Últimos dias dos dinossauros na Terra: fósseis raros revelam uma cena impressionante
Um rebanho de hadrossauros, um pequeno mamífero do Cretáceo, o dente de um predador… Esses são alguns dos achados de um sítio fóssil “excepcional” na América do Sul que promete aos cientistas uma nova perspectiva sobre o fim da Era dos Dinossauros.

Um rebanho de hadrossauros é retratado fugindo do fogo. Fósseis desses dinossauros herbívoros são comumente encontrados em sítios fósseis do final do Cretáceo no Hemisfério Norte, mas raramente são encontrados no Hemisfério Sul.
O apogeu dos dinossauros terminou em fogo. Há cerca de 66 milhões de anos, um imenso asteróide atingiu a antiga América Central e provocou a quinta extinção em massa da Terra, eliminando cerca de 75% das espécies conhecidas.
A maior parte do que sabemos sobre esse momento fatídico na história da vida vem de descobertas na América do Norte, entre os refúgios de dinossauros como o T-rex e o Triceratops no oeste americano. Os paleontólogos sabem muito menos sobre como a catástrofe se desenrolou mais ao sul do planeta, mas um leito de ossos de dinossauros recentemente descoberto na Argentina pode ajudar a mudar isso.
Chamado de Cañadón Tomás Quarry, o sítio fóssil tem “potencial excepcional” para revelar o que aconteceu na América do Sul durante a extinção em massa, afirma o paleontólogo Matthew Lamanna, do Carnegie Museum of Natural History, nos Estados Unidos.
As descobertas no local incluem ossos de vários dinossauros bico-de-pato chamados hadrossauros, que podem ter vivido juntos em um rebanho, bem como outros fósseis importantes, como o dente de um dinossauro carnívoro, uma vértebra de cobra e uma mandíbula de um pequeno mamífero. Essas descobertas mostram que as rochas preservaram animais grandes e pequenos desse ecossistema pré-histórico.
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Vista do sítio Cañadón Tomás, na Argentina, onde pode estar preservado todo um ecossistema de dinossauros e outras criaturas que existiam pouco antes do impacto do asteroide.
Hoje, a área é um deserto coberto por arbustos, mas há cerca de 66 milhões de anos essa parte da América do Sul era quente, úmida e coberta por plantas como samambaias e palmeiras. Pesquisas anteriores mostraram que Cañadón Tomás tinha um rio sinuoso que serpenteava em direção ao mar, cercado por amplas planícies aluviais, diz a paleontóloga Noelia Cardozo, da Universidade Nacional da Patagônia San Juan Bosco, na Argentina.
O habitat de água doce permitiu que as criaturas encontradas ali fossem enterradas e preservadas, proporcionando uma visão rara da vida nesta parte do mundo no final do período Cretáceo. “Existem muito menos locais que preservam fósseis de vertebrados terrestres que datam do final do Cretáceo no Hemisfério Sul”, afirma Lamanna, que recentemente descreveu o local na conferência anual da Sociedade Geológica Americana, nos Estados Unidos.
Embora seja mais difícil encontrar rochas com fósseis da idade certa no Hemisfério Sul, diz Lamanna, os especialistas dedicaram muito mais tempo e esforço à procura de sítios com fósseis do final do Cretáceo no Hemisfério Norte.
“Há menos pesquisadores e, muitas vezes, eles não contam com tanto financiamento no Hemisfério Sul”, comenta o paleontólogo Alexander Vargas, da Universidade do Chile, que não participou da nova pesquisa. O resultado foi uma visão distorcida do que aconteceu antes e depois da colisão do asteróide.
O sítio arqueológico de Cañadón Tomás ajuda a mudar essa história. Com grandes dinossauros herbívoros, sinais de carnívoros e material de animais menores, a pedreira oferece uma visão de todo um ecossistema que prosperou no final da Era dos Dinossauros.
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Gabriel Casal, da Universidade Nacional da Patagônia San Juan Bosco (à esquerda), Matthew Lamanna, do Museu Carnegie de História Natural (ao centro), e Derek Fikse, da Lehigh Valley Health Network (à direita), examinam um pedaço de mandíbula do primeiro mamífero do Cretáceo descoberto na Bacia do Golfo San Jorge, na Patagônia argentina.
Novos ossos, novos fatos sobre os dinossauros
Em 2020, pesquisadores da Universidade Nacional da Patagônia San Juan Bosco estavam procurando novos sítios fósseis na Patagônia quando o paleontólogo Bruno Alvarez encontrou a extremidade de um osso do pé. Não era apenas um fragmento isolado. Trabalhando sob chuva torrencial, a equipe continuou procurando até encontrar um leito ósseo inteiro.
