Fósseis podem revelar o dia exato em que os dinossauros morreram

Relatos de um impressionante sítio paleontológico nos EUA estão deixando cientistas ansiosos por mais descobertas.

Por Michael Greshko
Publicado 9 de abr. de 2019, 07:40 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Camadas de rocha no oeste dos EUA, conhecidas como a Formação Hell Creek, preservam os últimos ...
Camadas de rocha no oeste dos EUA, conhecidas como a Formação Hell Creek, preservam os últimos milênios da era dos dinossauros. Um local próximo em Dakota do Norte chamado Tanis pode abrigar sedimentos dispostos minutos ou horas após o impacto do asteroide, que causou o evento de extinção em massa há 66 milhões de anos.
Foto de Danita Delimont / Alamy Stock Photo

Alguns minutos após um asteroide de quilômetros de largura ter atingido a Terra há 66 milhões de anos, uma tempestade de granizo, com minúsculas esferas de vidro, atingiu um estuário inundado onde hoje é a Dakota do Sul, nos Estados Unidos. Ondas sísmicas provocadas pelo impacto deslocaram a água. Plantas e animais foram arrasados e enterrados em camadas de sedimentos, responsáveis por preservá-los por milênios.

Agora, os pesquisadores afirmam que esse local, recém-descrito em um artigo da Proceedings of the National Academy of Sciences, é um retrato extremamente raro do momento que marcou o extermínio dos dinossauros. Diversos fósseis já foram encontrados antes em outros lugares que também capturaram esse momento no registro geológico, conhecido como limite K-Pg (limite entre os períodos Cretáceo e Paleógeno). Mas o sítio paleontológico de Dakota do Norte possivelmente representa todo um ecossistema afetado pela catástrofe.

"Basicamente, o que temos lá é o equivalente geológico a um filme acelerado do primeiro momento após o impacto", afirma o principal autor do estudo, Robert DePalma, doutorando da Universidade do Kansas e curador do Museu de História Natural em Palm Beach.

O líder do estudo, Robert DePalma, realiza pesquisa de campo em Tanis.
Foto de Robert DePalma

"Ver organismos que teriam sido impactados pelo real evento no fim do período Cretáceo é simplesmente incrível", comenta outro autor do estudo, Philip Manning, paleontólogo da Universidade de Manchester.

O New Yorker publicou reportagem descrevendo o local, algumas partes apresentam um nível de detalhes maior que o fornecido pelo próprio estudo. De acordo com DePalma, o novo artigo da PNAS será apenas o primeiro de diversos estudos científicos que fornecerão outros detalhes dessa descoberta surpreendente.

Mas, então, o que os dados publicados realmente revelam até o momento? E o que mais o local pode oferecer aos paleontólogos? Temos as respostas.

Chuva de vidro

O sítio na Dakota do Norte, apelidado de Tanis em homenagem à antiga cidade "perdida" no Egito, está localizado em propriedade particular, em uma pequena parcela da grande Formação Hell Creek, uma série de camadas rochosas que registram as centenas de milênios até o momento em que os dinossauros foram extintos.

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    Durante uma expedição em Tanis, outro autor do estudo, Mark Richards (esquerda, fundo), observa Robert DePalma, líder da equipe, examinar sob um microscópio materiais projetados pelo impacto.
    Foto de Robert DePalma

    DePalma ficou sabendo do lugar a partir de um comerciante de fósseis que ele conhece e que havia estado no local e encontrado pouca coisa de valor. A julgar pelo peixe encontrado, o comerciante de fósseis pensou que o sítio fosse o depósito de uma lagoa formada milhares de anos antes do limite K-Pg. Porém, quanto mais DePalma mapeava o local, mais motivos ele tinha para pensar diferente. E se o local fosse na verdade a parte mais baixa de um vale com um rio?

    Conforme descrito no artigo, DePalma encontrou sinais claros do impacto K-Pg nos sedimentos do local, incluindo pedaços de quartzo triturados pela imensa pressão do impacto, além de muitos escombros formados pelo impacto.

    A queda do asteroide formou uma cratera na crosta da Terra de cerca de 80 quilômetros de largura e 29 quilômetros de profundidade, lançando pedaços de rocha derretida para todos os lados a uma velocidade devastadora. A uma grande altitude na atmosfera, os escombros foram reduzidos a minúsculas esferas de vidro, muitas das quais com menos de um milímetro. Essas partículas, chamadas de tectitos, começaram a ser lançadas de volta à Terra cerca de 15 minutos após o impacto, em uma torrente de vidro que durou 45 minutos.

