O rei francês que levou o cabelo masculino a novos patamares

As perucas gigantes eram um item obrigatório para qualquer homem na corte do rei Luís 14. O amor absoluto dele por cabelos grandes provocou uma tendência que se espalhou por toda a Europa do século 17.

Por Barbara Rosillo
Publicado 10 de nov. de 2023, 08:00 BRT
O rei Luís XIV (com a peruca prateada) gostava de ter o cabelo cheio e comprido, ...

O rei Luís XIV (com a peruca prateada) gostava de ter o cabelo cheio e comprido, e seus cortesãos seguiram o exemplo. Até mesmo os visitantes, como o Príncipe da Saxônia (de vermelho), usavam perucas grandes, como mostra esta pintura de 1715 de Louis de Silvestre.

Foto de Bridgeman ACI

Atribui-se à cantora norte-americana Dolly Parton a frase “quanto mais alto o cabelo, mais perto de Deus”, mas o rei da França, Luís 14, pode ter compartilhado seus sentimentos cerca de 300 anos antes de Dolly. O rei francês, famoso por seu senso de estilo ostensivo, usava perucas com mechas longas e esvoaçantes, e homens de todo o continente – de reis a plebeus – seguiram o exemplo.

Para encobrir a cabeça

As perucas já existiam há milênios na Europa e no Mediterrâneo antes do reinado de Luís 14. Algumas das perucas mais antigas da história foram usadas pela elite do antigo Egito, tanto na vida quanto na morte. Foram encontradas perucas nas cabeças de múmias, e túmulos antigos contêm caixas de perucas junto com outros objetos pessoais.

(Veja também: Curiosidades do Egito: mitos, deuses e os segredos das pirâmides)

Na Grécia antiga, as perucas eram usadas principalmente por atores em peças teatrais. Alguns romanos usavam perucas da moda, e as mulheres ricas preferiam cabelos loiros importados da Alemanha. Durante a Idade Média, a igreja não incentivava o uso de perucas, exigindo penteados mais simples para homens e mulheres.

As atitudes em relação às perucas mudaram drasticamente durante o reinado da rainha Elizabeth I da Inglaterra (1558-1603). A rainha idosa escondeu seu cabelo ralo com uma coleção de mais de 80 perucas vermelhas. O termo arcaico em inglês para peruca, periwig, vem do francês perruque, fez uma de suas primeiras aparições escritas na década de 1590, na primeira peça de William Shakespeare: “Os Dois Cavalheiros de Verona”.

Essas raízes inglesas dariam lugar ao domínio francês em meados do século 17, quando o rei da França, com apenas 23 anos de idade, ficou prematuramente careca em 1624. Antes da queda de cabelo, o rei Luís 13 usava seu cabelo natural bem longo, um sinal de saúde e virilidade. O enfraquecimento dos cabelos e a calvície passaram a ser associados a doenças, talvez porque as pessoas que sofriam de sífilis eram "tratadas" com mercúrio, cujos efeitos tóxicos incluíam a queda de cabelo. 

Para dar a aparência de longas mechas, o acessório de cabelo do rei era construído com três seções largas de cabelo unidas. Uma vez adotado por Luís 13, o uso de perucas foi adotado pela elite da corte francesa como um símbolo de status.

Cabelos e perucas

Luís 13 pode ter iniciado a tendência, mas seu sucessor, Luís 14, a levaria a novos patamares. O rei de quatro anos de idade sucedeu seu pai em 1643, quando a capital da moda da Europa era Madri. A preferência dos espanhóis por roupas elegantes, escuras e severas era dominante.

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    A extravagância de Luís XIV não parava em seus cabelos, ela se estendia até seus pés. O rei popularizou os sapatos de salto vermelho, como esta reprodução de um par de seus saltos. Na França do século XVII, a tintura vermelha era cara. Seu uso demonstrava opulência e riqueza.

    Foto de ALBUM

    À medida que crescia, Luís 14 usava seus cabelos castanhos em cachos longos e ondulados. Antes de o rei começar a ficar careca, ele complementou seu cabelo natural com mechas para dar mais volume. Como seu pai, ele começou a perder cabelo e usava perucas regularmente para disfarçar. Quando Luís 14 estava na casa dos 30 anos, desistiu das meias medidas e usou uma peruca longa e cheia de cachos apertados, criada para ele por seu barbeiro pessoal, Benoît Binet.

    O rei empregava 48 tecelões em seu séquito. Eles trouxeram inovação ao ofício, amarrando mechas de cabelo e entrelaçando-as em padrões complexos com fios de seda, o que criava um efeito de tranças esvoaçantes. As faixas tecidas eram então costuradas em uma touca de tecido leve, moldada à cabeça do usuário. A peruca pesada e cheia, popularizada por Luís 14, era uma criação trabalhosa que exigia cerca de 10 cabeças de cabelo humano.

