St. Patrick realmente expulsou as cobras da Irlanda?

Verdade ou lenda? Descubra a real história que envolve o famoso santo e as cobras na Irlanda.

Por James Owen
Publicado 15 de mar. de 2024, 08:00 BRT

De acordo com a tradição de uma lenda local, St. Patrick (ou São Patrício, em português) perseguiu as cobras da Irlanda até o mar.

Foto de Corbis

St. Patrick’s Day, comemorado mundialmente no dia 17 de março, homenageia justamente o São Patrício (nome traduzido para o português), um missionário cristão que supostamente “livrou a Irlanda das cobras” durante o século 5 d.C. segundo uma lenda local.

De acordo com a lenda, o santo padroeiro da Irlanda perseguiu os répteis rastejantes até o mar depois que eles começaram a atacá-lo durante um jejum de 40 dias que ele fez no topo de uma colina.

É reconhecidamente uma história improvável. A Irlanda é um dos poucos lugares do mundo – incluindo a Nova Zelândia, a Islândia, a Groenlândia e a Antártica – que o famoso personagem do cinema, Indiana Jones, e outros humanos avessos a cobras podem visitar sem medo. Isso porque são locais onde elas não são encontradas.

No entanto, as cobras certamente não foram expulsas da Irlanda por St. Patrick, que não teve nada a ver com o status de país livre de cobras da Irlanda, conforme disse Nigel Monaghan, guardião de história natural do Museu Nacional da Irlanda em Dublin, à National Geographic.

Monaghan, que vasculhou vastas coleções de fósseis e outros registros de animais irlandeses, não encontrou nenhuma evidência da existência de cobras na Irlanda.

"Em nenhum momento houve qualquer sugestão de cobras na Irlanda. “Não havia nada para São Patrício banir", disse Monaghan.

O que realmente aconteceu?

As cobras provavelmente não conseguiram chegar à Irlanda. A maioria dos cientistas aponta para a mais recente Era Glacial, que manteve a ilha fria demais para os répteis até o fim, há 10 mil anos. Após a Era Glacial, os mares circundantes podem ter impedido que as cobras colonizassem a Ilha Esmeralda, como também é conhecida a ilha da Irlanda.

Quando as calotas polares e os mamutes lanosos se retiraram para o norte, as cobras voltaram para o norte e oeste da Europa, espalhando-se até o Círculo Polar Ártico.

Mas as cobras não existem na Irlanda há milhares de anos. A Grã-Bretanha, que tinha uma ponte terrestre para a Europa continental até cerca de 6.500 anos atrás, foi colonizada por três espécies de cobras: a víbora venenosa, a cobra da grama e a cobra lisa.

No entanto, a ligação terrestre da Irlanda com a Grã-Bretanha foi cortada cerca de 2 mil anos antes pelos mares inchados pelo derretimento das geleiras, observou Monaghan.

Os animais que chegaram à Irlanda antes que o mar se tornasse uma barreira intransponível incluíam ursos marronsjavalis e linces – mas "as cobras nunca chegaram", afirma ele. "As populações de cobras são lentas para colonizar novas áreas", acrescentou Monaghan.

Mark Ryan, diretor do Louisiana Poison Center no Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual da Louisiana em Shreveport, nos Estados Unidos, disse em 2008 que o momento não era adequado para que os répteis sensíveis e de sangue frio expandissem sua área de distribuição.

"Não há cobras na Irlanda pela simples razão de que elas não puderam chegar lá porque o clima não era favorável para que elas estivessem lá", disse ele.

Outros répteis também não conseguiram chegar, com exceção de um: o lagarto comum ou vivíparo. Único réptil nativo da Irlanda, a espécie deve ter chegado nos últimos 10 mil anos, de acordo com Monaghan.

Pagãos: as cobras metafóricas

Portanto, a menos que St. Patrick não conseguisse distinguir uma cobra de um lagarto, de onde vem a lenda?

Os estudiosos sugerem que a história é alegórica. As serpentes são símbolos do mal na tradição judaico-cristã. A Bíblia, por exemplo, retrata uma serpente como o agente sibilante da queda de Adão e Eva da graça do Paraíso. 

Os animais também estavam ligados a práticas pagãs e, portanto, o ato dramático da suposta “erradicação de cobras por St. Patrick” pode ser visto como uma metáfora de sua influência cristianizadora perante a população.

Cobra falsa

Qualquer pessoa na Irlanda que esteja procurando serpentes para exilar provavelmente terá que se contentar com uma espécie não nativa de lagarto sem pernas que muitas vezes é confundida com uma cobra pequena.

Registrada pela primeira vez no início da década de 1970, acredita-se que a espécie tenha sido introduzida deliberadamente no oeste da Irlanda na década de 1960, de acordo com o Serviço Nacional de Parques e Vida Selvagem da Irlanda.

Entretanto, o réptil não parece ter se espalhado além de uma região de calcário rica em vida selvagem no condado de Clare, conhecida como Burren.

Serpentes em uma planície irlandesa?

No futurocobras irlandesas genuínas são uma possibilidade, disse Monaghan. As cobras de estimação liberadas deliberadamente por seus proprietários seriam a fonte mais provável, embora não sejam bem-vindas.

"Nenhuma espécie exótica é isenta de riscos para a fauna bem estabelecida", explicou Monaghan. "A natureza isolada de uma população insular torna a Irlanda altamente vulnerável a qualquer introdução, por mais bem-intencionada ou mal orientada que seja."

Henry Kacprzyk, curador de répteis do Pittsburgh Zoo & PPQ Aquarium, dos Estados Unidos, disse em 2008 que a vida selvagem nativa da Irlanda não estaria preparada para a introdução de cobras. Cobras invasoras, como a cobra marrom, já causaram estragos na ilha de Guam e em outros ecossistemas insulares, acrescentou ele.

Livrar-se de qualquer uma dessas criaturas indesejadas também não seria tão fácil quanto a lenda em torno de St. Patrick faz parecer. "Não quero acabar completamente com o mito comemorativo de SPatrick", disse Kacprzyk. "Quero manter parte dele vivo."

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