Seca extrema ameaça as plantações de arroz da Itália
Luca Rizzotti regula a inundação de seu arrozal em Novara, Itália, em 23 de junho de 2022. Ele está tentando salvar pelo menos parte da safra da seca. A falta de chuva exigiu que os agricultores sacrificassem parte de suas plantações de arroz.
Novara, Itália | Massimo Saronni atravessa seu campo de arroz, cada passo um barulho alto. Este campo deve ser inundado com água, florescendo com lâminas verde-esmeralda de um metro e meio e panículas de arroz douradas.
Em vez disso, as plantas adquiriram uma coloração marrom-amarelada e o solo endureceu por falta de chuva. Pequenas manchas de galhos sobreviventes pontilham o campo, mas só chegam ao tornozelo.
“Estas culturas estão seriamente danificadas. Elas não têm água, então não vão conseguir”, conta Saronni, que trabalha como agricultor de arroz há mais de 30 anos. Ele cultiva diferentes variedades de arroz, incluindo carnaroli, um arroz com alto teor de amido apreciado na culinária italiana por causa do risoto cremoso.
O norte da Itália está sofrendo com altas temperaturas e sua pior seca em mais de 70 anos. Grandes trechos do Pó, o rio mais longo da Itália, se transformaram em praias arenosas. Seus famosos lagos, incluindo Maggiore e Como, também estão recuando. Muitos canais que saem de fontes de água doce e alimentam campos agrícolas como o de Saronni estão agora estagnados e secando.
A região não vê chuvas sustentadas desde novembro passado. A causa dessa seca não é nenhum mistério: o inverno produziu pouca neve para alimentar os rios; em seguida, uma onda de calor no início do verão atingiu temperaturas próximas de 37ºC – normalmente eram abaixo de 26ºC.
“Esses fenômenos extremos vêm ocorrendo com frequência cada vez maior”, alerta Barbara di Rollo, consultora sênior de políticas sobre solo e recursos hídricos da Confederação dos Agricultores Italianos. “É algo que vimos chegando e, infelizmente, agora estamos tendo que conviver com isso.”
O clima desfavorável já afetou seriamente a indústria do arroz. As estimativas dizem que os agricultores esperam perder cerca de 30% de seus rendimentos este ano, e a indústria já sofreu prejuízos de cerca de 3 bilhões de dólares como resultado da seca. Muitos dos campos mais atingidos estão nas regiões da Lombardia e Piemonte, que juntas produzem cerca de 90% do arroz da Itália.
A Itália é o maior produtor de arroz da União Europeia – respondendo por mais da metade de sua produção total – e os importadores de arroz italiano certamente sentirão o aperto.
Os arrozais são regularmente inundados, principalmente para manter as ervas daninhas afastadas e as temperaturas estáveis entre os dias quentes e as noites mais frias. Mas não é a única safra afetada; a seca e o calor também devem prejudicar até metade da indústria agrícola da Itália, com uma queda de até 50% na produção de milho e reduções significativas nas frutas de verão, vegetais e laticínios.
Como enfrentar a seca?
À medida que os dias se estendem com pouca ou nenhuma chuva e os campos assam sob o sol do verão, as autoridades tomaram medidas para mitigar os danos às plantações. Em 4 de julho, a Itália declarou estado de emergência até o final do ano em cinco das regiões mais afetadas, e anunciou quase 40 milhões de dólares para ajudar agricultores em dificuldades.
Muitos ainda não receberam nenhum apoio financeiro do governo, mas os esforços para quantificar os danos e determinar a magnitude das perdas estão em andamento, diz Stefano Greppi, agricultor de arroz e presidente regional da Coldiretti, o maior sindicato agrícola da Itália.
Os distribuidores regionais estão coordenando o transporte de água para os agricultores mais atingidos, priorizando o arroz em detrimento de outras culturas, como árvores frutíferas. O arroz pode tolerar muita água, mas não é necessário para a cultura sobreviver. Para isso, os agricultores podem usar menos água e muitos estão plantando arroz sem inundar os campos e redistribuindo água para os agricultores mais necessitados, diz Greppi.
Mas para muitos é um pouco tarde demais. Uma vez que os campos ficam amarelos ou marrons, quase não há como fazê-los produzir grãos de arroz naquela estação. Alguns agricultores, incluindo Gianni Spaltini, que cultiva uma variedade de arroz usada para sushi, diz que espera perder mais de 70% de sua colheita este ano.
“Em meus 30 anos trabalhando com arroz, nunca vi nada assim – nem mesmo meus pais ou avós”, diz Spaltini, agricultor de terceira geração.
Para tentar se manter à tona, Spaltini venderá algumas de suas safras de milho sobreviventes para serem usadas como biocombustível.
Mas mesmo essa estratégia dificilmente manterá seu negócio funcionando sem ajuda, dados os grandes investimentos que ele já fez na safra de arroz deste ano, incluindo compra de sementes, combustível, fertilizantes e muito mais. A guerra na Ucrânia elevou alguns desses custos, principalmente os preços dos combustíveis para seus caminhões.
