Combatendo a hiperdoença – como uma aldeia do Xingu passou ilesa pela pandemia
Agora vacinados, os kuikuro não tiveram mortes por covid-19. O esforço de guerra foi registrado pelo cineasta indígena Takumã Kuikuro.
Coberto por uma densa fumaça que subia até o céu, Takumã Kuikuro caminhava com um grupo de brigadistas indígenas para combater as chamas de um incêndio. Enquanto tentavam apagar o fogo, Takumã filmava a devastação que transformou as árvores em cinzas no segundo semestre de 2020. As imagens da floresta em chamas na Terra Indígena (TI) Parque do Xingu chocaram as redes sociais e apareceram nos principais noticiários do Brasil. No entanto, essa não era a única crise que recebia a atenção dos kuikuro.
Aos 38 anos, Takumã é um cineasta premiado e reconhecido no Brasil e no mundo. No ano passado, ele e o Coletivo Kuikuro de Cinema documentaram não somente o combate aos incêndios recordes que devastaram a TI do Xingu, a maior reserva indígena do Brasil, mas também a luta de suas comunidades para enfrentar a crise da pandemia de coronavírus.
“Eu tenho que entrar na ação para registrar. Eu documentei tudo para nossa história não ficar excluída durante a pandemia e mostrar na mídia. E para tentar trazer doações e salvar o povo”, explica o cineasta, em entrevista realizada por videochamada.
A TI Parque do Xingu fica no Mato Grosso e tem 27 mil quilômetros quadrados, onde vivem cerca de 7 mil indígenas de 16 etnias diferentes. Entre o Cerrado e a floresta amazônica, a área tem biomas praticamente intactos. Mas basta atravessar as fronteiras para encontrar plantações a perder de vista. Fazendas de monocultura no entorno estão entre os maiores produtores de soja no Brasil e impulsionam o crescimento dos municípios vizinhos.
Takumã mora na aldeia de Ipatse, próxima aos caudalosos rios Culuene e Buriti, no Alto Xingu. O acesso à maior aldeia da etnia kuikuro se dá por uma estrada de terra, em viagem que dura cerca de seis horas de Canarana (MT), a cidade mais próxima. A Ipatse tem casas dispostas em círculo, formando uma praça ao centro. Os moradores vivem em grandes malocas xinguanas, de troncos de madeira e palha. As casas tradicionais contrastam com antenas parabólicas e o vaivém de motos e bicicletas.
A tranquilidade que paira sob a aldeia hoje não lembra os meses anteriores, quando a comunidade se preparou para uma espécie de guerra, que envolvia o cuidado com suas próprias vidas. “O povo foi guerreiro. Foi trabalho coletivo. Nossa espiritualidade diz que a pandemia é vingança dos espíritos da natureza. Porque houve tanta destruição do homem branco e chegou essa nova pandemia. Veja o tanto do aumento de eclipses, raios, ventos, chuvas fortes e o novo vírus”, diz Takumã.
Quando a primeira onda de covid-19 atingiu o país, o povo kuikuro já estava pronto para enfrentar a pandemia. Em março, ainda sem casos da doença, o cacique Afukaká e outras lideranças decidiram montar uma estratégia para proteger a comunidade. A meta era não ter nenhuma morte entre as cerca de 600 pessoas da etnia.
A pandemia de coronavírus não foi a única crise enfrentada pelos kuikuro em 2020. Na Terra Indígena do Xingu, onde vivem, os registros de fogo aumentaram em 251% em relação a 2019.
Os kuikuro montaram uma brigada de voluntários para combater o fogo em suas terras, cuja fumaça piorou ainda mais os riscos de problemas respiratórios entre os indígenas.
Afukaká soube da pandemia pelo noticiário da TV e temeu por seus parentes. “A hiper-doença chegou no Brasil”, pensou. A covid-19 despertou nos velhos kuikuro uma memória doída – uma epidemia de sarampo trazida pelos brancos na década de 1950 reduziu pela metade a população que vivia nas cabeceiras do rio Xingu.
