Por que no clima frio é mais difícil para o corpo combater doenças respiratórias

O aumento da gripe e outras infecções respiratórias no outono e no inverno tem vários motivos além de passar mais tempo em locais fechados.

Por Fedor Kossakovski
Publicado 13 de jun. de 2025, 14:00 BRT
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As mudanças de estação afetam as estruturas físicas dos vírus e as barreiras naturais do nosso corpo contra doenças. No inverno, o ar frio e seco e a falta de luz solar afetam negativamente nossa capacidade de evitar infecções respiratórias, como a gripe.

Foto de Mustafa Ozturk, Anadolu Agency via Getty Images

“Pois a chegada do inverno resolve as doenças do verão, e a chegada do verão elimina as do inverno”, escreveu o homem considerado “o pai da medicina”, o médico e filósofo grego Hipócrates, em 400 a.C.

Esse relato é considerado o mais antigo estudo registrado sobre a variabilidade sazonal de uma doença, a saber, a gripe. Entretanto, o motivo pelo qual algumas doenças são periódicas foi um mistério que intrigou os cientistas até a era moderna.

Ainda não descobrimos totalmente, mas os pesquisadores agora entendem que, conforme o ciclo das estações, os germes, seus hospedeiros e os ambientes que eles habitam mudam juntos de maneiras complicadas que tornam as pessoas mais ou menos propensas a contrair uma doença.

“Se você perguntasse a cinco epidemiologistas de gripe o que eles acham que são as contribuições relativas, você teria uma boa chance de obter cinco respostas diferentes”, diz Dylan Morris, pesquisador de pós-doutorado da Universidade da Califórnia de Los Angeles, nos Estados Unidos, que estuda a ecologia e a evolução dos vírus, com uma risada.

Dito isso, os cientistas descobriram como as mudanças de estação afetam não apenas as estruturas físicas dos vírus, mas também as barreiras naturais do nosso corpo contra doenças. Especialmente no inverno, o ar frio e seco e a falta de luz solar afetam negativamente nossa capacidade de evitar infecções respiratórias, como os vários tipos de vírus influenza, que causam a gripe ou o coronavírus da Convid-19.


Respirar um ar mais frio e seco de fato altera o funcionamento do sistema imunológico, afirma Akiko Iwasaki, imunologista da Universidade de Yale e pesquisadora do Howard Hughes Medical Institute, nos Estados Unidos

Em um artigo de 2015, Iwasaki e seus colegas demonstraram que no clima frio as células que revestem as vias aéreas de camundongos produziam menos moléculas chamadas interferons quando estavam mais frias. Os interferons são uma classe de proteínas que soam o alarme de um víruschamando as células imunológicas, que com sorte, conseguem interromper o processo de infecção.

“Desde que esse estudo foi publicado, tenho dito aos meus filhos para usarem um lenço em volta do nariz — e atualmente, obviamente, máscaras – porque isso permite que a temperatura permaneça mais quente no nariz”, diz Iwasaki.

Mais recentemente, Iwasaki e sua equipe descobriram que a baixa umidade também pode diminuir a primeira linha de defesa do corpo: o muco nasal. As vias aéreas são revestidas com a substância viscosa (o muco) e, abaixo dela, com cílios, que servem como pequenas pás semelhantes a dedos usadas em todo o reino animal para se movimentar. 

Esses dois componentes trabalham juntos como uma correia transportadora: O muco retém a sujeira e os cílios batem juntos para mover o muco para fora do corpo pelo nariz e pela boca. Alguém precisa de um lenço?

Esse processo é chamado de depuração mucociliar, e o ar frio e seco não é seu amigo. Como a baixa umidade, as camadas de muco ficam mais em nossos rostos e gargantas, ela interrompe o movimento dos cílios, tornando mais difícil para o corpo expulsar qualquer vírus invasor.

“Então, essas coisas acontecem quando inalamos ar seco e, combinadas com o ar frio, estamos realmente sobrecarregando a resposta imunológica do hospedeiro, de modo que não somos mais capazes de combater bem essas infecções virais”, explica Iwasaki.

Iwasaki recomenda comprar um umidificador e manter sua casa com 40 a 60% de umidade. “Dessa forma, não apenas ajudamos nossa resposta imunológica aos patógenos, mas também, no ar úmido, as partículas que contêm vírus acumulam água”, diz ela. “Em vez de serem transportadas pelo ar, elas caem no chão.”

(Você pode se interessar: Como evitar que o frio extremo afete a saúde humana?)

Os vírus da gripe e da covid-19 se desenvolvem mais no tempo frio


Com base em experiências passadas com gripes e resfriados sazonais, os especialistas em saúde pública têm alertado sobre um possível aumento de casos de coronavírus no outono e no inverno (mesmo com boa parte da população já vacinada, pois a transmissão segue ocorrendo). 

Já que o clima frio força as pessoas a ficarem em ambientes fechados, onde a transmissão pelo ar se desenvolve tanto da influenza da gripe quando da Covid-19. 

influenza (especialmente os tipos A e B, mais comuns da gripe) ocorre de forma sazonal –  especialmente nos meses mais frios em cada hemisfério do planeta – e pode causar “uma doença respiratória altamente contagiosa capaz de infectar o nariz, a garganta e os pulmões”, afirma a National Institutes of Health (NIH), a instituição nacional de saúde dos Estados Unidos.

