Reabertura da Notre Dame: tudo sobre como ficou a histórica catedral de Paris após anos de restauração
Após o incêndio da igreja em abril de 2019, os arqueólogos receberam permissão para escavar sob a catedral danificada. Muitos dos artefatos recuperados, que haviam sido perdidos por séculos, estão agora em exibição no Musée de Cluny. A exposição “Making Stones Speak. Notre Dame's Medieval Sculptures” fica em cartaz até 16 de março de 2025.
O terrível incêndio de abril de 2019 que quase derrubou a Notre Dame de Paris provocou uma enxurrada de emoções em pessoas de todo o planeta. Cinco anos depois, a célebre catedral – que o historiador Jacques Hillairet chamou de “la maison du peuple” (a casa do povo, em tradução livre) – será reaberta em 7 de dezembro de 2024 após um projeto de restauração hercúleo que reuniu dois mil trabalhadores e artesãos especializados.
Uma série de missas comemorativas, incluindo um serviço dedicado aos bombeiros e trabalhadores que ressuscitaram a Notre Dame, será realizada em um período de seis meses.
“Este é um momento muito importante, aguardado ansiosamente por todo o mundo”, disse Olivier Josse, secretário geral da catedral. “A grande alegria da reabertura corresponde a uma intensa expectativa, manifestada por um desejo de vir e redescobrir Notre Dame. Se eu tiver que usar apenas uma palavra, é paciência - todos precisarão demonstrar paciência.”
Andaimes e lonas brancas adornaram a catedral de Notre Dame durante sua restauração após um incêndio em 2019. O incêndio destruiu a torre e dois terços do telhado e danificou seu interior, que incluía o sótão, as abóbadas e o teto.
Os números previstos de visitantes são surpreendentes. Antes do incêndio, o monumento medieval recebia cerca de 12 milhões de pessoas por ano. Após sua reabertura, espera-se que o número de visitantes aumente para 15 milhões.
“Todos os estudos que realizamos indicam que diariamente cerca de 40 mil pessoas gostariam de visitar Notre Dame”, explicou Josse. “Isso é cerca de duas vezes a frequência diária do Palácio de Versalhes ou do museu do Louvre.” E Notre Dame simplesmente não é tão grande assim. “Nossa responsabilidade é garantir uma experiência tranquila, fluida e confortável para os visitantes e fiéis, por isso estamos implementando uma série de medidas para recebê-los.”
Novo sistema de emissão de ingressos online e um circuito de visitantes
A entrada em Notre Dame sempre foi gratuita. Agora, você poderá fazer reservas online para um horário específico, alguns dias antes da sua visita, por meio de uma plataforma de reservas no site oficial da catedral, que será lançada no início de dezembro. É claro que você ainda poderá acessar a catedral sem um ingresso, mas terá que esperar na fila por um período estimado de duas a três horas.
Nos primeiros seis meses, o acesso à catedral é limitado a indivíduos e não a grupos. Além disso, a catedral também lançará um aplicativo móvel com informações educacionais em três idiomas (que serão expandidas para seis idiomas no futuro).
Em seu interior, espere que o fator surpresa seja imediato. “Veremos a catedral de Notre Dame como nunca a vimos antes”, afirmou Josse. “Nunca, em seus 860 anos de história, ela tinha sido completamente restaurada. Como sua construção inicial levou 170 anos, entre a primeira pedra colocada e a última, o edifício já estava alterado e escurecido em alguns lugares... Poderemos ver o edifício restaurado com uma luminosidade excepcional.”
Duas profissionais trabalham para restaurar as paredes pintadas da Capela de Saint Ferdinand, localizada dentro da catedral de Notre Dame.
Essa luz gloriosa – amplificada por abóbadas imponentes e vitrais – é fundamental para o estilo arquitetônico gótico, uma inovação do século 12 amplamente copiada em toda a Europa. Sem a sujeira acumulada ao longo dos séculos, o calcário luterano da catedral brilhará, acentuado pela cor ocre original repintada nas abóbadas com nervuras.