“Afukaká ficou com muito medo. Muito perigosa essa covid. A gente achou que poderia morrer sem remédio e porque vivemos juntos”, diz Yanamá Kuikuro, líder da Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (Aikax). Cada maloca abriga uma família, que pode ter até 20 membros. São genros, sogros e cunhados que moram juntos. Não existem divisões, nem cômodos no interior, o que dificulta o distanciamento social.
Quando um xinguano precisa fazer exames de rotina ou tem alguma emergência médica, ele procura as unidades de saúde de cidades vizinhas, como Querência, Canarana e Gaúcha do Norte, em Mato Grosso. E para chegar lá, pode precisar atravessar rios e longas distâncias de viagem.
O primeiro passo da estratégia contra o covid-19 foi informar a comunidade sobre o vírus e a prevenção. Sentados em círculo, os líderes kuikuro conversaram com adultos e crianças. Depois, foi feito um mutirão para construir uma nova maloca para o isolamento de viajantes. “A gente construiu uma casa de isolamento para as pessoas que chegavam de outra aldeia ou da cidade. O isolamento é de sete a 14 dias”, conta Yanamá.
Afukaká entrou em contato com parceiros da aldeia, como o coletivo Amazon Hopes, formado por pesquisadores e artistas que realizam projetos com a comunidade desde 2016. O coletivo apoiou a parte técnica da estratégia e fez uma campanha de doação online para arrecadar cerca de R$ 200 mil.
O valor arrecadado foi suficiente para a instalação de uma enfermaria provisória, com o intuito de evitar que casos leves e moderados fossem enviados à cidade. Foram comprados medicamentos, camas para leitos e cilindros de oxigênios. Uma médica foi contratada por três meses. “Não tem como a gente pedir hospital para o governo. Antes do vírus chegar, a gente se organizou e correu contra o tempo para comprar tudo”, diz Yanamá.
Outra arma foi a tecnologia digital. Um aplicativo criado pelo Amazon Hopes para mapear dados geoespaciais no território kuikuro foi adaptado para registrar dados sobre o deslocamento das pessoas e fazer o controle de viajantes, o que permitiu identificar possíveis cadeias de transmissão do vírus.
“A organização está imbuída na cultura deles [os kuikuro]. Outra coisa é a liderança. Afukaká é a força motriz de todo esse processo, ele tem o poder de agregar e dialogar com muitos parceiros. A pandemia deu essa chama para eles mostrarem seu poder de organização.”
Três agentes de saúde foram treinados para fazer o censo e o acompanhamento diário das pessoas pelo aplicativo. “A partir dos dados coletados, percebemos que havia um movimento muito grande de gente entre a aldeia e a cidade, um risco naquele contexto. A ideia era atrasar ao máximo a chegada do vírus”, contou o arqueólogo Bruno Moraes, diretor operacional do Amazon Hopes, que trabalhou remotamente no monitoramento.
O coletivo conseguiu recursos para a Aikax, que distribuiu mantimentos básicos, como combustível e alimentos. Com isso, a comunidade respeitou as orientações e as saídas para a cidade foram reduzidas em 85%. O sistema também coletou informações sobre o perfil e comportamento dos moradores, comorbidades, se apresentaram sintomas, com quem a pessoa teve contato ou se fez quarentena antes de chegar na aldeia.
Em junho, a morte de um bebê kalapalo foi a primeira por covid-19 registrada no Xingu. A fama de que hospitais da cidade eram lugares de morte se espalhou entre os xinguanos, que temiam sair para o tratamento, serem entubados na UTI e não voltar. Quase todas as aldeias tiveram contágio por covid-19, que se espalhou com o dinâmico fluxo de pessoas, troca de produtos e comércio entre aldeias e cidades vizinhas, a maioria sem medicamentos e assistência médica adequada. Era questão de tempo até o novo coronavírus chegar na aldeia Ipatse.
“Uma pessoa estava se tratando na cidade por outra doença e ficou internada na Casa de Saúde Indígena de Canarana”, relata Yanamá. “Ela e outra pessoa voltaram infectadas. Não tinha feito teste. Isso foi um erro de comunicação. E foi assim que esse vírus chegou na aldeia.”