    Os depósitos de Tanis contêm uma massa bem preservada de peixes emaranhados que reteve as formas tridimensionais dos animais.
    Foto de Robert DePalma

    Em muitos sítios K-Pg, os tectitos formaram uma discreta camada, mas o mesmo não ocorreu em Tanis. As diversas camadas de sedimento no local estão abarrotadas de tectitos, que os pesquisadores interpretam como um sinal de inundação e recuo da água durante a queda dos tectitos. Alguns tectitos ficaram retidos em resina de árvore antes de serem fossilizados em âmbar. A equipe de DePalma até mesmo alega a existência de um tectito enterrado em um buraco de 5 centímetros de profundidade que o próprio tectito formou no sedimento ao cair. Ao ser introduzido no solo, um cardume de peixes foi enterrado todo de uma vez, e os corpos foram preservados de forma impressionante, incluindo guelras congestionadas com pedaços dos escombros formados pelo impacto.

    "O fenômeno basicamente criou uma reserva dos elementos mais raros e menos representados [na formação rochosa] em um depósito que podemos estudar por décadas, e isso sem incluir o cenário do impacto", afirma DePalma.

    "Eu certamente estava encarando o estudo com ceticismo, mas para ser honesta, após ter lido o artigo, pessoalmente, eu teria muita dificuldade para apresentar uma explicação alternativa", diz Victoria Arbour, curadora da área de paleontologia do Royal BC Museum que não participou do estudo.

    Ken Lacovara, paleontólogo da Rowan University, que também não participou do estudo, aponta que mais de 350 sítios em todo o mundo preservam o limite K-Pg, e alguns deles também possuem fósseis. Em 1987, paleontólogos descreveram dentes de tubarão e conchas de moluscos em um local K-Pg na região central da Polônia. Em 2013, pesquisadores na Dinamarca encontraram dentes de tubarão isolados no terreno argiloso disposto pela chuva de resíduos causada pelo impacto. Mas Manning e outros pesquisadores que viram os fósseis de perto destacam que o Tanis é um lugar único.

    Um corte do depósito de Tanis demonstra a estratigrafia em camadas de duas ondas e alguns animais fossilizados.
    Foto de Robert DePalma

    "É simplesmente indescritível", afirma Greg Erickson, paleobiólogo da Universidade do Estado da Flórida, que não participou do estudo, mas que viu os peixes fossilizados em primeira mão ao visitar o laboratório de DePalma há algumas semanas. "Nunca vi nada igual e há uma abundância de elementos!"

    Inundação causada por movimentos sísmicos

    Embora DePalma e colegas interpretem o local como um estuário em um vale com rio, há sinais de criaturas no Tanis que normalmente viviam no mar. O estudo documenta alguns fósseis marinhos em fragmentos, incluindo dentes de tubarões pré-históricos, répteis aquáticos chamados mosassauros e um tipo extinto de molusco chamado amonita. DePalma e sua equipe interpretam a mistura de animais terrestres e marinhos como um sinal de que as águas de um mar no continente repentinamente adentraram o rio, deixando rastros nas margens do rio em Tanis.

    "A presença de amonita no local é algo muito estranho... é como se colocássemos uma lula na parte norte do Rio Potomac", afirma Kirk Johnson, diretor do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsoniano e especialista na Formação Hell Creek. Johnson complementa que se o dente de mosassauro for confirmado como sendo da mesma idade do restante dos materiais encontrados no local, é possível que ele represente o mosassauro mais jovem já encontrado.

    Os sedimentos também sugerem que uma torrente repentina de água tenha coberto o local. Inicialmente, os pesquisadores acreditavam que o dilúvio era um tsunami causado pelo impacto no Mar Interior Ocidental, um corpo d'água da era dos dinossauros que se estendia do Golfo do México ao noroeste da América do Norte. Mas os horários não coincidiam: o tsunami teria levado de 8 a 16 horas para atingir Tanis, mas a inundação do local deve ter ocorrido dentro das primeiras quatro horas após o impacto.

    A equipe acredita em outra teoria, de que as inundações tenham sido ondas seiche, pulsos de inundação causados por terremotos de magnitude 10 a 11 ativados pelo impacto. Assim como os passos do T. rex faziam tremer todos os copos d'água no filme Jurassic Park, o impacto do asteroide teria gerado tais ondas que teriam atingido corpos d'água em todas as partes do mundo.

    Alegações extraordinárias

    Até o momento, muitos geólogos e paleontólogos receberam bem as ideias do estudo sobre o impacto do asteroide.

