A Nasa tem um plano para limpar o lixo espacial, mas será que é suficiente?
Esta ilustração mostra a distribuição de detritos rastreáveis na órbita da Terra. No entanto, muito mais lixos espaciais não são rastreados.
A Nasa está levando o ambientalismo para a órbita da Terra. A administradora adjunta da agência espacial, Pam Melroy, revelou recentemente a primeira fase da nova Estratégia de Sustentabilidade Espacial da Nasa. Nos próximos meses, a agência norte-americana lançará outras partes da estratégia, que, juntas, são projetadas para garantir que o espaço ao redor da Terra seja limpo e que os recursos no espaço sejam compartilhados de forma equitativa e sustentável.
“Isso já era esperado há muito tempo”, diz Melroy. Diferentes partes da agência vêm adotando a sustentabilidade por conta própria e usando suas próprias abordagens – agora, a Nasa vai fazer um esforço de toda a agência, explica.
A primeira fase da estratégia de sustentabilidade da Nasa se concentra no lixo em órbita da Terra. De fato, o problema do lixo orbital é, sem dúvida, a questão espacial mais urgente atualmente. Cerca de 10 mil satélites em funcionamento circundam o globo, mas também há muito mais espaçonaves extintas, corpos de foguetes abandonados e milhões de pedaços de outros tipos de lixo que circulam pelos arredores do nosso planeta a cerca de 17 mil milhas por hora.
Os astrônomos que deram o alarme sobre o espaço cada vez mais lotado ao redor da Terra elogiaram o novo plano, mas muitos dizem que a agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa, está atrasada em relação a outros países e que precisa de mais urgência para resolver essa questão urgente da poluição em órbita.
“Estou muito feliz em ver que a Nasa está fazendo isso. Mas acho que é muito importante ver se o Congresso lhes dá o orçamento para realmente fazer algo diferente”, comenta Darren McKnight, membro técnico sênior da LeoLabs, uma empresa de rastreamento de naves espaciais e detritos com sede em Menlo Park, Califórnia.
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Atenção ao lixo espacial
O que é verdade é que qualquer satélite em órbita em uma área movimentada corre um risco cada vez maior de ser esmagado por um pedaço de metal errante que se choca contra ele, tornando-se, assim, o próprio lixo.
Melroy e seus colegas da Nasa estão particularmente preocupados com os riscos para a Estação Espacial Internacional e para os astronautas a bordo dela – riscos que foram dramatizados pelo filme Gravidade, de 2013, em que Sandra Bullock teve de fugir do posto avançado em órbita. Na pior das hipóteses, os módulos essenciais da estação espacial ficariam comprometidos e qualquer astronauta que não conseguisse embarcar em uma espaçonave e escapar morreria.
Quanto mais satélites houver, mais perigos também existirão. Se houvesse uma colisão em órbita, por exemplo, entre o corpo de um foguete abandonado e um satélite morto, isso geraria ainda mais detritos, com risco de mais colisões, tornando essa órbita inutilizável por anos ou décadas.
É semelhante a um acidente de carro empilhado em uma pista de rodovia, exceto que não há veículos de emergência no espaço e nenhuma maneira de limpar tudo sem gastar milhões, senão bilhões de dólares, em um processo que dura anos.
No novo relatório, a Nasa apresenta a primeira parte da estratégia de sustentabilidade. Ele cita o rápido crescimento da população de satélites e o espaço cada vez mais congestionado que é a órbita baixa da Terra, bem como todos os pedaços perigosos de lixo espacial, grandes e pequenos.
O relatório também aponta para a recente expansão de constelações artificiais no céu, compostas por milhares de satélites cada uma. A maior delas, de longe, é a Starlink da SpaceX, que pode vir a reunir mais de 40 mil naves espaciais em suas fileiras. O Projeto Kuiper, da Amazon, planeja ficar logo atrás.
Uma grande mancha de lixo
Os modelos de longo prazo da Nasa são úteis, afirma McKnight, pois mostram como os detritos podem continuar se acumulando ao longo de décadas. Mas a agência não está percebendo que coisas ruins já estão acontecendo agora – e elas precisam de soluções agora também, diz ele.