Tudo foi renovado, desde os afrescos e o piso xadrez até os sinos removidos do campanário, limpos de pó de chumbo e restaurados na fundição normanda onde foram fundidos pela primeira vez. Um novo sistema de iluminação de alta tecnologia também contribuirá para o efeito.
O novo circuito para visitantes criará o que o Reitor Olivier Ribadeau Dumas chama de “coerência”, com uma dimensão educacional. Ao entrar no portal central do Juízo Final, os visitantes se deslocarão no sentido horário, com pinturas e esculturas que primeiro retratam o Antigo Testamento e cenas cronológicas da vida de Jesus Cristo, seguidas pela ressurreição.
Portanto, a rota também será simbólica, levando o visitante da “escuridão do norte para a luz do sul”, explicou Josse. O destaque será a Coroa de Espinhos, a preciosa relíquia que antes estava guardada na sala do Tesouro e agora está totalmente exposta em um novo e elaborado relicário projetado por Sylvain Dubuisson e instalado na capela axial.
“Em última análise, [o circuito] será uma grande jornada de redescoberta, fazendo com que as pessoas entendam o significado desta catedral”, explicou Josse. “Porque uma catedral é um edifício construído para a glória de Deus.”
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Uma mistura de arte histórica e criação contemporânea
Ao longo da história, a Notre Dame tem demonstrado a evolução das artes decorativas. Essa rica coleção de pinturas, tapeçarias e objetos de arte passou por restaurações meticulosas. Por exemplo, o tapete cerimonial do coro, encomendado por Carlos X no século 19 como o maior tapete já tecido na França, foi meticulosamente restaurado na Manufacture des Gobelins, a histórica fábrica de tapeçaria que agora faz parte do Mobilier National (depósito nacional de móveis da França). Assim como os carpinteiros e pedreiros que trabalham na própria catedral, esses artesãos perpetuam um savoir-faire secular.
“O que considero particularmente comovente é a sucessão de presenças artísticas e arquitetônicas na catedral”, comentou Josse. Essa interação é exemplificada pela imensa cruz de ouro do artista Marc Couturier, instalada em 1996, que se eleva acima de uma Pietá cercada por estátuas do século 18 dos reis Luís 13 e Luís 14. “E o pano de fundo, com vista para esse conjunto, é a arquitetura medieval do século 12.”
Ao lado de tesouros históricos, os visitantes poderão admirar novas criações de artistas contemporâneos. O mobiliário litúrgico foi concebido pelo designer Guillaume Bardet. Isso inclui a pia batismal, o altar e a cathedra, ou cadeira do bispo. “Das muitas inscrições para esse concurso [de design], Bardet foi o único a propor o bronze”, explicou Josse. “Há uma nobreza e simplicidade no material e ele cria um contraste marcante com a pedra da catedral, não compete com a beleza do edifício.”
Projetadas por Ionna Vautrin, as novas cadeiras foram fabricadas na oficina de Bosc, na região de Landes. O material de carvalho reflete a “floresta” que compõe o telhado da catedral, e os encostos baixos tornam as cadeiras menos intrusivas, para que não distraiam o ambiente. “O arcebispo de Paris sempre diz: elas são confortáveis, o que é muito bom em uma igreja, porque assim gostamos de sentar e meditar”, explicou Josse.
A criação contemporânea também se manifestará no programa especial de concertos sazonais. Compositores renomados foram encarregados de criar músicas originais para celebrar a reabertura, incluindo Thierry Escaich, que está preparando um hino Te Deum para ser apresentado em junho próximo.
O ponto central do turismo parisiense
A Notre Dame não é apenas um ícone religioso e um símbolo cultural, mas também um ponto de encontro para o setor de turismo de Paris. Empresas como a Fat Tire Tours sempre receberam um grande número de pedidos de turistas para visitar a Notre Dame. As visitas guiadas sem fila às torres da catedral, juntamente com as visitas aos monumentos próximos, sempre foram classificadas como uma das mais populares. Desde o incêndio, a Notre Dame continua sendo fundamental.