Especialistas da universidade logo encontraram evidências de mais ossos em Cañadón Tomás, revelando que não havia apenas um dinossauro no local, mas vários indivíduos de diferentes idades — uma possível indicação de um rebanho.
Os hadrossauros despertaram o interesse de Lamanna porque os dinossauros bicos-de-pato são relativamente raros nas rochas da América do Sul. Essas descobertas no continente muitas vezes acabam sendo novas espécies, como o hadrossauro Gonkoken, descrito por Vargas e seus colegas em 2024 no Chile.
Mesmo assim, o local não pareceu imediatamente extraordinário. “Para ser sincero, não fiquei muito entusiasmado com o local logo de cara”, revela Lamanna. A equipe de campo estava estudando outros locais com fósseis na área ao redor da nascente do rio Chico.
Mas bastou uma pequena peneiração em busca de pequenos fósseis para encontrar algo que mudaria a opinião de Lamanna sobre Cañadón Tomás.“Assim que a mandíbula do pequeno mamífero apareceu, após duas horas de busca, minha opinião mudou completamente”, diz Lamanna.
O fragmento da mandíbula superior, contendo cinco dentes, era de um mamífero do Cretáceo chamado regiterídeo. “Eram pequenos mamíferos herbívoros, facilmente reconhecíveis por seus dentes altamente especializados, repletos de sulcos e saliências”, diz Lamanna.
O animal era provavelmente semelhante a um roedor, do tamanho de um esquilo, com dentes para triturar plantas. Ninguém havia encontrado uma mandíbula fóssil de mamífero em toda a bacia geológica. De repente, os cientistas perceberam que o local tinha o potencial de revelar novos detalhes sobre vários animais pouco antes do evento de extinção.
O mamífero não foi a única descoberta pequena e significativa. À medida que os especialistas aprofundavam as escavações, encontraram o dente de um dinossauro carnívoro chamado abelisaurídeo, semelhante ao Carnotaurus, bem como uma garra de um dinossauro terópode menor chamado noasaurídeo. As rochas de Cañadón Tomás também revelaram a vértebra de uma pequena cobra, reforçando que o local preserva uma grande variedade de vida.

A estudante de pós-graduação Noelia Cardozo, da Universidade Nacional da Patagônia San Juan Bosco, usa uma bússola para registrar a orientação dos fósseis na pedreira Cañadón Tomás.
Descobrindo os fatos da Pré-história
Os restos mortais de pequenos animais são importantes indicadores de sítios fósseis. Eles geralmente fornecem mais informações sobre a composição do ecossistema local do que os dinossauros grandes e de grande alcance.
E como os esqueletos menores se decompõem e se quebram mais facilmente do que os ossos grandes e resistentes dos dinossauros, os fósseis pequenos são achados raros. Mandíbulas de mamíferos com dentes, especialmente, ajudam os paleontólogos a avaliar melhor como os parentes ancestrais dos humanos se saíram ao longo do tempo.
A coleção de fósseis de Cañadón Tomás servirá como um teste para as hipóteses dos paleontólogos sobre esse período crítico. Alguns estudos sugerem que o número de espécies de dinossauros diminuiu no Hemisfério Norte durante o final do Cretáceo, talvez tornando os animais mais vulneráveis à extinção. “Costuma-se supor que, nos continentes do sul, esses padrões refletiam os do norte, mas será que isso é realmente verdade?”, questiona Lamanna.
Embora todos os dinossauros não aviários tenham sido extintos após o impacto do asteroide, os especialistas ainda não têm certeza sobre o destino das espécies sobreviventes no Hemisfério Sul.
“É possível que a distância do local do impacto tenha favorecido a sobrevivência de alguns grupos nas massas continentais do sul, como mamíferos monotremados e os ancestrais dos marsupiais modernos”, afirma Vargas. Isso ajudaria a explicar por que esses grupos de mamíferos estão presentes nas massas continentais do sul hoje, mas quase totalmente ausentes nas do norte.
As escavações e análises dos fósseis encontrados em Cañadón Tomás ainda estão em andamento. A equipe de campo planeja retornar ao local, diz Cardozo. Cada nova descoberta tem o potencial de completar um quadro global de como foi o fim do Cretáceo, pouco antes do infame impacto. “Mais e melhores fósseis são sempre ótimas notícias”, diz Vargas. E Lamanna está otimista em relação ao que a equipe de campo poderá descobrir durante as expedições futuras.
“Se nossa equipe já encontrou fósseis de uma cobra, dois ou três tipos diferentes de dinossauros e um mamífero, apesar de ter literalmente apenas arranhado a superfície”, diz Lamanna, “quem sabe o que mais pode estar lá?”