Por exemplo, em 28 de fevereiro de 2024, a espaçonave Timed da Nasa, que estuda a radiação solar na atmosfera superior, teve um contato próximo com um satélite russo extinto de 32 anos. O satélite estava morto e, portanto, não poderia ter se desviado do caminho. Se eles estivessem em rota de colisão, ninguém poderia ter evitado.
Os riscos são maiores para a Estação Espacial Internacional, que abriga os astronautas. A estação foi ameaçada várias vezes por lixo em órbita nos últimos dois anos – uma vez por um pedaço de um antigo foguete russo e outra vez por estilhaços de um teste de míssil antissatélite russo realizado em 2021, o que atrasou uma caminhada espacial planejada da Nasa, já que os detritos poderiam facilmente penetrar em um traje espacial.
Os Estados Unidos, a China e a Índia também testaram mísseis antissatélite, explodindo seus próprios satélites e criando lixo espacial no processo. O problema era tão grave que, em 2022, a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, pediu uma moratória internacional para esses testes de armas poluidoras do espaço.
A exploradora da National Geographic Moriba Jah, que também é engenheira aeroespacial da Universidade do Texas e cofundadora da Privateer Space com Steve Wozniak, da Apple, diz que, em última análise, a Nasa e outras agências e empresas espaciais precisam encarar o fato de que “o destino de tudo o que lançamos é virar lixo, e isso precisa mudar”.
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Tomando providências
Algumas agências já estão tentando fazer o que Jah sugere e a Nasa está tentando recuperar o atraso. A Agência Espacial Europeia lançou sua abordagem de zero detritos há mais de um ano. Ela tem metas específicas que a agência planeja atingir até 2030 para reduzir os riscos de colisões de satélites em órbita.
A Agência Espacial do Reino Unido, por sua vez, anunciou que daria prioridade à sustentabilidade espacial em 2023, e o Japão também começou a investir em empresas espaciais privadas dedicadas a lidar com o lixo espacial. O Japão também está trabalhando com as Nações Unidas para aumentar a conscientização sobre o problema em todo o mundo.
Embora a Nasa esteja atrasada, alguns órgãos reguladores norte-americanos, como a Comissão Federal de Comunicações, têm suas próprias regras sobre lixo espacial. Em 2022, a FCC impôs novas regras destinadas a forçar as empresas de telecomunicações a se desfazerem de suas espaçonaves antigas em vez de deixá-las à deriva em órbita por décadas. A Administração Federal de Aviação também propôs uma regra para fazer com que as empresas espaciais descartem os corpos de foguetes de estágio superior deixados em órbita.
Mas a estratégia da Nasa pode ser um avanço significativo, diz Jah. No entanto, também é uma oportunidade perdida de se vincular aos princípios de gerenciamento de resíduos já desenvolvidos para a poluição da terra, do oceano e do ar, diz ele.
“A comunidade espacial está tentando reinventar a roda”, afirma Jah. Ao contrário de sua contraparte europeia, a Nasa também não tem atualmente um plano concreto para desenvolver uma economia espacial circular, o que significa redesenhar naves espaciais, experimentar novos materiais e combustíveis e reutilizar e reciclar satélites em vez de implantar tantos satélites de uso único.
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Tempo de limpeza
A Nasa também está atrasada para a limpeza de detritos. Uma missão chamada Active Debris Removal by Astroscale-Japan, ou ADRAS-J, foi lançada em fevereiro de 2024 e agora está tentando se aproximar com segurança de um antigo corpo de foguete deixado em órbita há 15 anos.
O objetivo da equipe é obter imagens do pedaço gigante de lixo espacial, caracterizar suas condições e movimentos e sincronizar o giro da espaçonave ADRAS-J com o do corpo do foguete – todos os precursores para removê-lo da órbita, o que uma missão futura poderia realizar.
Enquanto isso, em 2026, a Agência Espacial Europeia e uma empresa privada chamada Clearspace planejam lançar uma espaçonave que usará braços robóticos para capturar uma peça de foguete e puxá-la com segurança para a atmosfera, onde ela e a espaçonave serão queimadas com segurança. De acordo com a Força Espacial dos Estados Unidos, a peça do foguete que eles estão almejando parece ter sido atingida por detritos menores no verão passado, o que demonstra ainda mais o problema e a necessidade de ação.