    Moda masculina

    A corte de Luís 14 começou a dominar a moda da elite da Europa. A França estava crescendo em força econômica e militar, eclipsando a antiga grande potência da Europa, a Espanha. Conhecido como Roi Soleil (Rei Sol) pela magnificência de sua moda, Luís XIV tornou a peruca um acessório essencial em sua corte, tanto para homens quanto para mulheres. Ele aplicou as mesmas exigências que impôs a seus fabricantes de perucas a todas as áreas de gosto e tecnologia.

    Após seu exílio, Carlos II, mostrado em um busto de 1684, retornou à Inglaterra vestido à moda francesa, incluindo grandes perucas.

    Foto de AGE FOTOSTOCK

    O gosto de Luís 14 por perucas se espalhou para além da França, chegando às cortes reais de toda a Europa e tornando-se uma característica padrão dos trajes nobres europeus. Quando o Rei Carlos 2 retornou ao trono na Inglaterra em 1660, após um longo exílio na França, ele trouxe consigo a moda francesa, incluindo grandes perucas de madeixas esvoaçantes. Segundo consta, Carlos preferia as perucas não para esconder a calvície, mas para esconder outro sinal de envelhecimento: os cabelos grisalhos

    Por volta dessa época, a palavra "bigwig" tornou-se popular na Inglaterra, desenvolvendo-se a partir do consumo conspícuo dos ricos. Os clientes ricos chegavam a pagar até 800 xelins por uma peruca (calculada de acordo com a inflação, hoje essa peruca custaria cerca de 8 mil euros ou 10 mil dólares).

    Cabeças pesadas

    As perucas podem ter sido o auge da moda, mas elas traziam muitos problemas para quem as usava. Os homens tinham que aprender a manejar suas perucas na corte. Era essencial manusear a peruca ao fazer uma reverência, por exemplo, para evitar que ela caísse sobre o rosto. As perucas de fundo inteiro podiam ser opressivamente quentes e pesavam de três a quatro quilos. E com velas iluminando os ambientes internos, as perucas podiam pegar fogo facilmente.

    As superstições macabras se ligavam aos apliques de cabelo. Durante a Grande Peste que assolou a cidade de Londres em 1665 e 1666, as pessoas temiam que os fabricantes de perucas estivessem usando o cabelo dos mortos. O jornalista londrino Samuel Pepys teve dúvidas sobre uma peruca que comprou em 1665 "porque a peste estava em Westminster quando a comprei". Por fim, ele decidiu que já havia passado tempo suficiente desde a compra para que ele pudesse usá-la com segurança.

    Clientes experimentam perucas em uma barbearia em uma gravura do século XVIII de Thomas Rowlandson. 

    Foto de Wellcome Collection

    Preços altos

    Uma vez estabelecidas na corte, as perucas se tornaram comuns entre os grupos profissionais de alto escalão, como juízes, padres, financistas, comerciantes, lojistas, artesãos de prestígio, empregados domésticos respeitados e os cabeleireiros que faziam e cuidavam das perucas. 

    Para atender à crescente demanda, o número de ‘mestres cabeleireiros’ cresceu muito na França durante o reinado de Luís 14. Em Paris, esse número aumentou de 200 em 1673 para 945 em 1771. Nas províncias, os mestres cabeleireiros também viajavam pelo país, e logo as pessoas comuns começaram a usar perucas, para a consternação das classes mais altas.

    No centro da economia das perucas estava o próprio cabelo. As perucas com preços mais altos usavam cabelo feminino devido ao seu comprimento e à crença de que era de melhor qualidade do que o masculino. Os comerciantes nas feiras compravam cabelos de moças camponesas. O cabelo loiro ou cinza-prateado era muito procurado, seguido pelo preto. O cabelo naturalmente cacheado era o mais valioso de todos. 

    Com tantas perucas para fazer, os artesãos franceses compravam cabelos de toda a Europa. Na Inglaterra, foram escritos tratados em defesa do cabelo humano de origem nacional, que competia não apenas com o cabelo humano continental, mas também com a crina de cavalo ou de cabra, para perucas mais baratas.

    Os cabelos longos caem

    A morte de Luís 14 em 1715 anunciou o fim da moda das perucas grandes. Quando o rei Luís 15 atingiu a maioridade, ele preferiu penteados mais simples em sua corte. Os retratos do novo rei o retratam com cabelos empoados: os cachos emolduram seu rosto, enquanto o restante é puxado para trás em um rabo de cavalo baixo.

    As profundas mudanças sociais que ocorreram no final do século 18 acabaram com a moda das perucas. No imaginário popular, as perucas estavam ligadas aos excessos do antigo regime da França, principalmente as perucas imponentes associadas a Maria Antonieta e à corte de Luís 16, que deram origem à Revolução Francesa. 

    Assim como o próprio Napoleão Bonaparte, os homens da moda começaram a desprezar as perucas. No entanto, algumas profissões ainda permitiam seu uso. Embora os aristocratas não as usassem mais, seus funcionários as usavam. Na Inglaterra, os juízes mantiveram a peruca como um símbolo de sua função oficial. Esse costume permanece até hoje: em casos criminais, os juízes ingleses usam perucas no estilo bob, com as laterais mais curtas e uma cauda na parte de trás.

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