
A descoberta de uma caverna na superfície da Lua pode ser um bom abrigo futuro para astronautas
O Lunar Reconnaissance Orbiter da Nasa (ilustrado com a Terra ao fundo) detectou a primeira evidência direta de um tubo de lava sob um antigo oceano de magma chamado Mare Tranquillitatis.
Os primeiros astronautas desde a era da missão Apollo pousarão na superfície lunar ainda nesta década. Se o programa Artemis da Nasa prosseguir conforme planejado, ele estabelecerá, pouco a pouco, uma presença permanente na Lua, em torno do Polo Sul lunar, rico em água.
Isso não é tarefa fácil. Afinal, a Lua é um dos ambientes mais extremos e hostis do Sistema Solar: apresenta variações bruscas de temperatura dentro e fora da luz solar, é ocasionalmente sacudida por intensos terremotos lunares e está quase sempre encharcada pela radiação galáctica e estelar que chove do alto.
“A superfície lunar é hostil para humanos e máquinas”, afirma Tracy Gregg, vulcanologista planetária da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos.
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Embora as estruturas artificiais erguidas na superfície lunar proporcionem abrigo, seria útil se a própria Lua oferecesse algumas defesas naturais. Um estudo publicado em 2024 na revista científica Nature Astronomy fornece a primeira evidência direta da existência de tais abrigos naturais.
Ao examinar dados antigos de radar coletados por uma sonda em órbita lunar, os pesquisadores descobriram que uma cavidade suspeita próxima ao local de pouso da Apollo 11 não é apenas uma cavidade, mas uma longa caverna — um túnel vulcânico formado por um antigo fluxo de lava.
Tubos de lava e cavernas existem na Terra e têm fornecido refúgio aos viajantes humanos contra condições climáticas intensas há quase 10 mil anos. A caverna descoberta na Lua provavelmente é muito semelhante às da Terra, e os cientistas suspeitam que ela não seja a única: acredita-se que existam inúmeros condutos desse tipo por toda a Lua.

A superfície da Lua está repleta de crateras ou clarabóias como esta, chamada Marius Hill (mostrada nas três imagens acima sob diferentes exposições solares). As temperaturas dentro dessas crateras, que podem levar a cavernas subterrâneas, são mais estáveis do que as da superfície da Lua.
As paredes vulcânicas primordiais dessas cavernas darão aos geólogos uma visão do passado distante da Lua e também podem conter água gelada inestimável, que pode ser convertida em combustível para foguetes.
Mas o mais importante é que, se essa rede de cavernas extraterrestres existir, ela poderá oferecer proteção contra as ameaças mais sobrenaturais da Lua, desde radiação solar até a queda de micrometeoritos, afirma Leonardo Carrer, pesquisador da Universidade de Trento, na Itália, e autor do novo estudo.
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Em busca de cavernas de lava
Hoje, a Lua é um deserto silencioso e prateado. Mas já foi um paraíso vulcânico hiperativo, onde rochas derretidas jorravam para o espaço e choviam de volta como lágrimas vítreas, e onde enormes mares de lava se agitavam. Com grande parte de seu calor interno agora perdido, o vulcanismo da Lua se extinguiu, deixando para trás todos os tipos de características sinuosas na superfície.
Entre essas características estão os tubos de lava, túneis ocos que outrora isolaram e canalizaram rios de rocha incandescente. Eles existem e ainda estão sendo criados na Terra hoje. Há muito se acredita que tubos de lava frios e cristalizados, cavernas e condutos se escondem pela Lua, particularmente dentro das maria — manchas escuras de mares magmáticos congelados.
Voando alto acima da superfície, a câmera do Lunar Reconnaissance Orbiter (LRO) da Nasa só consegue ver buracos, que não necessariamente levam a cavernas extensas. O LRO, no entanto, está equipado com um pequeno sistema de radar que, se apontado para esses buracos no ângulo certo, pode alcançar suas profundidades potencialmente maiores.
Carrer e seus colegas analisaram dados de radar pré-existentes e se concentraram em um buraco no Mar da Tranquilidade, o mar de lava solidificada onde a Apollo 11 pousou em 1969. Esses dados revelaram que o buraco tinha paredes abertas de 130 a 170 metros abaixo da superfície, levando a pelo menos uma caverna profunda que serpenteia pela crosta lunar.