Os Estados Unidos certamente liderarão suas próprias missões de descarte de lixo espacial, diz Melroy da Nasa, mas a agência ainda precisa elaborar seu plano de sustentabilidade espacial antes de tomar qualquer decisão importante. Ela já está familiarizada com uma miríade de conceitos para organizar a órbita, tendo trabalhado anteriormente na Darpa, uma agência que explora ideias mais distantes, incluindo conceitos para o uso de arpões, redes ou uma luva orbital para coletar lixo no espaço.
Os orçamentos anuais da Nasa dependem, em última instância, do Congresso, que cortou o orçamento da agência para o ano fiscal de 2024 em 2%, com a missão de retorno de amostras de Marte e outros programas perdendo alguns recursos. Uma missão de eliminação de detritos seria um novo investimento importante.
A análise de custo-benefício da Nasa demonstra que a remoção dos 50 objetos mais preocupantes na órbita baixa da Terra – principalmente corpos de foguetes abandonados e outros objetos que orbitam perto de satélites essenciais – seria cara, mas valeria a pena no longo prazo. Também faria sentido, do ponto de vista financeiro, desenvolver lasers e outras tecnologias que pudessem ser usadas para tirar os detritos do caminho do perigo para evitar colisões iminentes, de acordo com essa análise.
No entanto, projetar e implantar essa tecnologia de transporte de lixo levará anos, e sua ampliação levará mais tempo ainda.
Os próximos passos
Em última análise, livrar-se do lixo espacial agora é importante, mas “a remoção ativa de detritos do espaço não pode ser usada como uma panaceia”, comenta Aaron Boley, cientista planetário da Universidade da Colúmbia Britânica e cofundador do Outer Space Institute, uma rede de especialistas espaciais.
“Estou satisfeito por eles terem lançado essa estratégia de sustentabilidade espacial. Há muito trabalho a ser feito”, diz ele. Também é necessário mudar o comportamento, por exemplo, já que é impossível limpar a bagunça se as pessoas continuarem poluindo e deixando mais lixo em órbita.
E ele argumenta que a refletividade das espaçonaves que alteram o céu noturno também deve ser considerada parte da sustentabilidade espacial. Boley e seus colegas escreveram um artigo em março sobre a visibilidade dos satélites durante o eclipse solar total de 8 de abril de 2024, que foi visto por milhões de pessoas na América do Norte.
A órbita da Terra marca o limite do espaço sideral e a sustentabilidade terá de ir além disso.
Rumo à Lua
O restante da estratégia da Nasa incluirá planos de longo prazo para a Lua e sua órbita e para o espaço profundo, que inclui Marte e asteroides.
Por meio do programa lunar Artemis, a Nasa está correndo para desenvolver um posto avançado lunar e uma estação espacial, enquanto a China, a Rússia e o setor espacial comercial também têm seus próprios projetos para a Lua.
Mas os recursos na Lua são limitados. Isso significa que o uso de qualquer gelo de água pela Nasa deve levar em conta as necessidades de outras pessoas, inclusive as das gerações futuras. Essas considerações farão parte dos esforços de sustentabilidade da agência, diz Melroy. “Acho que essas coisas evoluirão com o tempo, à medida que aprendermos, mas vamos nos concentrar em preservar áreas de importância científica e áreas de importância histórica e grande beleza natural.”
Melroy compara a abordagem da Nasa à sustentabilidade espacial com seu trabalho sobre mudanças climáticas, já que a agência espacial vem estudando há décadas o clima da Terra como um sistema holístico e promovendo a sustentabilidade em nosso próprio planeta.
A analogia com o clima também é adequada para a crise do lixo espacial de outra forma, afirma McKnight. “Isso é como o aquecimento global, no sentido de que estamos prevendo sua chegada. Mas ninguém quer agir até que seja realmente um problema”, explica.
“Estamos esperando que algo ruim aconteça para reagirmos, mas é melhor impedir ou negar uma ameaça do que se recuperar dela. Aplaudo o fato de a Nasa estar dando esse passo, mas espero que seja com o nível certo de urgência.”