As histórias de fantasmas da Roma Antiga: das mais arrepiante às mais absurdas

Histórias de fantasmas assustadores aparecem em vários textos sobre a Roma Antiga. O que elas revelam sobre as pessoas que as contaram?

Por Becky Little
Publicado 29 de out. de 2025, 17:01 BRT
A deusa Roma aparece a Júlio César nas margens do rio Rubicão. Um dos gêneros mais ...

A deusa Roma aparece a Júlio César nas margens do rio Rubicão. Um dos gêneros mais comuns das histórias sobrenaturais da Roma Antiga era o aparecimento de figuras espectrais como esta.

Foto de Richard Westall, Berger Collection Educational Trust, Bridgeman Images

Você acredita em fantasmas? Foi isso que o proeminente advogado e estadista romano Plínio, o Jovem, perguntou a seu amigo em uma carta por volta do ano 100 d.C., na Roma Antiga.

“Gostaria muito de saber se você acredita na existência de fantasmas”, escreveu Plínio, “e se eles têm formas próprias e alguma existência divina, ou se são imagens irreais que assumem formas a partir de nossas próprias ansiedades”.

Plínio estava escrevendo para seu amigo Sura, um senador romano. Para dar a Sura algo em que pensar, Plínio contou três histórias assustadoras que havia ouvido. A primeira era sobre um homem que viu uma aparição que previu seu sucesso políticotambém sua morte

A segunda história era sobre uma casa e o fantasma que a assombrava, fazendo barulho com correntes. A terceira era sobre incidentes que supostamente aconteceram na própria casa de Plínio — mas falaremos mais sobre isso depois.

Histórias de fantasmas aparecem em vários textos romanos antigos. No entanto, ao contrário das histórias de suspense de hoje em dia, elas geralmente têm apenas algo da vida de um general ateniense, que ele mencionou brevemente em uma casa de banhos grega que ficou assombrada após um assassinato.

“Por muito tempo, depois que as aparições continuaram a ser vistas e gemidos a serem ouvidos naquele lugar, segundo nos contaram nossos pais, eles ordenaram que os portões das casas de banhos fossem construídos”, escreveu Plutarco. “E até hoje aqueles que moram na vizinhança acreditam que às vezes veem espectros e ouvem sons alarmantes.”

Mas o que os antigos romanos realmente pensavam sobre fantasmas? National Geographic procurou pistas examinando os tipos de histórias espectrais que circulavam na Roma Antiga

Casas assombradas da Roma Antiga


carta de Plínio contém “essa maravilhosa história de fantasmas em uma casa mal-assombrada [que] é persistente ao longo da antiguidade”, comenta Daniel Ogden, professor de história antiga da Universidade de Exeter, na Inglaterra e autor do livro “Magic, Witchcraft and Ghosts in the Greek and Roman Worlds” (que seria algo como “Magia, Bruxaria e Fantasmas nos Mundos Grego e Romano”, mas o livro não tem ainda uma edição em português).

Em sua carta a Sura, Plínio disse ter ouvido uma história sobre uma casa em Atenas, na Grécia, assombrada por um espectro que usava correntes assustadoramente barulhentas. A casa ficou abandonada até que, um dia, um filósofo decidiu se mudar para lá.

Enquanto escrevia à noite à luz de uma lamparina, o filósofo ouviu as correntes do fantasma se aproximando cada vez mais, até que o espírito apareceu no quarto com ele.

Ogden vê a história da casa mal-assombrada na carta de Plínio como parte de uma tradição folclórica que remonta à Grécia antiga e continuou após a queda do Império Romano Ocidental por volta de 476 d.C. 

As histórias de casas mal-assombradas nessa tradição costumavam ter características semelhantes, como uma figura heróica. Em histórias pagãs como a de Plínio, o herói é um filósofo; em uma versão cristã do final do século V, o herói é um bispo.

primeira grande história romana sobre casas assombradas é a Mostellaria, ou “A Casa Assombrada”, uma comédia do dramaturgo Plauto por volta de 200 a.C. A peça parece ser baseada em uma comédia grega perdida chamada Phasma, do final do século 4 ou início do século 3 a.C., sugerindo que o folclore das casas assombradas remonta pelo menos a essa época

Em Mostellaria, um escravo tenta convencer seu senhor supersticioso, que acaba de voltar para casa após uma longa viagem, de que ele não deve entrar em sua casa porque ela está assombrada. Na verdade, ele está mentindo para encobrir o filho do senhor, que tem dado festas na casa durante a ausência do pai. 

(Você pode se interessar também: Roma Antiga: Nero, Calígula e mais imperadores que viraram tema de histórias de fantasmas)

Sepultamentos inadequados realizados na época


Embora a história do escravo sobre o fantasma seja comicamente contraditória, ela ressalta outro tema recorrente nas histórias de fantasmas da Roma Antiga: o enterro inadequado.