Kauti Kuikuro foi um dos que atuaram na linha de frente. Jovem técnico de enfermagem e agente indígena de saúde, ele conta que trabalhou dia e noite. “A gente andava o tempo todo. A pandemia é uma história que nunca vou esquecer, ficará para sempre na minha memória.”
Junto à equipe de saúde, Kauti visitou todas as casas da comunidade e prestou atendimento emergencial em cinco aldeias vizinhas. As pessoas infectadas ficavam em isolamento junto com a família toda, sendo monitoradas pela equipe de saúde em todas as suas necessidades – se precisassem de comida, por exemplo, os enfermeiros levavam. Um dos casos mais delicados foi o de uma anciã de 90 anos, que conseguiu se recuperar. “Essa primeira onda foi rápida e teve muita gente contaminada ao mesmo tempo. Parecia uma grande gripe. Ficavam fracos, com febre e não se levantavam da rede”, lembra Kauti.
Os incêndios foram outro obstáculo e pioraram as doenças respiratórias. Durante a estiagem, as aldeias kuikuro ficaram sob uma densa fumaça. “Foi muita queimada. Juntou tudo de uma vez. A fumaça tornou a respiração mais difícil. Imagine como ficava dentro da oca”, disse a enfermeira Laura Avelar, que trabalha para o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), unidade vinculada à Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde. “As pessoas se queixaram de dores no tórax devido à dificuldade de respirar. Tivemos casos que as pessoas tiveram que usar oxigênio.”
Além de afetar a saúde, o fogo também queimou as roças de plantio, árvores e plantas de remédios tradicionais. Para conter o avanço das queimadas, Takumã e seu irmão, Kupei Kuikuro, criaram uma brigada indígena voluntária, formada por 35 homens do povo kuikuro. Experientes na mata, eles ajudaram no trabalho das brigadas do Prevfogo-Ibama, programa federal de combate a incêndios. Takumã também criou uma vaquinha online para comprar equipamentos de segurança e ferramentas de trabalho. “Esse ano abrimos uma linha de defesa num perímetro de 47 quilômetros”, conta Kupei, que coordena a equipe da Prevfogo no Alto Xingu. Somente a chegada da estação da chuva foi capaz de controlar todas as queimadas.
Tratamento pela pajelança
A estratégia terapêutica dos Kuikuro aliou a medicina “de branco” às curas tradicionais. O uso de antibióticos, analgésicos, vitaminas e soro estava lado a lado ao trabalho dos pajés e raizeiros com remédios feitos de plantas. Os pacientes bebiam muita água e a alimentação também foi reforçada com produtos naturais, como o peixe, o mingau e o biju de polvilho de mandioca.
Os que apresentavam sintomas leves foram tratados com o remédio tradicional. Já os com sintomas mais graves, receberam o protocolo médico padrão. “Os pajés ajudaram os doutores que a gente contratou aqui”, conta Yanamá. “Eles trabalharam juntos, como uma única equipe. Pacientes tomavam remédios de branco e do pajé. O remédio tradicional do mato tem ervas para limpar o pulmão do paciente.” Alguns pajés tiveram que se isolar porque pegaram a doença. Outros chegaram a atender com equipamentos de proteção individual.
“Tem que lutar pelas pessoas assim que você se tornar um adulto, para não acontecer coisa errada também. Meu pai falava: ‘Você não pode ir no caminho errado, você tem que ir no caminho certo’”
As equipes médicas do DSEI atuam nas aldeias com um trabalho itinerante, que faz o atendimento de primeiros socorros, acompanhamento de gestantes e de pacientes crônicos. Trabalhando há quatro anos com os kuikuro, a enfermeira Laura Avelar está acostumada com a pajelança nos tratamentos de saúde. “No começo, eu me assustava, por exemplo, com a fumaça do cachimbo no paciente. Mas hoje eu aceito e respeito”, diz ela. “Tem casos que saem do nosso conhecimento e tem que passar para um conhecimento maior. A gente começou a trabalhar junto. Os pajés falam: ‘Eu estou ajudando vocês e vocês estão me ajudando.’”
