Câncer de mama: quando se deve fazer a mamografia e com que frequência?
A detecção precoce é fundamental para sobreviver ao câncer de mama. Há muito tempo, as mamografias regulares são a ferramenta de triagem, como mostra esta imagem de uma enfermeira operando uma máquina de mamografia no Uganda Cancer Institute, em Kampala, em um Dia Mundial do Câncer de Mama (sempre 19 de outubro).
Em maio de 2023, a agência de saúde norte-americana que regula os serviços preventivos no país sugeriu várias alterações em suas recomendações sobre quando e com que frequência as mulheres devem começar a fazer mamografias regulares para rastrear o câncer de mama.
Em pleno Dia Mundial do Câncer de Mama, 19 de outubro, os debates sobre o tema seguem. As atualizações foram sugeridas após uma análise cuidadosa das evidências mais recentes, de acordo com John Wong, membro do órgão e médico de medicina interna da Tufts University, em Massachusetts.
“As mamografias não impedem o desenvolvimento do câncer de mama, elas o detectam em um momento anterior”, diz Wong. “Nesse projeto de recomendação, estamos dizendo que todas as mulheres devem começar a fazer o exame a cada dois anos a partir dos 40 anos.”
É uma mudança em relação às diretrizes anteriores – que incentivavam o rastreamento anual a partir dos 50 anos de idade – é uma mudança particularmente notável, especialmente porque quase 1 em cada 10 casos de câncer de mama ocorre atualmente em mulheres com menos de 45 anos. No entanto, embora muitos profissionais da área aplaudam a mudança, eles também levantaram preocupações de que as mamografias a cada dois anos poderiam deixar os cânceres não detectados – e não tratados – por muito tempo.
“Os benefícios de sobrevivência são melhores quando a mamografia é feita anualmente, a partir dos 40 anos”, afirma Priti Shah, diretora de Imagem da Mama na VCU Health em Richmond, da Virgínia, Estados Unidos.
As recomendações ainda estão em formato de rascunho nos Estados Unidos e em outros lugares do mundo, vários países já estão adotando a diretriz de indicar exames de mamografia a partir dos 40 anos, como no Brasil.
Veja como entender tudo isso e o que saber sobre as novas tecnologias que estão surgindo e que têm o potencial de ajudar as mulheres a fazer exames com mais frequência e detectar o câncer mais cedo, quando ele é mais tratável.
Por que as recomendações de exames preventivos de câncer de mama estão mudando?
Décadas de pesquisas extensas mostraram que o câncer de mama surge de uma combinação de causas genéticas e ambientais – de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 a riscos como consumo de álcool, inatividade física, terapia hormonal e exposição à radiação ionizante (que pode causar mutações no DNA).
Independentemente da causa, os cientistas têm usado raios X para identificar o câncer de mama há mais de um século. No final do século 20 vimos técnicas aprimoradas, como a compressão do tecido mamário entre as placas para melhorar a qualidade da imagem e estratégias mais recentes para revelar imagens em filme: a mamografia. Testes de mamografia em larga escala nas décadas de 1980 e 1990 levaram a algumas das primeiras recomendações de que mulheres com 40 anos ou mais deveriam fazer mamografias regularmente.
No entanto, com o passar dos anos, esse número foi aumentado para 50 anos em alguns países, como nos Estados Unidos. Segundo Wong, parte desse raciocínio se deve ao aumento da conscientização sobre os possíveis riscos da mamografia.
A mamografia ainda depende de raios X, que expõem o paciente a uma pequena quantidade de radiação. Não estava totalmente claro se os possíveis danos causados pela radiação superavam os benefícios de uma mamografia. Havia também outras preocupações. Como tudo na medicina, a técnica não é 100% eficaz na identificação do câncer.
Muitas das manchas preocupantes sinalizadas por um radiologista que lê uma mamografia acabam sendo algo diferente de uma malignidade. Esses falsos positivos custam tempo e dinheiro, geram ansiedade e podem expor as pessoas a riscos de outros tipos de procedimentos, como a biópsia.
Uma das tarefas do órgão norte-americano, diz Shah, é tentar equilibrar esses riscos e benefícios de exames preventivos. “Precisamos abordar esses riscos, mas não queremos jogar o bebê fora junto com a água do banho”, comenta ela.