“Permanecer sem enterro ou ser enterrado de forma inadequada era o que mais provavelmente causava assombrações.”

por Debbie Felton
Professora de Literatura Clássica da Universidade de Massachusetts

“O enterro adequado era extremamente importante”, diz Debbie Felton, professora de Literatura Clássica da Universidade de Massachusetts Amherst, nos Estados Unidos e autora do livro “Haunted Greece and Rome: Ghost Stories from Classical Antiquity”. Nas histórias de fantasmas da Roma Antiga, “permanecer sem enterro ou ser enterrado de forma inadequada era o que mais provavelmente causava assombrações”.

A história da casa assombrada de Plínio também envolve um enterro inadequado. Em vez de se afastar com medo, o filósofo permitiu que o fantasma o levasse a um local do lado de fora, onde o fantasma desapareceu. De manhã, o filósofo pediu aos magistrados locais que desenterrassem aquele local, e eles descobriram restos mortais humanos envoltos em correntes. Depois de dar aos restos mortais um enterro adequado, a assombração cessou.

Intervenção semidivina 


Mesmo que você não esteja sendo assombrado, histórias romanas antigas sugerem que ainda era uma boa ideia dar um enterro adequado a qualquer cadáver que você encontrasse, porque seu fantasma poderia ajudá-lo mais tarde. O orador e estadista romano Cícero registrou uma das primeiras histórias de fantasmas desse gênero folclórico de “mortos agradecidos” por volta de 44 a.C.

No diálogo De Divinatione, ou Sobre a Adivinhação, de Cícero, um poeta chamado Simonides encontra o cadáver de um homem e lhe dá um enterro adequado. Depois disso, o fantasma do homem recompensa Simonides, alertando-o para não embarcar em uma viagem que estava por vir, pois o navio naufragaria. Ele segue o conselho do fantasma e evita a morte, pelo menos para si mesmo. “Pena que Simonides não alertou os outros passageiros”, observa Felton em seu livro.

Nem todas as figuras espectrais eram fantasmas dos mortos. Os antigos romanos também registraram histórias de aparições grandes e semidivinas. O historiador romano Suetônio escreveu que Júlio César viu uma aparição desse tipo antes de cruzar o rio Rubicão, no início de sua guerra civil. E, na carta de Plínio a Sura, ele começou contando uma história sobre uma aparição que previu corretamente a ascensão política de um homem.

Ambas as histórias enquadram os sucessos dos videntes como produtos do destino ou do acaso, fazendo com que pareçam mais propaganda política do que histórias assustadoras.

(Conteúdo relacionado: Veja 8 mitos sobre a Roma Antiga – e descubra algumas verdades)

Mas em que os romanos realmente acreditavam?


Assim como as pessoas hoje em dia, os antigos romanos tinham crenças pessoais variadas sobre a existência de uma vida após a morte e se o fantasma de uma pessoa falecida conhecida (ou algum outro espírito) poderia aparecer aos vivos.

No entanto, os estudiosos apontam que, das três principais histórias escritas na Roma Antiga sobre casas mal-assombradas que sobreviveram, duas são cômicas ou satíricas. Ao zombar das histórias de casas mal-assombradas, essas narrativas pressupõem que seu público já está familiarizado com o conceito de casas mal-assombradas, provavelmente por meio de contos orais. Além disso, seu tom sugere que nem todos acreditavam nessas histórias.

Por exemplo, a última grande história romana sobre casas mal-assombradas aparece em um diálogo de Luciano, um satirista do século 2 da Síria romana. Em uma parte do diálogo, conhecido como Philopseudes, ou “O Amante das Mentiras”, um filósofo conta a um ouvinte sobre um encontro com uma casa mal-assombrada em Corinto. 

Assim como o herói de Plínio, o filósofo de Luciano diz que acabou com a assombração ao encontrar os restos mortais do espírito e facilitar um enterro adequado. No entanto, o ouvinte cético não acredita nele — talvez convidando os leitores a questionarem as histórias de fantasmas que ouviram também.

E o que Plínio acreditava? Você pode procurar pistas na última “história de fantasmas” em sua carta, aquela que aconteceu em sua casa. Plínio escreveu que duas pessoas hospedadas em sua residência — uma delas um menino escravo, a outra o irmão de um servo — acordaram em dias diferentes e descobriram que alguém havia cortado seus cabelos enquanto dormiam. Os fios de cabelo cortados ainda estavam ao lado deles, e ambos afirmaram ter visto figuras misteriosas durante a noite.

Plinio encerrou sua carta ao amigo Sura pedindo que ele respondesse diretamente se acreditava que fantasmas eram reais, “para não me deixar em suspense e incerteza, já que estou consultando você para acabar com minhas dúvidas”. Nunca saberemos o que realmente aconteceu na casa de Plínio (ou como Sura respondeu), mas Felton tem uma teoria.

“Acho que alguém estava pregando uma peça em Plínio”, afirma ela, “e ele simplesmente não entendeu”.

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