Laura já viu diversos casos que só os pajés puderam curar. “Tem casos que a gente se surpreende. Porque é uma doença espiritual. Às vezes, a pessoa está muito agitada, foge do controle dela; os pajés vêm, fazem reza e fumam; aos poucos a pessoa vai acalmando. O remédio do branco não vai resolver, tem que deixar o pajé trabalhar. Já vi muito isso”.
Filho de um pajé da aldeia Ipatse, Takumã diz que a crença kuikuro também considera a doença como algo espiritual. Os itsekes (espíritos) são seres sobrenaturais que povoam a floresta e podem representar perigo para os humanos. Apenas os pajés têm o poder de se comunicar com eles e remover a doença espiritual. Os espíritos são seres caracterizados pela grandeza. O uso do superlativo kuẽgü na língua karib pode ser traduzido como “hiper”, com o qual se caracterizam coisas exageradas e poderosas.
“Esse vírus é uma hiperdoença pela força dele”, diz Takumã. O cineasta acredita que se o corpo estiver com resistência baixa, pode ser atingido espiritualmente, feito flecha invisível. “O pajé me disse que se você fica infectado com vírus, ele também traz doença espiritual. Você fica fraco e então o espírito do mato, da cobra, do peixe, de qualquer bicho, pode atacar.”
Para manter a força, Takumã gosta de tomar banhos frios no rio pela manhã. Diz que se movimenta para movimentar as coisas do mundo e evita pensar que pode ficar doente. “Espírito de natureza estava me protegendo durante a pandemia. Eu tentei trazer a alegria e a força da floresta para enfrentar esse vírus.”
Despedidas sem abraços
Quando um xinguano morre, seu corpo é enfeitado e colocado no centro da aldeia. A família chora e reza. Com abraços, se despedem pela última vez. Mas o protocolo de enterrar os mortos em caixão lacrado, para evitar o contágio durante a pandemia, mudou as cerimônias fúnebres locais.
“Nas outras aldeias com óbitos por covid-19, ninguém fez o funeral com despedida. Toda a família tem que chorar e dar o último abraço para entrar num luto de um ano”, conta Takumã. “Como não pode abraçar, muita gente sofreu. Isso foi quebra de nossa cultura. Com a pandemia, aprendemos a ter cuidado e respeito. Valorizamos mais as pessoas. A gente depende dos outros e tem que ajudar os outros também.”
A pandemia também afetou o Kuarup, o mais importante ritual de homenagem aos ancestrais, cancelado no meio do ano. Via rádio amador, os caciques do Alto Xingu concordaram pelo cancelamento para não gerar aglomeração. O Kuarup ocorre sempre um ano após a morte dos parentes indígenas e chega a reunir mais de mil pessoas de todas as etnias xinguanas. No ritual, troncos de madeira pintados e adornados para representar o corpo dos chefes mortos são colocados no centro da aldeia anfitriã.
Em setembro, o povo kalapalo decidiu realizar sua cerimônia com restrições a visitantes de fora. Os kuikuro, seus vizinhos, foram uma das únicas duas etnias convidadas. “Era um momento que o pior já tinha passado. Foi um risco, mas ninguém se contaminou. A gente fortaleceu nossa energia depois de tanta tristeza”, diz Takumã, um dos participantes. Na cerimônia, indígenas que morreram por outras doenças puderam ser reverenciados e, assim, seguir a passagem para o mundo espiritual.
Em 2021 se realizará um grande Kuarup, que também deve homenagear as vítimas da pandemia. Uma das perdas mais sentidas no Xingu foi a do cacique Aritana Yalawapiti, importante liderança do movimento indígena. Aritana partiu aos 71 anos, no último mês de agosto. Após seu quadro piorar no hospital de Canarana, ele não conseguiu uma UTI aérea e teve que enfrentar uma viagem de 10 horas até um hospital de Goiânia (GO), vindo a falecer dias depois, em decorrência da covid-19.
Yanamá lembra do cacique como o líder de todos: “Quando ele faleceu, o Xingu inteiro ficou de luto. Ele era um grande batalhador, defendeu nossa terra. Era amigo do cacique Afukaká, os dois cresceram juntos e são campões da huka-huka”. Tradicional estilo de combate dos guerreiros do Alto Xingu, a huka-huka marca o início do fim da festa do Kuarup. Reconhecido como um dos maiores lutadores de todos os tempos, Aritana nunca perdeu um combate, mas foi derrotado pelo vírus.