Cientificamente falando, explorar um canal como esse revelaria uma abundância de tesouros. “As cavernas são um ambiente único que preserva a história da Lua”, diz Lorenzo Bruzzone, pesquisador da Universidade de Trento, na Itália, e autor do novo estudo. Todos os tipos de segredos, desde a história do vulcanismo na Lua até a composição do enigmático interior do satélite, podem ser revelados ao se explorar uma caverna.
O tubo de lava recém-descrito é o primeiro conduto subterrâneo encontrado na Lua, reforçando a ideia de que ainda há inúmeros outros a serem descobertos. “Provavelmente existem centenas ou milhares de cavernas na Lua na forma de tubos de lava drenados”, comenta Gregg. E um dia, eles podem salvar a vida de um astronauta.
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Um santuário subterrâneo na Lua
O abrigo é a principal prioridade para as missões humanas na Lua. “Trata-se de ter um habitat pronto onde os astronautas possam passar longos períodos na Lua sem contrair câncer”, diz Paul Byrne, cientista planetário da Universidade de Washington em St. Louis.
E o abrigo se torna especialmente importante durante tempestades solares. O proeminente campo magnético da Terra e sua atmosfera espessa protegem a superfície de todas as explosões solares, exceto as mais terríveis. Mas a Lua não possui nenhum dos dois, o que significa que sua superfície é bombardeada por essa radiação sempre que está na linha de fogo do sol.
Astronautas desprotegidos podem enfrentar doses de radiação que variam de perigosas a mortais. “Uma tempestade solar poderia literalmente matar pessoas na superfície lunar”, explica Gregg. “Os computadores também não gostam de radiação solar.”
A radiação é absorvida e depois reemitida pela superfície lunar, o que também pode prejudicar os astronautas a longo prazo. “Estar na superfície, mesmo quando o Sol não está nos atingindo, ainda não é uma boa ideia”, diz Byrne.
Essas cavernas também podem servir de refúgio contra outras ameaças. A temperatura da superfície lunar pode subir e descer centenas de graus com uma velocidade impressionante, dependendo se está iluminada pela luz solar. Felizmente, é provável que “o interior das cavernas lunares mantenha uma temperatura estável”, comenta Carrer, oferecendo outra vantagem.
Pequenos meteoros do tamanho de uma torradeira ou menores não representam ameaça para a Terra, porque a atmosfera do nosso planeta os incinera. Mas a Lua não tem essa proteção gasosa. “A superfície da Lua é continuamente bombardeada por micrometeoritos, que acabam degradando tudo o que fica do lado de fora”, diz Gregg.
As cavernas de lava, então, seriam espaços de armazenamento resistentes para complementar os postos avançados lunares que estão sendo construídos por astronautas e robôs ao longo do tempo. “Habitats subterrâneos ou áreas de armazenamento prontos para uso economizariam muito trabalho para as pessoas”, diz Gregg.
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Espeleologia no Polo Sul da Lua
Essas cavernas não são soluções milagrosas para os aventureiros lunares. Para acessar uma caverna a centenas de metros abaixo da superfície, os astronautas podem precisar descer cuidadosamente de rapel, o que não é ideal se precisarem fugir rapidamente de uma tempestade solar.
Outra questão é que as cavernas podem não ser todas estruturalmente sólidas. “As cavernas que vimos até agora são visíveis porque o teto desabou”, afirma Gregg. “Acho que a estabilidade do teto será uma grande questão.”
A Lua também sofre terremotos lunares, que são raros, mas ocasionalmente fortes, e podem durar dezenas de minutos. Isso não só pode colocar em risco os postos avançados lunares, como também pode desestabilizar os tubos de lava.
“Eu gostaria de ver as paredes das cavernas reforçadas se um posto avançado fosse construído lá”, diz Thomas Watters, cientista planetário do Museu Nacional do Ar e Espaço em Washington, D.C., nos Estados Unidos. “Sem reforço, as paredes e o teto das cavernas poderiam desabar.”
Fundamentalmente, as agências espaciais estão visando o Polo Sul lunar, rico em recursos, para as primeiras estações humanas de longo prazo na Lua. Isso significa que elas podem não encontrar condutos de lava abundantes, que são mais prováveis de serem encontrados do lado da Lua voltado para a Terra.
Mas só o fato de saber que essas cavernas existem, após anos de especulações, ainda traz um certo conforto para quem busca respostas para os mistérios da Lua, um astro cujo destino está tão intimamente ligado ao da Terra.
“O importante é que agora identificamos uma caverna acessível que pode ser o alvo de uma futura missão robótica”, conclui Bruzzone. “Estamos prontos para ser surpreendidos.”