Em relação ao coronavírus, Morris e seus colegas descobriram que temperaturas mais baixas e umidades extremas (tanto altas quanto baixas) mantêm o vírus estável e infeccioso por mais tempo. As temperaturas mais baixas retardam as reações químicas, como as que causam a decomposição dos vírus. Isso significa que o coronavírus pode flutuar livremente nas gotículas respiratórias por mais tempo.

Infelizmente, a baixa temperatura e umidade são exatamente o que temos nos meses de inverno – e comprovadamente agravam as infecções virais. Outras variáveis, como pessoas que ficam em ambientes fechadosnão recebem luz solar suficiente, também não são muito favoráveis.

“Você tem todos esses fatores que apontam na mesma direção, vários motivos para esperar que os vírus respiratórios sejam um desafio maior no inverno”, afirma Morris.

Os benefícios da vitamina D e do sol


Com o frio, o aumento do número de pessoas que passam o dia todo em ambientes fechados agrava outra desvantagem do inverno: a redução da vitamina D. Além de fortalecer os ossos, a vitamina D desempenha um papel importante na modulação de nossas respostas imunológicas, afetando pelo menos 200 vias químicas envolvidas com essas defesas essenciais, explica Annelise Barron, bioengenheira da Universidade de Stanford que projeta versões sintéticas de moléculas naturais.

Ela está particularmente interessada em replicar o peptídeo (ou pequena proteína) chamado LL-37, uma molécula antiviralantibacteriana e antifúngica potente que ocorre naturalmente em humanos. Isso porque os primatas são o único subgrupo de mamíferos que depende da capacidade do corpo de absorver a luz solar produzir vitamina D para produzir esse peptídeo poderoso para imunidade.

Nossa pele produz a vitamina D usando os raios ultravioleta B do sol para quebrar um dos anéis de carbono de um precursor químico do colesterol. Embora alimentos como peixes gordurosos ou leite fortificado possam fornecer parte da vitamina D, é a luz solar que aumenta nossos níveis – e isso é um problema para as pessoas que vivem mais longe da linha do Equador.

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    “Em todo o mundo, mesmo durante os meses mais ensolarados, cerca de metade das pessoas tem baixo nível de vitamina D. ”

    por Annelise Barron, Universidade de Stanford

    “Em todo o mundo, mesmo durante os meses mais ensolarados, cerca de metade das pessoas tem baixo nível de vitamina D”, diz Barron. “Agora, se formos para o auge do inverno, em média, a porcentagem de pessoas com baixo nível de vitamina D será mais de 80%.”

    Níveis adequados de vitamina D estão associados a menores riscos de doenças inflamatórias, como diabetes tipo 1 e esclerose múltipla, bem como também menor incidência de infecções respiratórias agudas

    Ainda assim, tomar suplementos de vitamina D pode ajudar a regular melhor as defesas naturais do corpo, afirma Barron, apontando para um estudo recente que mostrou que a suplementação melhorou a atividade do LL-37 durante o inverno. Anthony Fauci, ex-diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, dizia que toma um suplemento diário de vitamina D para estimular seu sistema imunológico.

    Barron recomenda 2 mil unidades internacionais, que é a medida padrão de substâncias, de suplemento de vitamina D por dia. Isso é mais alto do que a orientação do National Institutes of Health de 400 a 800 UI, mas está de acordo com o limite superior das recomendações da Endocrine Society, e muito abaixo da dose diária de 4 mil UI na qual a vitamina D se torna tóxica para adultos.

    O período de frio durante o outono e o inverno


    produção de vitamina D não é a única função do corpo afetada pela variabilidade sazonal da luz solar, comenta Micaela Martinez, ecologista de doenças infecciosas da Universidade de Columbia, que estuda ritmos biológicos e doenças sazonais.

    Alguns pesquisadores já estão propondo estudar como a interrupção do sono afeta a vulnerabilidade do sistema imunológico de algumas pessoas. “Praticamente todos os aspectos do nosso corpo – metabolismo, hormônios, imunidade – mudam com o ciclo dia-noite”, diz ela.

    “Não é que você teria mais infecções no inverno e menos no verão. Não, é que para cada doença infecciosa há uma estação mais específica. ”

    por Micaela Martinez, Universidade de Columbia

    Algumas das primeiras pesquisas em cronobiologia com foco em doenças foram feitas sobre o ciclo dia-noite e a melatonina. E um estudo de 2015 na Nature encontrou variabilidade sazonal na expressão de cerca de 1/4 dos genes humanos, embora o grupo não tenha demonstrado como ou se essa variação na expressão gênica afetou a capacidade do sistema imunológico de combater invasores.

    "Não é que você tenha mais infecções no inverno e menos no verão. Não, para cada doença infecciosahá uma estação", explica Martinez, cujo laboratório está trabalhando atualmente para mostrar como as mudanças sazonais afetam a capacidade do sistema imunológico de afastar diferentes patógenos. Historicamente, ela ressalta que as epidemias de sarampo se alastravam na primavera, e a poliomielite atingia com mais força no verão.

    Independentemente da estação, Martinez se preocupa com o fato de as pessoas não estarem recebendo luz solar suficiente para ajudar o corpo a funcionar de forma consistente, já que cada vez mais passamos os dias dentro de casa. 

    Em um estudo de pré-impressão publicado no final de 2020, sua equipe demonstrou como os participantes do estudo equipados com sensores de luz na cidade de Nova York tinham baixa exposição à luz natural durante todo o ano e pouca variabilidade entre as estações.

    Ela recomenda absorver um pouco da luz solar matinal para ajudar na transição para o modo diurno e regular as funções vitais, incluindo, esperamos, manter seu corpo preparado para combater patógenos respiratórios como a influenza.

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