    "A beleza do estudo, e se trata de um belo estudo, está no fato de o estudo ser aquilo que se espera: uma rocha gigantesca atinge a Terra, coisas acontecem", diz Paul Renne, geocronologista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que estudou detalhadamente as épocas do final do período Cretáceo.

    O líder do estudo Robert DePalma (direita) e sua assistente de campo Kylie Ruble utilizam gesso para estabilizar uma laje com fóssil antes de removê-la do solo.
    Foto de Robert DePalma

    Entretanto quase todos os paleontólogos contatados pela National Geographic que não participaram do estudo levantaram algumas questões referentes à divulgação inicial da descoberta, retomando o momento em que DePalma apresentou prévias em conferências de 2013 e 2016. Alguns pesquisadores ficaram tão chocados com suas alegações na época que imaginaram se o local não seria bom demais para ser verdade.

    Parte dos trabalhos iniciais de DePalma também levantou suspeita, incluindo um erro nada discreto. Em 2015, DePalma revelou uma nova espécie de dinossauro chamada Dakotaraptor, mas um estudo de 2016 liderado por Arbour revelou que DePalma havia acidentalmente incluído ossos de tartaruga fossilizados na reconstrução do esqueleto do Dakotaraptor. Ainda, os colegas de DePalma vigorosamente defendem seu trabalho em Tanis.

    "Não há ninguém que nunca tenha errado em algum momento", afirma Manning. "Ele produziu um estudo impressionante".

    Também existem preocupações sobre a falta de visibilidade. A matéria do New Yorker publicada dias antes do estudo científico em questão e seu suplemento de 69 páginas foram programados para serem formalmente apresentados online. A National Geographic obteve ambos os documentos e os distribuiu a pesquisadores externos para que comentassem.

    De acordo com o New Yorker, Tanis apresenta uma abundância de fósseis, incluindo dentes, ossos e restos de animais recém-eclodidos de quase todos os grupos de dinossauros conhecidos da Formação Hell Creek. A matéria também relata a presença de penas de 30 centímetros de comprimento, possivelmente de dinossauros, restos de pterossauros e um ovo não eclodido contendo um embrião preservado.

    Contudo nenhum desses detalhes constam no estudo. Nenhum osso de dinossauro é mencionado no estudo principal e o suplemento destaca apenas um fragmento de osso do quadril de um dinossauro com chifres, como o Triceratops, encontrado com "impressões associadas de tecido". (O New Yorker alega que um pedaço de pele fossilizada do tamanho de uma maleta encontra-se fixado ao fragmento ósseo).

    "O estranho é que DePalma tem se comportado de maneira bastante hiperbólica e enigmática nos últimos seis anos", afirma Johnson do Instituto Smithsoniano, que também foi entrevistado para a matéria do New Yorker. "O artigo é bom, e podemos falar sobre sua importância, [mas nós] o comparamos com a matéria do New Yorker, que apresenta muito mais detalhes e muito mais alegações. Isso nos deixa um pouco confusos".

    Steve Brusatte, paleontólogo da Universidade de Edimburgo e bolsista da National Geographic, também expressa certa consternação: "No momento, tenho mais perguntas do que respostas... É estranho".

    Para verificar as alegações do estudo, paleontólogos dizem que DePalma precisa ampliar o acesso ao local e aos materiais.

    "Esse é o caso em que alegações extraordinárias requerem evidências também extraordinárias; o júri não deve decidir nada até que outras pessoas analisem o caso", afirma Kevin Padian, paleontólogo da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

    "Se eu estivesse na pele [de DePalma], vestiria a minha armadura científica e me prepararia para muitas críticas, mas não acredito que isso seja um problema", diz Arbour. "A natureza da ciência deve permitir que as pessoas apresentem diferentes perspectivas e diferentes abordagens".

    DePalma afirma que o novo estudo deve ser visto como uma introdução geológica sobre Tanis, não uma descrição completa, e que a equipe está trabalhando em publicações posteriores. Ainda, os fósseis escavados estão sendo disponibilizados em acervos de museus, tornando-os acessíveis para estudos mais detalhados. O osso do dinossauro com chifres, por exemplo, está agora na Florida Atlantic University.

    Os pesquisadores afirmam que já foram iniciadas discussões com o dono da propriedade sobre a melhor forma de proteger Tanis para a posteridade. Enquanto isso, o local continua a revelar seus segredos.

    "Eles encontram algo inédito quase todos os dias que escavam", diz outro autor do estudo, Mark Richards, um geofísico que já trabalhou na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e que agora está na Universidade de Washington, e que visitou o local em 2017. "Você pode passar dias ou meses em um local de escavação e não achar nada interessante e [DePalma] descobre coisas de hora em hora, literalmente. É inacreditável".

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