Napoleão Bonaparte foi um grande líder ou um tirano?
Napoleão Bonaparte morreu em 5 de maio de 1821, em Santa Helena, uma ilha remota no meio do Atlântico Sul, onde vivia em exílio. Ele tinha 51 anos. Esses objetos ligados a Bonaparte estão expostos na casa particular de Giovanni Spadolini, ex-primeiro-ministro da Itália, que colecionou um grande número de livros, documentos e outros artefatos.
O ano era 1802. A colônia mais rica da França, Saint-Domingue (São Domingos, em português), na região das Antilhas, que fica na ilha caribenha de Hispaniola – hoje compartilhada pelo Haiti e pela República Dominicana –, estava em tumulto. Enquanto ex-escravizados lutavam contra seus senhores franceses, uma aliança de generais negros e mestiços lutava para restaurar a ordem sob a bandeira francesa.
Em seguida, chegaram notícias de Guadalupe, outra colônia francesa no Caribe. Os negros libertos que haviam se rebelado contra as tropas francesas que tentavam escravizá-los novamente haviam perdido a batalha.
O general e governante francês Napoleão Bonaparte – tema de um novo filme lançado nos cinemas – havia renegado uma promessa feita naquele ano: o restabelecimento da escravidão nas colônias francesas excluiria Guadalupe e outros territórios onde os negros haviam sido libertados durante a Revolução Francesa. Mas a ganância econômica prevaleceu, e Bonaparte restaurou as leis em Guadalupe que haviam sido derrubadas quando a França aboliu a escravidão em 1794.
O anoitecer na baía de Jamestown, a capital da ilha de Santa Helena. Napoleão Bonaparte passou seus últimos dias em Santa Helena, onde foi exilado pela segunda vez, depois que os líderes europeus reunidos em Viena o declararam um fora da lei e um obstáculo à paz.
Após oito anos de liberdade, os negros de Guadalupe estavam de volta à escravidão.
Os combatentes negros, bem como os de miscigenados perceberam rapidamente que a poderosa expedição de tropas francesas enviadas sob o comando do cunhado de Bonaparte, o general do exército Charles Leclerc, não estava em Saint-Domingue apenas para restaurar a ordem. Seu objetivo era restabelecer a escravidão e reafirmar o controle francês sobre toda a ilha depois que o líder da revolta dos escravos, Toussaint Louverture, publicou uma constituição em 1801 proclamando-se governador-geral vitalício e codificando a abolição da escravidão.
De repente, o movimento de resistência que começou em 1791 com uma série de rebeliões de escravos na ilha, embora agitado por conflitos internos, mudanças de alianças e a prisão e deportação de Louverture, foi deflagrado. Os eventos de 1802 dariam origem à primeira nação independente liderada por negros do mundo após o colonialismo: o Haiti.
Um mural retrata Napoleão Bonaparte na praça principal do pequeno vilarejo de Marciana Alta, na ilha de Elba (Itália), onde o líder militar foi enviado durante o seu primeiro exílio após suas conquistas.
Isso também selaria para sempre um legado de Napoleão Bonaparte que continua sendo uma fonte de controvérsia 200 anos após sua morte.
“Napoleão restabeleceu a escravidão em 1802 e o parlamento francês, em 2001, declarou por lei que a escravidão colonial era um crime contra a humanidade”, conta Georges Michel, historiador haitiano em Porto Príncipe, capital do país caribenho. Pelo papel de Bonaparte em reverter a abolição, Michel vê o líder militar como um homem que era “um criminoso contra a humanidade”.
Ele também vê uma ironia na maneira pela qual o francês mais famoso morreu. “Da mesma forma que Napoleão sequestrou Toussaint Louverture e o colocou em cativeiro, ele também termina sua vida em cativeiro. Ele tem o mesmo destino que teve Toussaint Louverture.”
Andrew Curran, professor de estudos franceses, disse que, embora Bonaparte tenha sido amplamente mencionado, muitas vezes há uma elipse em sua narrativa em que a Revolução Haitiana está ausente.
“Parte disso é o fato de que a Revolução Haitiana e a perda de Saint-Domingue foram realmente uma coisa extremamente poderosa e terrível para os franceses. É como se fosse o Vietnã deles”, diz Curran, que leciona na Wesleyan University, em Connecticut (Estados Unidos) e é autor de The Anatomy of Blackness: Science and Slavery in an Age of Enlightenment (A Anatomia da Negritude: Ciência e Escravidão em uma Era de Iluminismo, tradução livre em português).