E esses riscos e benefícios não são estáticos. Eles podem mudar ao longo da vida de uma pessoa à medida que suas condições de saúde e valores mudam com o tempo, e à medida que a ciência médica aprende mais sobre os riscos do câncer de mama e os possíveis benefícios da mamografia.
Uma das maiores mudanças nos últimos anos foi o aumento de mulheres com menos de 45 anos diagnosticadas com câncer de mama. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos estimam que 9% de todos os novos casos de câncer de mama são diagnosticados em mulheres com menos de 45 anos.
Embora o órgão continuasse a incentivar a realização de mamografias regulares a partir dos 40 anos, muitas dessas mulheres não se enquadravam em suas recomendações formais. Isso significa que elas só receberiam um diagnóstico quando notassem alterações em suas mamas, como caroços, espessamento ou inchaço e secreção nos mamilos que não fosse leite materno.
Mas será que estamos examinando o suficiente?
No entanto, em vez de mamografias anuais, a força-tarefa alterou as diretrizes para a cada dois anos. A mudança gerou preocupação e críticas de alguns profissionais da área.
“Os dados esmagadores mostram que a maioria das vidas é salva pelo rastreamento anual a partir dos 40 anos”, explica Aviva O'Connell, especialista em imagens de mama do Centro Médico da Universidade de Rochester, em Nova York. “Se adiarmos o exame até os 50 anos e o fizermos apenas a cada dois anos, cerca de 100 mil mulheres morrerão.”
Shah concorda. “Queremos começar a fazer o exame mais cedo porque esses cânceres são mais agressivos. Não queremos esperar dois anos.”
Considerando que as mulheres negras e indígenas têm uma probabilidade maior de desenvolver câncer de mama, de serem diagnosticadas em um estágio mais avançado e de morrerem em decorrência da doença, essa falta de cobertura criará um grande problema de equidade na saúde, afirma Toma Samantha Omofoye, radiologista de mama do MD Anderson Cancer Center da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
“As disparidades nos resultados do câncer se devem a problemas em todo o espectro da saúde. Isso torna o acesso à mamografia de rastreamento precoce e frequente uma parte importante do tratamento das disparidades de saúde”, diz ela.
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Como será o futuro do rastreamento do câncer de mama?
No entanto, para algumas pessoas, mesmo os exames anuais podem não ser suficientes. A mamografia amplamente difundida também aumentou a conscientização sobre os desafios de ter mamas densas. Mulheres com mamas densas – geralmente mulheres mais jovens – têm mais tecido fibroso e conjuntivo que fornece suporte estrutural à mama. Esse tecido é mais denso do que a gordura e as glândulas e aparece em um branco sólido nas mamografias.
Os seios densos, por si só, não são um problema, comenta Shah. Mas elas tornam mais difícil a identificação de possíveis tumores em uma mamografia. É por isso que os médicos começaram a incentivar as mulheres com mamas densas a fazer exames de imagem adicionais com ressonância magnética e ultrassom, além das mamografias anuais.
Para ajudar a aliviar essa carga de exames, os cientistas estão trabalhando para desenvolver tecnologias de exames de câncer de mama novas e mais acessíveis.
Uma dessas cientistas é Canan Dagdeviren, engenheira do Media Lab do MIT, que está construindo uma máquina de ultrassom vestível que as mulheres podem usar com seu sutiã diário. Ela esboçou seu protótipo ao lado da cama de sua tia que estava morrendo, cujo câncer de mama apareceu pela primeira vez entre as mamografias bianuais. Quando a tia de Dagdeviren detectou qualquer alteração, o câncer já estava avançado demais para ser tratado.
Ela vê seu dispositivo como algo que as mulheres poderiam usar mensalmente, semanalmente, até mesmo diariamente, como parte de suas rotinas normais, já que o ultrassom leva apenas um ou dois minutos.
“A detecção precoce é a chave para a sobrevivência. Nosso humilde cálculo mostra que essa tecnologia tem o potencial de salvar 12 milhões de vidas por ano em todo o mundo”, afirma ela. E ela não quer parar no câncer de mama. Outros tipos de tumores, como o câncer de próstata, também podem ser detectados com o ultrassom vestível.
Mas mesmo que pesquisadores como Dagdeviren continuem a desenvolver as ferramentas de triagem do futuro, O'Connell diz que simplesmente conhecer o próprio corpo e prestar atenção às mudanças continua sendo uma das estratégias mais importantes na detecção do câncer.
“Basta estar ciente do que é normal para você e então você poderá saber se algo mudou”, diz ela.