
Como Maria e José, pais de Jesus, se tornaram um casal? Veja o que dizem os estudiosos da Bíblia
"O Nascimento à Noite", obra de Guido Reni, pintor barroco italiano.
No Novo Testamento da Bíblia, os Evangelhos narram a história do nascimento de Jesus — o primeiro Natal. Ambientada durante a ascensão do Império Romano, a narrativa bíblica cria uma imagem radiante de um jovem casal dando à luz o filho de Deus em Belém.
O mundo cristão abraçou a história de fé de Maria, José e o menino Jesus por séculos. Contudo, naquela época — mesmo sem considerar a plausibilidade de um nascimento virginal — a situação deles teria sido considerada escandalosa. Engravidar fora do casamento era um crime punível com a morte.
Então, como essa situação vergonhosa se transformou em um pilar do cristianismo, celebrado com mensagens de conforto e alegria até os dias de hoje? Essa é uma pergunta que vem sendo feita há mais de 2 mil anos. Eis o que alguns estudiosos bíblicos afirmam.
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Os fiéis peregrinam ao Monte das Aparições em Medjugorje, na Bósnia, onde se diz que Maria apareceu em 1981.
O noivado de Maria e José
A documentação histórica sobre Maria provém dos Evangelhos de Mateus e Lucas, escritos aproximadamente entre 70 e 110 d.C. Acredita-se que Maria, de grande beleza, nasceu em Nazaré, filha de Ana e Joaquim. Ela teria traços do Oriente Médio, com cabelos e olhos escuros, e falaria um dialeto aramaico.
Ela teria se casado jovem, como era comum entre as moças da época, já que a maioria das pessoas não vivia mais do que algumas décadas.
“Não existe o luxo da adolescência naquele mundo”, observou Byron McCane, historiador da Universidade Atlântica da Flórida, nos Estados Unidos. “Assim que os jovens demonstram capacidade reprodutiva, casam-se e começam a ter filhos.”
Essas uniões eram arranjadas pelas famílias, e é possível que, em um lugar como Nazaré, com apenas algumas centenas de habitantes, Maria tenha conhecido José. Segundo a tradição judaica antiga, Maria e José ficaram noivos, a primeira parte de uma cerimônia de casamento judaica em duas etapas.
Na primeira parte, chamada erusin, José daria um mohar, um dote, à família de Maria. Nesse momento, ele e Maria estariam legalmente casados. Contudo, por tradição, enquanto estivessem casados, a esposa continuava a viver com os pais por cerca de um ano após o noivado. Durante esse tempo, Maria e José aguardavam o missuin, a cerimônia de casamento, após a qual ela se mudaria da casa dos pais.
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A interpretação do pintor Rafael, no quadro “Alto Renascimento” de 1504, sobre o noivado de Maria e José.
A Anunciação
Mas, após o casamento, enquanto ainda morava com seus pais, Maria engravidou. Não há provas concretas de como isso aconteceu, mas, segundo o Evangelho de Lucas, um dos dois Evangelhos que descrevem o nascimento de Jesus no Novo Testamento, o anjo Gabriel apareceu à jovem, informando-a de que ela havia sido escolhida por Deus: “E, aproximando-se dela, disse: ‘Salve, agraciada! Agora, pois, conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás Jesus’” (Lucas 1:28).
De acordo com os escritos, a notícia deixou a jovem confusa, pois não fazia ideia de como isso poderia ser, já que não havia tido relações com José. Segundo Lucas, Gabriel explicou que, embora ela ainda fosse virgem, um evento transcendental ocorreria. “O Espírito Santo virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra”, disse ele, “e por isso o que há de nascer será chamado santo, [...] Filho de Deus” (Lucas 1:35).
Segundo o Evangelho de Mateus, quando José soube da gravidez de sua noiva, não ficou contente. Observando os mandamentos bíblicos e, na esperança de não causar constrangimento a Maria, procurou pôr fim ao matrimônio discretamente. Porém, enquanto pensava em como faria isso, adormeceu.
De acordo com o Evangelho de Mateus, um anjo apareceu em seu sonho, dizendo-lhe: “Não tenha medo de receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo” (Mateus 1:20). Quando José acordou, compreendeu que Maria havia sido fiel e eles prosseguiram com o matrimônio, levando “sua esposa para sua casa”.

O anjo Gabriel aparecendo a Maria e a saudando como a "favorecida!", em obra do pintor italiano Filippo Lippi (c. 1406-69).
Implicações da gravidez de Maria
Visão angelical ou não, engravidar fora do casamento pode ser perigoso. "Uma vez que você esteja noiva, é considerado adultério", disse Carol Meyers, professora de religião na Universidade Duke, nos Estados Unidos. Apesar do preceito bíblico que determina que, quando "um homem comete adultério com a mulher do seu próximo, tanto o adúltero quanto a adúltera devem ser mortos", o apedrejamento nem sempre era aplicado.
Mesmo assim, a gravidez de Maria seria mal vista pela comunidade e poderia trazer vergonha para sua família. Nazaré era uma cidade pequena, e os vizinhos não só conheciam a vida uns dos outros, como também tinham longas memórias em comum.
Havia também importantes implicações sociais e familiares para Maria e José. A sociedade deles era baseada no parentesco, e a identidade de uma pessoa era estabelecida pela linhagem paterna, como descrito no primeiro capítulo do Evangelho de Mateus, que detalha a linhagem masculina da família de Jesus, começando com o patriarca Abraão.
“Eles queriam ter certeza de que todos aqueles filhos eram daquele pai”, observou McCane, “porque ele tinha que sustentá-los.”
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Carga tributária na época
A antiga população judaica era obrigada a pagar impostos ao Império Romano e ao rei Herodes, bem como o dízimo de suas colheitas ao Templo. Como era ano de recenseamento, o “casal grávido”, segundo os livros de Mateus e Lucas, dirigiu-se a Belém para pagar o que havia sido determinado por César Augusto.
A viagem de Maria e José, partindo de Nazaré rumo à cidade de Belém, levaria cerca de uma semana, e provavelmente seguiram para o sul por uma rota onde podiam parar em fontes para descansar e encontrar abrigo em pequenas cidades.

Um tríptico do século 14, da autoria de Duccio di Buoninsegna,que mostra Jesus em repouso na manjedoura.
O nascimento de Jesus
Quando o casal chegou a Belém, os Evangelhos contam que Maria entrou em trabalho de parto. Precisavam de um lugar para ela dar à luz, mas não havia lugar para eles na hospedaria local, então podem ter se refugiado em uma caverna de calcário usada para abrigar animais domésticos.
O espaço seria escuro, úmido e cheiraria a esterco e feno. O pequeno menino Jesus teria sido envolto em faixas e colocado em uma manjedoura, um cocho aberto usado para alimentar os animais. Maria deu à luz Jesus em Belém, marcando o que seria celebrado por milhares de anos como o Natal – até os dias atuais.
Partes deste trabalho foram publicadas anteriormente no livro “A História de Maria”, de Daniel S. Levy. copyright © 2018 National Geographic Partners, LLC.