“É o ponto alto de nossa excursão Paris By Night”, disse a guia Fabiandra Andries. “Chegamos de bicicleta por volta do pôr do sol, com a luz incidindo diretamente sobre a fachada, e o edifício inteiro simplesmente brilha. Depois, também o vemos de barco... Gosto de explicar aos meus clientes que, para nós, nerds da história, a restauração é basicamente o momento do “Vingadores: Juízo Final” na história, com 15 disciplinas reunidas em uma equipe internacional para trabalhar nela.”
As pessoas comemoram a Fête de la Musique, um festival anual de música realizado em junho na margem esquerda do Rio Sena, próximo à catedral de Notre Dame.
A Context Travel, uma outra empresa de turismo que oferece passeios culturais conduzidos por especialistas em mais de 60 cidades, planeja criar uma atualização inovadora para a experiência de passeio tradicional com a reabertura da catedral parisiense.
“Para uma empresa pioneira em viagens sustentáveis, [a grande demanda] traz consigo preocupações com o excesso de turismo, além de nossa satisfação com o fato de a Notre Dame estar novamente aberta ao público”, disse Sara McCarty, vice-presidente de entrega para a França.
“Estamos empenhados em desenvolver uma oferta híbrida: uma visita guiada ao vivo pelo exterior em conjunto com um guia de áudio digital narrado por um acadêmico. Com o audioguia, os visitantes poderão explorar o majestoso interior da catedral em seu próprio ritmo – e fora dos horários de pico, se desejarem – sem deixar de ter um especialista em seu ouvido.”
O que está reservado para o futuro da Notre Dame?
As obras na parte externa da catedral continuarão. Na verdade, a cidade está investindo aproximadamente 50 milhões de euros em um projeto para criar cerca de 1800 m² de espaço verde em uma zona externa que seja favorável aos pedestres.
Em uma coletiva de imprensa realizada em outubro no Hotel de Ville (Prefeitura de Paris), a prefeita Anne Hidalgo explicou o objetivo de “mostrar melhor o patrimônio e responder aos desafios causados pelas mudanças climáticas”.
O paisagista belga Bas Smets venceu o concurso internacional para redesenhar os arredores da catedral com um plano que incluía a criação de um “microclima” por meio de vegetação e uma fonte de água. Com dimensões semelhantes às do interior da catedral, o pátio de pedra calcária será redesenhado como uma “clareira” entre as árvores - com 160 árvores adicionais plantadas para fornecer sombra no verão.
Onde que antes era o estacionamento subterrâneo será transformado em um calçadão coberto que lembra as famosas passagens do século 19 de Paris. Ele também terá um centro de visitantes que incluirá uma livraria, banheiros e um café. O mais importante é que ela se conectará diretamente ao Rio Sena e à cripta arqueológica, um museu menos conhecido que exibe antigos vestígios galo-romanos descobertos durante escavações na Île de la Cité, o coração histórico de Paris. O tráfego de carros será reduzido na rua que atravessa a ilha em frente à Notre Dame, limitando-se a ônibus, táxis e veículos de moradores.
Acima de tudo, o projeto – que terá início no outono de 2025, com previsão de conclusão da primeira fase em 2027 – visa melhorar a recepção dos visitantes. Guillaume Normand, vice-reitor da catedral, equiparou isso a uma “melhor experiência espiritual”, talvez possibilitando um “momento transformador” dentro da catedral.
Aqui no Point Zéro, o ponto de partida para todas as estradas francesas que levam a outras cidades, o pátio da catedral será restaurado como um local de encontro para parisienses e visitantes, um ponto de encontro na ilha do Sena que foi o berço de Paris. E assim, Notre Dame – que o historiador Jacques Hillairet explicou ser “onde os servos eram libertados, festas eram realizadas, os pobres encontravam asilo, contratos eram redigidos e oferendas eram concedidas antes de empreender uma viagem” – será mais uma vez devolvida ao povo.