“O fato de esse enorme país ter sido derrotado de forma retumbante por pessoas que eles achavam que não estavam no nível das pessoas que não deveriam tê-los derrotado – houve uma enorme vergonha, que se transformou no mais violento racismo.”
A Longwood House, na ilha de Santa Helena, foi onde Napoleão Bonaparte passou os últimos seis anos de sua vida no exílio. Antes disso, a casa tinha sido a residência do vice-governador da Grã-Bretanha. Bonaparte morreu no quarto dessa casa, aos 51 anos de idade.
O primeiro exílio de Napoleão Bonaparte ocorreu em 1814, após uma invasão russa fracassada. Os aliados europeus ordenaram seu envio para Elba, uma pequena ilha na costa da Toscana, na Itália. Este é um cômodo da Villa dei Mulini, atualmente um museu estatal, que serviu como residência principal de Bonaparte durante seus 300 dias na ilha.
Um cômodo da Villa dei Mulini, hoje um museu estadual, que serviu como residência principal de Napoleão Bonaparte durante o exílio em 1814 na ilha de Elba, na costa da Toscana (Itália).
O jardim da Villa dei Mulini, que serviu como residência de Napoleão Bonaparte na ilha de Elba durante seus 10 meses de exílio em 1814.
Legados em disputa
Bonaparte morreu em 5 de maio de 1821, em uma casa úmida e infestada de ratos em Santa Helena, uma ilha remota no meio do Atlântico Sul que é um território pertencente ao Reino Unido, onde ele vivia em exílio. Ele tinha 51 anos na época.
Em 2021, as comemorações do bicentenário de sua morte abriram velhas feridas. Seus legados dúbios de herói e tirano servem como um lembrete do passado colonial sombrio da França, onde o trabalho forçado de africanos escravizados a tornou uma das nações mais ricas da Europa.
Embora tenham sido planejadas homenagens nos departamentos franceses ultramarinos de Guadalupe e Martinica, nem todos brindaram ao legado complicado do ex-imperador.
A Main Street em Jamestown, na ilha de Santa Helena, vista do terraço do Hotel Consulado.
No Haiti, não houve colocação de coroa de flores ou missa católica em sua homenagem, como ocorreu em Santa Helena, nem houve encenações das aventuras de Bonaparte, como as vistas na ilha mediterrânea de Elba, onde o bicentenário de sua chegada ao exílio, em 11 de abril de 1814, foi comemorado com fanfarra.
Na morte, assim como na vida, Bonaparte divide opiniões e desperta sentimentos poderosos sobre sua ascensão e queda do poder, suas contribuições para a França e o legado que deixou espalhado pelo Caribe – especialmente no Haiti, onde sua marca permanece enraizada em uma história sangrenta.
As encenações históricas realizadas na ilha de Elba apresentam sósias de Napoleão Bonaparte, como Franco Giannoni – um funcionário aposentado da alfândega. Bonaparte passou 300 dias no exílio em Elba e sua presença permanece predominante até hoje no local.
Líder inspirador ou bélico?
Para seus admiradores, Bonaparte é considerado um autocrata esclarecido e o arquiteto da França moderna. Sua criação das escolas secundárias estatais conhecidas como lycées, frequentadas por grande parte da elite do país como parte de sua reforma do sistema educacional, continua sendo uma pedra angular da atualidade. Sua contribuição jurídica na forma do Código Civil aboliu os privilégios feudais, unificou as leis e formou a base do atual direito civil francês. Ele também organizou a França com seu governo estruturado e centralizado.
Pragmático, ele promoveu a ciência e reintroduziu a religião, colocando o judaísmo, o protestantismo e o catolicismo em pé de igualdade – não porque fosse religioso, mas porque considerava isso politicamente necessário. Em seu apogeu, Napoleão trouxe glória à França e salvação financeira após a desordenada Revolução Francesa, cujos valores universais de “liberdade, igualdade, fraternidade” são compartilhados por muitas nações, inclusive o Haiti, que o adotou como lema oficial da república.
“É claro que Napoleão é glorioso por causa das vitórias militares”, explica Peter Hicks, historiador britânico da Fondation Napoléon, em Paris, na França. “Talvez não seja assim que pensamos hoje em dia. Mas, na época, ele era extremamente popular devido ao imenso sucesso do exército francês”.