Saronni e outros acabarão vendendo o arroz que conseguirem produzir a um preço mais alto devido à escassez. Mas esse custo será inevitavelmente repassado aos consumidores, e os mais pobres provavelmente serão os mais afetados. “Aqueles que serão mais punidos por isso são os mais vulneráveis da sociedade”, diz Ettore Prandini, presidente da Coldiretti.
Normalmente, os agricultores com seguro seriam capazes de cobrir alguns dos custos de eventos climáticos prejudiciais como este. Mas, nos últimos anos, a grande maioria das seguradoras decidiu não cobrir secas, diz Greppi. Ele suspeita que isso seja porque fazer isso no norte da Itália se tornou muito arriscado e não lucrativo para eles.
“Esta situação levou a um sério problema de sustentabilidade econômica do custo desses riscos para o setor de seguros”, informou a Associação Nacional de Seguradoras, da Itália, em comunicado à National Geographic. As seguradoras trabalharão em estreita colaboração com o Departamento de Agricultura, Alimentos e Silvicultura da Itália, que está fornecendo 650 milhões de dólares em fundos até 2027 para ajudar a gerenciar riscos e apoiar os agricultores locais, acrescentou a associação.
Mudanças climáticas não são os únicos culpados
A falta de neve, seguida de temperaturas escaldantes devido às mudanças climáticas, são os culpados mais óbvios por esta seca, mas não os únicos. O sistema de rede de água da Itália é antigo e altamente ineficiente.
As tubulações têm vazamentos e são mal conservadas, e a água usada na agricultura muitas vezes não é reciclada, explica Rossella Muroni, vice-presidente da comissão ambiental da Itália. Como resultado, cerca de 40% da água transportada de um lugar para outro na Itália se perde no trânsito e apenas cerca de 10% da água da chuva é coletada, destaca Prandini.
“Tem buracos, rupturas – é um sistema de rede de água que está em mau estado”, aponta Prandini. “É imperativo que invistamos em projetos de infraestrutura de médio prazo.”
Recentemente, a Itália desbloqueou cerca de 4 bilhões de dólares como parte de uma iniciativa para melhorar seu sistema de água, incluindo a construção de reservatórios de emergência em toda a região norte, lembra Prandini. Ambos os projetos ajudariam muito a combater a raiz dos problemas da Itália, ele reconhece, mas também levarão vários anos para serem concluídos.
Outra abordagem possível é alocar quantidades precisas de água às lavouras de arroz, permitindo algum nível de inundação, mas evitando o desperdício. No entanto, o excesso de confiança nesses tipos de métodos pode sair pela culatra se não for feito com cuidado, diz Guillaume Gruere, analista sênior de políticas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Em sistemas hidráulicos, a água se move de um local para outro e parte disso – conhecido como fluxo de retorno – corre de volta para a fonte, por exemplo, um reservatório. Mas em um sistema altamente eficiente, toda a água pode acabar sendo usada pelas lavouras, levando a colheitas maiores, mas não deixando reservas de água.
“É um paradoxo”, diz ele. “Se você for muito rápido com todas essas tecnologias sem ter nenhum controle, poderá ver que a água diminui todos os anos e, de repente, você fica seco.”
Variar os tipos de culturas que os agricultores produzem no norte da Itália é outro caminho possível, ele esclarece. O arroz é amplamente consumido e cultivado no norte da Itália há séculos, portanto, mudar as práticas não é tarefa fácil. Mas os agricultores também precisam enfrentar a dura realidade de que o cultivo de arroz no clima atual está rapidamente se tornando insustentável. A transição para outros grãos que usam equipamentos e técnicas semelhantes, como o trigo, pode ser uma maneira de mudar e ao mesmo tempo diminuir esses riscos, aponta Gruere.
Fazer uma troca é complexo e deve ser guiada por uma força-tarefa que ligue pesquisadores especializados de universidades e governo a agricultores locais, diz Muroni. “Não podemos deixá-los para trás”, destaca. “São pessoas que estão produzindo nossos alimentos.”
Alguns produtores de arroz, como Saronni, já planejam mudar as lavouras para trigo, que pode crescer durante o inverno no clima temperado da região e não requer inundações. Com a Ucrânia já não produzindo tanto trigo devido à guerra com a Rússia, ele vê isso como uma nova oportunidade de mercado que surgiu de circunstâncias horríveis. Mas mudar de safra não é tão simples, já que os regulamentos da UE vinculam o financiamento à produção de cinco anos de uma safra e, em muitos casos, nesta região, é o arroz.
Mas para todos os agricultores da região, mudar o que cultivam não resolve a raiz do problema, nem as colheitas desastrosas deste ano, causadas pela crise climática. Produzir trigo, soja ou outros grãos pode ajudar temporariamente, mas as temperaturas mais altas logo chegarão, prevê Spaldini. “Não sei o que se pode fazer com essa situação de crise climática.”
O que está claro é que esperar não é uma opção, diz di Rollo. Em vez de responder à próxima crise à medida que ela vier, as pessoas precisam se unir e impedir que elas aconteçam em primeiro lugar. Isso, diz ela, implicará investimentos de longo prazo para reforçar a frágil infraestrutura hidráulica da Itália.
“Este não é um problema sazonal, não pode ser resolvido simplesmente com uma declaração de emergência”, acredita di Rollo. “Precisamos resolver esses problemas antes que eles aconteçam.”