estão começando a mapear como poderia  e deveria ser um futuro com milhares de habitantes a mais. 

O que torna uma cidade segura contra as mudanças climáticas?

A questão dos "paraísos climáticos" – lugares onde eventos climáticos extremos são raros e que tendem a se localizar nas regiões do norte dos EUA, perto de corpos de água doce dos Grandes Lagos – ganhou força nos últimos anos, à medida que incêndios florestais mortais, calor recorde e furacões prejudiciais afetam cada vez mais a vida cotidiana nas regiões sul e oeste do país. 

No ano passado, 675 000 pessoas nos EUA foram deslocadas de suas casas devido a desastres, ficando atrás apenas da Colômbia entre todos os 35 países das Américas, de acordo com o Internal Displacement Monitoring Center.

Um acadêmico chegou ao ponto de rotular Buffalo e Duluth como comunidades "à prova do clima".

Muitas dessas comunidades já foram economicamente dependentes da manufatura e estão potencialmente bem posicionadas para atender às necessidades de um influxo de migrantes climáticos. Quando as fábricas começaram a fechar na década de 1970 e os moradores se mudaram para outros lugares em busca de trabalho, eles deixaram para trás casas e espaços urbanos que hoje podem ser reaproveitados.

Cleveland, na margem sul do Lago Erie, tem cerca de 30 000 lotes vagos. Detroit, que perdeu quase dois terços de sua população desde seu apogeu industrial na década de 1950, tem mais de 70 quilômetros quadrados de terrenos vazios dentro dos limites da cidade. Duluth já tem a infraestrutura necessária para acomodar dezenas de milhares de habitantes a mais.

"Precisamos modelar vários cenários de uso da terra e desenvolvimento para o crescimento populacional em escala de bairro, cidade, condado e região", explica Terry Schwarz, diretor da Cleveland Urban Design Initiative. "Mas, neste momento, estamos apenas começando."

Embora os terrenos disponíveis possam ser uma vantagem para alguns, outras cidades estão examinando como modernizar o parque habitacional existente, fortalecendo-o contra o frio no inverno e o calor no verão. 

"Pensar em maneiras de revigorar o núcleo urbano será fundamental para termos uma região mais resistente ao clima", destaca Nicholas Rajkovich, da Escola de Arquitetura e Planejamento da Universidade de Buffalo.

Um verdadeiro refúgio de um clima em mudança?

Embora muitas cidades dos Grandes Lagos tenham um clima temperado e muito espaço, alguns acreditam que isso não se traduz necessariamente em um refúgio climático no curto prazo.

Além dos sobreviventes de furacões porto-riquenhos que estão migrando para Buffalo, há poucas evidências que demonstrem que os migrantes climáticos dos EUA já estão se deslocando para o norte em grande escala. As populações de Cleveland, Duluth e Buffalo permaneceram praticamente estagnadas na última década.

"Aprendemos com nossa pesquisa que a resiliência da comunidade é tão importante quanto a infraestrutura ou os recursos naturais para prever a capacidade de adaptação de uma cidade às mudanças climáticas ou ao aumento dos níveis de migração", diz Monica Haynes, diretora do Bureau of Business and Economic Research da Universidade de Minnesota em Duluth.

Além disso, essas comunidades não estão imunes às mudanças climáticas. "Tivemos muitos dias neste verão com qualidade do ar muito ruim devido aos incêndios florestais canadenses. Portanto, a ideia de que Duluth é 'à prova do clima' não é exata", acrescenta Haynes. "Nossa cidade, como todas as outras, sofrerá os efeitos negativos das mudanças climáticas."

Ainda assim, o ciclo aparentemente implacável de tragédias provocadas pelas mudanças climáticas continua a questionar quais partes do mundo serão habitáveis nas próximas décadas.

Os cientistas afirmam que furacões mais intensos e duradouros, além do aumento do nível do mar – cerca de 13 milhões de pessoas no sudeste dos EUA estarão potencialmente desabrigadas até o final do século – provavelmente mudarão a vida na Flórida e em outros lugares. Alguns pesquisadores acreditam que os tornados estão se deslocando para o leste, para regiões mais densamente povoadas do sul, possivelmente devido às mudanças nos padrões climáticos. Os incêndios florestais estão se tornando parte da vida no oeste, e a recente devastação causada na ilha de Maui, no Havaí, ilustra a natureza imprevisível de um clima em mudança.

Em setembro passado, outra tempestade devastadora, o furacão Fiona, passou por Porto Rico, matando mais de duas dúzias de pessoas, cortando a energia de milhões de habitantes e destruindo plantações. 

Mas, dessa vez, Dianiz Roman e Wilfredo Gonzalez estavam a quase 3000 quilômetros ao norte da destruição causada pela tempestade. 

Depois de superar o choque inicial do inverno de Buffalo, eles dizem que se adaptaram bem à nova vida. Ambos trabalham no sistema escolar local e fazem parte de uma próspera comunidade porto-riquenha concentrada no lado oeste de Buffalo. 

"Quando você entra em uma loja, ouve as pessoas falando em espanhol, dizendo 'oi' para você. É legal", celebra Roman.

"Aqui não há o calor extremo que há em Porto Rico", lembra Gonzalez. "Demorou um pouco, mas comecei a gostar da neve."

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