A biblioteca da casa de Giovanni Spadolini, ex-primeiro-ministro da Itália, em Florença, na Itália, apresenta volumes de literatura relacionados a Napoleão Bonaparte e um retrato de Voltaire. Spadolini tem uma grande coleção de livros, documentos e outros artefatos ligados a Bonaparte.
Mas com o sucesso vieram as falhas e o sofrimento humano. Para os detratores, ele é um belicista e déspota que negociou, manipulou e politizou seu caminho para o poder singular em um golpe de 1799 sem derramamento de sangue. O líder da França alterou a constituição três anos depois para se nomear Primeiro Cônsul vitalício.
Bonaparte não é associado à liberdade individual, como exemplificado por sua ordem de restabelecimento da escravidão e pelo conflito com Louverture, que declarou que “todos os homens nascem, vivem e morrem livres”, na constituição de 1801.
Incomodado não apenas com a linguagem da constituição, mas também com o ato autoimposto de Louverture de governar por toda a vida, Bonaparte escreveu mais tarde em suas memórias que “Toussaint sabia muito bem que, ao proclamar sua constituição, ele havia jogado fora sua máscara e tirado sua espada da bainha para sempre”.
Marlene Daut, professora associada de Estudos da Diáspora Africana na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, diz que apontar as contribuições positivas de Bonaparte “é sugerir que as pessoas cujas vidas ele destruiu não importam”.
Um raro quebra-cabeça alemão de 1814 que retrata a ascensão e a queda de Napoleão Bonaparte está exposto na biblioteca da Fundação Spadolini, em Florença, na Itália.
Um retrato bordado de Napoleão Bonaparte é exibido na biblioteca da Fundação Spadolini em Florença, na Itália.
Um cinzeiro com o tema Napoleão Bonaparte fica no escritório de Federico Galantini (historiador de Sarzana, na Itália), que coleciona artefatos e documentos relacionados ao ex-imperador.
Uma caricatura de Napoleão publicada na Inglaterra após seu exílio em Santa Helena está exposta na biblioteca da Fundação Spadolini em Florença, na Itália.
O número total de baixas civis e militares atribuídas a Bonaparte varia, conforme a historiadora francês Hippolyte Taine estima, em cerca de 1,7 milhão de mortes e outros colocando a cifra em 600 mil. Daut diz que outras estimativas variam entre três milhões e seis milhões. Essa é uma das razões pelas quais ela vê Bonaparte como uma escolha estranha para ser aclamado como “herói”.
O debate sobre o legado de Bonaparte ocorre em meio a um profundo exame de consciência, que vai além dos Estados Unidos, sobre o racismo, a discriminação, o colonialismo e a escravidão dos negros.
Nas ilhas francesas de Guadalupe e Martinica, no Caribe, onde ocorreram os eventos de comemoração, alguns veem o reconhecimento que ocorreu na época do bicentenário, pelo governo francês, como uma afronta – outro exemplo de uma nação que se orgulha de operar com um credo igualitário e sem distinção de cor, mas que age com cegueira quando se trata do legado da escravidão.
Os franceses reconhecem que Bonaparte é problemático, diz Daut, mas não estão necessariamente aceitando um acerto de contas generalizado. “Admitir que Napoleão é racista, para eles, é dizer algo sobre o povo francês e eles não conseguem lidar com isso”, diz Hippolyte.
“Mesmo quando estão dispostos a admitir os fatos do que ele fez – e na verdade não estão negando os fatos – isso os deixa muito, muito desconfortáveis, porque o que isso significa sobre toda a riqueza que eles têm em seu país. O que isso significa sobre toda a prosperidade? O que isso significa sobre a identidade francesa? Que ela foi construída sobre as costas de pessoas que assassinaram pessoas, e não apenas pessoas do Haiti.”
No pequeno centro histórico de Rio Marina, na ilha de Elba, o prédio amarelo à direita era a casa do governador da cidade. Quando Napoleão Bonaparte visitava a região de Rio Marina para supervisionar as operações de mineração de ferro, que ele havia revitalizado, ele passava dormia nessa casa.