Além de Aritana, outros líderes faleceram em decorrência da covid-19, como os cacique Walama Kalapalo, do povo kalapalo, e Jamiko Nafukuá, dos nafukuá. “Eu me lembro de ter visitado parentes de outras aldeias do Xingu e levar mantimentos e doações durante a pandemia. Nunca vi as aldeias tão silenciosas, por causa da doença. Foi a coisa mais triste de ver”, diz Jair Kuikuro, irmão de Takumã e também cineasta do Coletivo Kuikuro de Cinema.
A pandemia foi implacável com os povos originários. O boletim da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a maior associação indígena do Brasil, calcula que, em todo o país, 49.771 indígenas foram infectados e 984 morreram por covid-19 até a primeira semana de março de 2021. Pelo menos 223 dos mortos tinham 60 anos ou mais. Anciões cujo conhecimento não será transmitido de geração para geração.
A aldeia Ipatse teve cerca de 80 confirmações da doença ao final de 2020. Em 2021 ainda não houve novos casos. Com a epidemia sob controle, quem vai para a cidade é aconselhado a usar máscara. Quem chega da cidade deve fazer uma quarentena de até oito dias.
“Espírito de natureza estava me protegendo durante a pandemia. Eu tentei trazer a alegria e a força da floresta para enfrentar esse vírus.”
A estratégia de resposta dos kuikuro mostrou-se eficaz e se tornou referência para outros povos do Xingu. Para Bruno Moraes, o sucesso é explicado por dois fatores. “A organização está imbuída na cultura deles”, diz Bruno, do Amazon Hopes. “Outra coisa é a liderança. Afukaká é a força motriz de todo esse processo, ele tem o poder de agregar e dialogar com muitos parceiros. A pandemia deu essa chama para eles mostrarem seu poder de organização.”
A chegada da vacina
Um ano depois da chegada da doença à comunidade, Yanamá diz que os kuikuro venceram a covid-19. Não houve mortalidade e ninguém precisou ser transferido para o hospital da cidade. Para ele, o maior desafio foi o isolamento. Agora, o líder da associação Aikax busca angariar recursos para melhorar o sistema de saúde local e prevenir incêndios por meio de projetos idealizados e geridos pelos próprios kuikuro. “Ainda falta muito apoio do governo. Meu pai me orientava para cuidar do povo, respeitar, se tornar uma liderança”, diz Yanamá. “Hoje estou fazendo aquilo que o meu pai falava, organizando pra comunidade. Tem que lutar pelas pessoas assim que você se tornar um adulto, para não acontecer coisa errada também. Meu pai falava: ‘Você não pode ir no caminho errado, você tem que ir no caminho certo’.”
Já Kauti Kuikuro tem participado de lives na internet para ensinar outros agentes de saúde sobre o protocolo realizado pelos kuikuro. Médicos também o procuram para contar a experiência. “A gente aprendeu junto com a pandemia. Temos que fazer alguma coisa pela saúde daqui. Se não, vamos perder os velhos, que são nossos livros”. Ele, que já atua nos programas de imunização do Xingu, acredita que a vacina é fundamental para a sobrevivência dos povos indígenas. “Meus avós contavam que, após o contato com homem branco, vinha gripe simples e tinha óbito. Não tinha vacina”, conta Kauti. “Aqui tinha muita mortalidade infantil e depois melhorou. Isso eu sempre levo na cabeça. Eu não vou deixar minha comunidade sofrer. A gente vai fazer prevenção e vigilância.”
Em fevereiro de 2021, as primeiras doses de vacina foram enviadas pelo Ministério da Saúde. A imunização foi bem aceita entre os kuikuro, conta Kauti, que participou das ações de vacinação no Alto Xingu. “Todo mundo ficou alegre e esperou esse momento. Agora estamos acompanhando as novas variantes do vírus e orientando para quando sair da aldeia, usar máscara e álcool gel. A gente tem que continuar o cuidado. O vírus não vai desaparecer logo. Talvez ele fique para sempre no mundo.”