A vida no exílio
A vida de Bonaparte no exílio sofreu uma reviravolta drástica. Como líder militar, ele realizou várias campanhas bem-sucedidas durante as guerras revolucionárias francesas e napoleônicas, coroou-se Imperador e sobreviveu a dezenas de tentativas de assassinato.
Mas ele acabou caindo em desgraça e sendo banido, sendo exilado duas vezes: primeiro para ilha de Elba e depois para ilha de Santa Helena.
Sua primeira passagem pelo exílio ocorreu em 1814, após uma invasão russa fracassada. Os aliados europeus forçam sua abdicação e despacham Napoleão Bonaparte para Elba, onde ele passa a governar os 12 mil habitantes da pequena ilha na costa da Toscana, na Itália. Ele recebe a promessa de dinheiro que nunca chega de uma França falida e passa seus 300 dias lá reformando o governo e a economia de Elba, supervisionando a construção de estradas e outros projetos.
Bonaparte, que afirmou querer viver "como um juiz de paz", pode se movimentar livremente por lá. Ninguém o vigiava e nenhum navio circulava pela ilha para mantê-lo lá. Mas o homem que estava acostumado a liderar exércitos e serviu como imperador francês por uma década ficou inquieto.
Pessoas se reúnem em frente à White Horse Tavern, em Jamestown, um dos três pubs da ilha de Santa Helena.
Apostando na crença de que o exército francês ainda lhe é leal, ele foge de volta para sua terra natal, onde um bando de soldados se junta a ele em sua busca para reconquistar o poder. Essa empreitada durou cem dias.
“A Europa não consegue acreditar, o mundo não consegue acreditar”, afirma Hicks, da Fondation Napoléon. “Os cem dias são extraordinários. As pessoas pensam: ‘Uau, ele fez isso?’ E a França não reagiu negativamente. Mas ela também não reagiu de forma positiva.”
Na época da fuga de Bonaparte de Elba, em fevereiro de 1815, os líderes europeus estavam se reunindo no que é conhecido como a Conferência de Viena, na Áustria, para reorganizar a região após suas conquistas. Eles estão cientes de suas escapadas e, em 13 de março, uma semana antes de sua chegada a Paris, Bonaparte é declarado fora da lei.
Seu arqui-inimigo, o Reino Unido, vinha tentando, sem sucesso, proibir a escravidão. Para irritá-los e parecer um governante liberal quando finalmente chega a Paris, Bonaparte declara a abolição da escravidão na França – pela segunda vez.
Levaria mais de três décadas para que os negros livres nos territórios franceses testemunhassem a abolição total da escravidão. Em 1848, a França se tornou o único país a abolir a escravidão três vezes, em meio a uma luta de interesses econômicos e racistas e de direitos humanos.
Quando Bonaparte morreu no exílio em Santa Helena, seu corpo foi envolto não em um, mas em quatro caixões aninhados - um feito de estanho, dois feitos de mogno e outro de chumbo. Ele foi sepultado em uma cova a 3 metros de profundidade na terra.
Vendo-o como um obstáculo à paz, os exércitos da Rússia, Áustria e Grã-Bretanha se unem pela última vez contra Bonaparte em junho e cercam a França. Durante três dias, na Batalha de Waterloo, Bonaparte finalmente é derrotado. Incapaz de fugir para a América, ele acaba se rendendo aos britânicos.
Bonaparte é exilado em Santa Helena, um posto avançado britânico acidentado e varrido pelo vento na costa da África – na época, uma colônia penal no meio do Atlântico Sul, onde a fronteira terrestre mais próxima fica a mais de mil milhas de distância. Bonaparte passa seus dias cuidando de seu jardim e reescrevendo a história em suas memórias.
Quando a morte chega a Bonaparte seis anos depois, supostamente por causa de um câncer de estômago, o corpo dele está envolto não em um, mas em quatro caixões aninhados – um feito de estanho que continha seu corpo, dois de mogno e outro de chumbo. Ele foi enterrado embaixo de um salgueiro em uma cova a três metros de profundidade.
O medo de um ataque dos partidários de Bonaparte e de possíveis distúrbios em uma França politicamente frágil manteve o líder nascido na Córsega no exílio até depois de sua morte – 19 anos se passariam até que seus restos mortais retornassem à França. Quando seu corpo chega, multidões curiosas fazem fila nas ruas para ver o caixão puxado por cavalos. Os restos mortais de Bonaparte estão hoje em um monumento no complexo Les Invalides, em Paris.
Vista aérea de Portoferraio, o principal porto da ilha de Elba, visto do mar. Essa é uma vista que deve ter sido bastante familiar para Napoleão Bonaparte, que passou 10 meses exilado na ilha.
O legado de uma revolta de escravos
Embora a restauração da escravidão em Guadalupe em 1802 tenha se tornado um ponto de virada na Revolução Haitiana, o mesmo aconteceu com a captura de seu líder, Louverture, que teve uma morte solitária em uma fria prisão francesa.
Como colônia francesa, Saint-Domingue tinha a maior população escravizada do Caribe, com muitos submetidos a espancamentos brutais e outros atos de violência. Havia também pessoas miscigenadas e negros livres que, embora não fossem escravizados, eram submetidos a um rígido sistema de castas e tinham a cidadania negada pelos líderes brancos da ilha. O tumulto foi exacerbado pela Revolução Francesa e, em 1793, para acalmar o conflito, a França acabou com a escravidão na colônia. No ano seguinte, ela foi abolida em todos os territórios franceses.
A ideia de fazer com que Saint-Domingue voltasse a ser uma colônia onde os negros fossem novamente escravizados e os de ascendência mista sujeitos a um sistema de castas – como em Guadalupe e Martinica, que tinham acabado de voltar para o domínio francês após a saída dos britânicos – era impensável.
“A missão de Napoleão era fazer com que Saint-Domingue voltasse a ser o que era antes de 1794, antes do início da revolução”, afirma Pierre Buteau, historiador e autor haitiano. “Eles concluíram que a única maneira de estabelecer o controle em Saint-Domingue era eliminar todos os grandes líderes da revolução.”
Mas os líderes não eram os únicos alvos. Em uma carta a Bonaparte, Leclerc escreve que o movimento abolicionista era tão forte que a reafirmação do poder em Saint-Domingue exigiria uma medida drástica: eliminar toda a população negra adulta, inclusive as crianças com mais de 12 anos de idade.
“Uma guerra de extermínio iria ocorrer, mas essa guerra de extermínio é o que levará à Batalha de Vertières”, diz Buteau sobre a última grande batalha da revolução, que levou a França a ser expulsa da ilha.
A repressão se tornou brutal. Leclerc e seu segundo em comando, o general Donatien-Marie-Joseph Rochambeau, soltaram cães ferozes que comeram homens, afogaram negros no mar e exibiram as cabeças de indivíduos rebeldes como advertência.
“A maioria das imagens famosas da Revolução Haitiana dos séculos 18 e 19 mostra pessoas negras com cabeças de pessoas brancas”, conta Daut. “Isso é muito rico, porque na verdade era o contrário.”
“Eles pegaram os exemplos dos colonizadores brancos porque era exatamente isso que eles sempre faziam”, continua ela. “Qualquer pessoa livre que lutasse por direitos, que reclamasse de preconceitos, eles cortavam suas cabeças, colocavam-nas em estacas e desfilavam pela cidade, literalmente.”
Alguns estudiosos argumentam que a Revolução Haitiana, que continua sendo a única revolta de escravizados bem-sucedida da história, não deveria ser considerada uma das derrotas de Bonaparte porque ele não estava lá e seu exército expedicionário era liderado por generais.
Outros dizem que já passou da hora de países predominantemente brancos, como a França e a Grã-Bretanha, que têm um histórico de escravização de pessoas, contarem uma narrativa mais completa de seus impérios.
Bonaparte enviou mais de 60 mil soldados para a ilha – e ainda assim perdeu. A revolta também interrompeu seus planos de expansão para o oeste dos Estados Unidos, o que levou à compra da Louisiana. E custou à França a principal joia da coroa de um império que se estendia até a África e o Caribe.
Jacqueline Charles é correspondente do Miami Herald no Haiti. Foi finalista do Prêmio Pulitzer por sua cobertura do terremoto de 2010 no Haiti e recebeu o Prêmio Maria Moors Cabot em 2018 por histórias das Américas..
Nascido em Milão, Sergio Ramazzotti escreveu e fotografou histórias para algumas das principais revistas do mundo, com um interesse especial na cobertura de guerras e crises humanitárias. Ele trabalhou com Ornella D'Alessio nesta história.
Editor's note: Este artigo foi publicado originalmente em 4 de maio de 2021. Ele foi atualizado agora em 2023.